As histórias, não importa se imaginárias ou não, determinam as ações, as opiniões, os apoios, as discordâncias e muito mais. Determinam em quem se vota, quais leis se quer ver aprovadas. Tornam certos crimes naturais e crimes certos fatos naturais. George Monbiot, colunista do jornal The Guardian, chega a afirmar que “aqueles que contam as histórias dominam pelo mundo.”
O poder das narrativas, até mesmo daquelas que são frutos puros da imaginação, tem ficado ainda mais evidente nesses tempos de intensa atividade nas redes sociais virtuais. Falsas ou verdadeiras, certas narrativas pessoais conseguem repercussões e alcances antes restritos aos meios de comunicação de massa, que, por vezes, também publicavam, e ainda publicam, suas versões infundadas.
Em seu novo livro, Out of the Wreckage: A New Politics for an Age of Crisis (Para fora do naufrágio: Uma nova política para uma era de crise), George Monbiot discute, exatamente, esse atributo das narrativas.
Em sua visão:
“Você não pode tirar a história de alguém sem lhe dar uma nova. Não basta desafiar uma narrativa antiga, por mais desatualizada e desacreditada que seja. A mudança ocorre apenas quando você a substitui por outra. Quando desenvolvemos a história correta e aprendemos a contá-la, ela contagiará as mentes das pessoas por todo o espectro político.”
Ele acredita que adquirimos e mantemos nossas crenças através das histórias que nos são contadas e que internalizamos. “Histórias são os meios pelos quais navegamos pelo mundo. Elas nos permitem interpretar seus sinais complexos e contraditórios. Todos nós possuímos um instinto narrativo: uma disposição inata para darmos conta de quem somos e onde estamos”, pondera.
Como, então, tentar convencer as pessoas de nossas ideias? Uma vez incutidas, as crenças serão imutáveis para cada um? Monbiot sublinha que “a única coisa que pode deslocar uma história é uma história. Histórias efetivas tendem a possuir uma série de elementos comuns. Eles são fáceis de entender. Eles podem ser resumidos e rapidamente memorizados. Eles são internamente consistentes. Eles dizem respeito a personagens ou grupos particulares. Existe uma conexão direta entre causa e efeito. Eles descrevem um progresso – desde o início, passando pelo meio e chegando até o fim. O final resolve a situação encontrada no início, com uma conclusão positiva e inspiradora.”
Voltando seu olhar para a política, Monbiot assegura que “na política, há uma história recorrente que capta nossa atenção. É assim que funciona: a desordem aflige a terra, causada por forças poderosas e nefastas que trabalham contra os interesses da humanidade. O herói – que pode ser uma pessoa ou um grupo de pessoas – revolta-se contra esta desordem, combate as forças nefastas, supera-as apesar de grandes chances contrárias e restaura a ordem”.
Ele prossegue com duas histórias sobre a conduta adotada pelos países na economia. Em primeiro lugar aborda sua visão da história social-democrata que prevaleceu da Grande Depressão de 1929 até o final dos anos 1970.
“A história social-democrata explica que o mundo caiu em desordem – caracterizada pela Grande Depressão – por causa do comportamento egocêntrico de uma elite incontida. A captura, pela elite, tanto da riqueza mundial quanto do sistema político, resultou no empobrecimento e na insegurança dos trabalhadores. Ao se unirem para defender seus interesses comuns, as pessoas do mundo poderiam derrubar o poder desta elite, desapossá-los de ganhos ilícitos e reunir a riqueza resultante para o bem de todos. A ordem e a segurança serão restauradas sob a forma de um estado protetor e paternalista, investindo em projetos públicos para o bem público, gerando riqueza que garanta um futuro próspero para todos. As pessoas comuns da terra – os heróis da história – triunfariam sobre aqueles que as oprimiam.”
Em seguida descreve a história neoliberal que prepondera, desde o final dos anos 1970, até hoje.
“A história neoliberal explica que o mundo caiu em desordem como resultado das tendências coletivistas do estado supermoderno, exemplificado pelas monstruosidades do estalinismo e nazismo, mas evidente em todas as formas de planejamento estatal e todas as tentativas de construir resultados sociais. O coletivismo esmaga a liberdade, o individualismo e a oportunidade. Empresários heroicos, mobilizando o poder redentor do mercado, combateriam essa conformidade forçada, liberando a sociedade da escravidão do estado. A ordem seria restaurada sob a forma de mercados livres, oferecendo riqueza e oportunidade, garantindo um futuro próspero para todos. As pessoas comuns da terra, lançadas pelos heróis da história (os empresários que buscam a liberdade) triunfariam sobre aqueles que os oprimiam.”
Fatos, evidências, valores, crenças são subjugadas por histórias, pontua Monbiot. Por quais histórias você está capturado? Qual será nossa capacidade de formular uma nova história?
“A Nossa Bandeira Jamais será Vermelha” é o filme da desgraça brasileira. E a culpa é da Globo!
Documentário do jornalista Pablo Guelli culpa a grande mídia e, em especial, a Globo, pela vitória do fascismo e pela derrocada do projeto popular. Foi tudo feito com mentiras, fraudes e manipulação sem limites
O documentário “A nossa bandeira jamais será vermelha”, dirigido pelo jornalista Pablo Guelli, é mensagem na garrafa lançada no mar de desesperança em que se transformou o Brasil. Só daqui a anos, quando o País recuperar a capacidade de se indignar, será possível entender, em toda sua extensão, a gravidade das denúncias contidas no filme.
Fraudes, empulhação, mentiras. O trabalho sujo da grande mídia brasileira. É essa a matéria-prima de que é feito o filme – todo ele dedicado a tentar explicar como chegamos a essa nauseante indiferença em relação à barbárie representada por Jair Bolsonaro (e daí essas 156 mil mortes por covid-19?); por fundamentalistas religiosos que preferem a morte de uma menininha estuprada a salvá-la de uma gravidez que não cabia nela; por incendiários do cerrado, da floresta Amazônica e do Pantanal, aos quais o sofrimento da natureza é apenas cena de videogame; e por fascistas em geral, que agora (Graças a Deus! Amém, Jesus!) podem comprar fuzis do Exército, cuja venda acaba de ser facilitada pelo governo federal.
Não adianta a Rede Globo, a Folha, a Veja fingirem ser oposição a tudo o que aí está. Eles são parte do monstro bolsonarista. Foram elas, e a desmoralização que provocaram com seu turbilhão de mentiras, despejado 24 horas por dia, todos os dias, ao longo de 16 anos, que criaram a desconfiança na Democracia, na Política, na Imprensa, na Justiça, no País, nos Brasileiros. Só podia dar no que deu.
Tornamo-nos um caso clínico de doença social, de fobia às diferenças, de maníaca disposição para o ridículo, de negação da realidade e da consequente denúncia dessa conspiração internacional chamada… Ciência.
“A nossa bandeira jamais será vermelha” é como uma sala do Instituto Médico Legal. Está lá, esticado na mesa de autópsia, o corpo do Brasil alegre e inzoneiro, do Brasil lindo e trigueiro, do Brasil, samba que dá, bamboleio que faz gingar, da terra de Nosso Senhor – e de Lula também.
O filme convocou uma junta de médicos legistas encarregados de investigar a causa-mortis daquele Brasil. Dos depoimentos consternados de Glenn Greenwald, Noam Chomsky, Luís Nassif, Xico Sá, Jessé Souza, Ricardo Melo, Ana Magalhães, Igor Fuser, Tales Ab’Saber e Rodrigo Vianna, emerge uma só conclusão. Foi a Rede Globo que matou o Brasil generoso que era o ideal de País saído da Constituinte de 1988. Foi a Rede Globo e seus comparsas menores, representados pela Editora Abril, pela Folha de S.Paulo, pela TV Record etc.
“Eu nunca vi um país com uma mídia dominante tão fraudulenta quanto a mídia brasileira”, resumiu Glenn Greenwald, do alto de seu prêmio Pulitzer, a suprema glória da imprensa ocidental.
Greenwald foi o jornalista responsável pelo desnudamento da Operação Lava Jato e do juiz Sérgio Moro, em reportagens publicadas pelo “The Intercept Brasil”, e o cara que tornou pública a imensa operação de espionagem global da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA). Ele mostrou que o Grande Irmão existe e a privacidade, não. Que ninguém está a salvo dos olhos do Império.
Todos os depoimentos colhidos no filme tratam do caráter fraudulento da cobertura jornalística da grande imprensa brasileira, interessada antes de mais nada em assassinar as reputações dos integrantes do Partido dos Trabalhadores – e de Lula, em particular. E, depois, em criminalizar, processar, prender e, por fim, fazer desaparecer o maior partido de esquerda do Ocidente. E tudo bem que isso ocorresse ao arrepio da lei, em conchavos com o juiz Sérgio Moro e com os golden boys treinados por agentes americanos especializados na desestabilização de governos democraticamente eleitos.
A Globo hoje resmunga que está sendo atacada por Bolsonaro. Tadinha! Isso acontece porque ela mesma cavou a imensa cratera em que sua reputação de “mídia profissional e isenta” foi enterrada. Cavou com manipulações, com desfaçatez, com âncoras fazendo caras e bocas de indignação, a cada vez que pronunciavam as palavras PT, Lula ou Dilma. Cavou quando orquestrou uma manipulação em massa que destruiu a confiança da população na imprensa tradicional e jogou o país em direção ao fascismo.
Bolsonaro, que de bobo não tem nada, não perderia a oportunidade de solapar o incontrastável poder que a Globo tem sobre o Brasil (por que se manteria sob o tacão, podendo livrar-se dele?). E o presidente fascista também engrossou o coro brizolista: “O Povo Não é Bobo. Abaixo a Rede Globo!”
Não deixa de ser irônico: Bolsonaro, o maior beneficiário de todas empulhações, fraudes, falsificações, ardis, desonestidades e tapeações cometidos pela grande imprensa brasileira, agora se transforma no maior algoz do algoz do PT, de Lula e de Dilma.
E o resultado está aí: A Globo demitindo suas maiores estrelas do noticiário e da teledramaturgia, pra fazer caixa! O agravamento da crise eterna do SBT, a circulação decrescente dos grandes jornais e revistas. A falência da Editora Abril. Sobram a TV Record e o lumpesinato em forma de televisão, que é a RedeTV ou a Bandeirantes.
O jornalista Pablo Guelli, diretor de “A Nossa Bandeira Jamais Será Vermelha” – Foto Divulgação
Foi o jornalista Pablo Guelli quem me chamou a atenção para o nome do documentário que o inspirou a realizar o filme que acaba de apresentar. Era um filme produzido pela britânica BBC, chamado “Muito Além do Cidadão Kane”, de Simon Hartog, exibido em 1993 pelo Channel 4, emissora pública do Reino Unido. O documentário mostra as relações entre a mídia e o poder do Brasil, focalizando a figura de Roberto Marinho e comparando-o a Charles Foster Kane, personagem criado em 1941 por Orson Welles para o filme “Cidadão Kane”, drama baseado na trajetória de William Randolph Hearst, magnata da comunicação nos Estados Unidos.
O nome escolhido para o documentário sobre Roberto Marinho foi “Muito Além do Cidadão Kane”. A chave está no “Muito Além…”, ressaltando que o poder de manipulação e controle de Marinho sempre foi muito maior do que o do próprio Cidadão Kane. E foi, já que Hearst viveu em um país com milhares de jornais, revistas, TVs e rádios, competindo entre si, enquanto Marinho tornou-se o maioral entre apenas seis outros chefões da mídia brasileira – um caso espetacular de hiper-concentração da propriedade de meios de comunicação.
Mas talvez os herdeiros de Roberto Marinho tenham exagerado na fórmula, tornando-a antieconômica, algo que nunca ocorreu com Hearst. Os jornais de Hearst eram sensacionalistas? Eram. Mentiam? Mentiam. Manipulavam? Sim. Mas todo o espetáculo que propiciavam tinha como objetivo aumentar as tiragens, a receita publicitária e, ao final, a margem de lucro do negócio.
No Brasil, a espetacularização do linchamento da esquerda e do PT, de Lula e de Dilma, se foi eficiente para arrancar do poder o partido vencedor em quatro eleições consecutivas, ao mesmo tempo rasgou as relações de confiança que precisam existir entre mídia e consumidor. E isso foi feito a um ponto em que o negócio, tendo-se tornado deficitário, está em xeque. Ou seja, a continuidade até o limite da exaustão do espetáculo farsesco destruiu boa parte da credibilidade da grande mídia. E a culpa é dela mesma.
Do filme de Pablo Guelli só sobra a mídia independente, multifacetada, carente de equipamentos, pobre. São os pequenos veículos-quixotes, que sobreviveram à indiferença do PT para com a centralidade das narrativas na definição do projeto coletivo de País. Sobram blogs e sites de esquerda, que sobrevivem hoje às redes de ódio mantidas pelo fascismo bolsonarista. Sobra a vontade desesperada de deixar para o futuro uma explicação generosa com o povo brasileiro, que não acabe depositando mais uma vez sobre os ombros desses milhões de homens e mulheres pobres, oprimidos e manipulados, a responsabilidade por sua própria desgraça. Não, não é culpa do povo. É dos mentirosos compulsivos e poderosos, em primeiro lugar a TV Globo. Por isso, mais uma vez: “O Povo Não é Bobo! Abaixo a Rede Globo!”
Serviço:O filme “A Nossa Bandeira Jamais Será Vermelha” estreou no dia 22 de outubro, nas plataformas NOW, iTunes, Vivo, Microsoft e Looke.
Avaliação:Imprescindível
Veja aqui a entrevista exclusiva feita com o diretor do filme “A Nossa Bandeira Jamais Será Vermelha”. Pablo Guelli:
Escutar notícias, ouvir uma narração e ser levado por uma trilha sonora… O que antes poderia ser um programa de rádio, hoje talvez seja um episódio de podcast. Esse fenômeno que invadiu a internet há poucos anos, continua em constante crescimento no número de ouvintes e se expande também na variedade de assuntos oferecidos. Atualmente, grande parte dos temas de podcasts estão relacionados à pandemia da COVID-19 ou ao contexto sócio-político decorrente do bom ou mau enfrentamento dos governos a essa crise mundial sanitária. No nosso país, a pandemia escancara as desigualdades ao evidenciar os problemas sociais que separam as classes econômicas da população.
Diante desse contexto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez decidiram mergulhar no mundo do podcast para contar histórias de mulheres brasileiras que enfrentam a pandemia, além dos desafios diários vividos cotidianamente. “A gente tem certeza que as mulheres sempre tem as melhores soluções. Ao reunir essas histórias, trazemos muitas ideias e inspirações, formando uma grande ciranda. Daí veio o nome do podcast: Cirandeiras“, conta Joana.
Para conhecer melhor esse espaço de webrádio e feminismo, os Jornalistas Livres fizeram um bate-papo com as jornalistas que contam sobre o processo de produção, a pandemia e a relação desse projeto com a democratização da comunicação.
Como começou
Raquel Baster e Joana Suarez já dividiam afinidades pelas pautas feministas e bastou apenas uma semana de quarentena para que colocassem o projeto do podcast em ação. Joana, que vem do jornalismo de redação, conta que já vinha se aproximando da rede de podcasts, refletindo sobre a acessibilidade do áudio e seu poder de democratizar: “A maioria dos textos que eu faço são textos enormes e tenho a certeza que muita gente não lê, principalmente as mulheres sobre quem eu falo. O áudio me atraía muito porque leva as pessoas a imaginarem, criar cenários e ir para outra dimensão. Agora na pandemia onde as pessoas estão confinadas, o podcast virou uma companhia, uma forma de sair de casa.”
Já Raquel trouxe ao universo do podcast, sua experiência com a comunicação popular: “Eu sempre trabalhei muito com rádio comunitária e me interesso por essa forma de comunicação que está mais próxima das pessoas. Por mais que ainda seja um novo tipo de mídia, o podcast traz as características do rádio, como as histórias contadas através de uma narração.”
Como é produzido
Muitas vezes, quem escuta um podcast não imagina o que pode estar por trás de sua produção. Segundo as jornalistas, a primeira coisa a fazer é pensar no tema e escolher as mulheres para as entrevistas, por elas chamadas de “cirandeiras”.
“Geralmente o episódio tem a ver com uma pauta que já trabalhamos anteriormente e assim, procuramos mulheres que já tivemos contato. Por coincidência, toda vez que decidimos uma pauta, acontece algo nacionalmente que se conecta ao programa.” Joana lembra que o episódio recente Pandemia na internet sobre segurança digital foi ao ar na mesma semana em que o Senado brasileiro discutia o projeto de lei que combate fake news, enquanto outra discussão acontecia nas redes sobre a exposição de dados pessoais dos usuários do aplicativo FaceApp.
Após o primeiro contato, elas fazem uma pesquisa sobre a cirandeira, enviam as perguntas e dão algumas dicas à entrevistada de como fazer uma boa gravação utilizando o próprio WhatsApp. Como essa orientação, muitas vezes, não é suficiente, nem sempre os áudios tem a melhor qualidade, “mas na pandemia tá tudo justificado”, comenta Joana.
Com as respostas da entrevistada, o roteiro chega a ter mais de 10 páginas e leva de 20 a 30 horas para sua elaboração. A cada episódio, uma delas toma à frente a função de escrever o roteiro, incluindo referências pessoais, e em seguida, a parceira acrescenta a sua parte. “A gente percebe que às vezes um tema muito comum para uma, pode ser muito complexo para a outra. A gente vai se complementando para facilitar o entendimento de quem escuta”, conta Raquel.
Depois do roteiro, vem a hora da gravação que exige algumas preparações, como escolher um horário silencioso do dia para gravar, desligar a geladeira e armar um pequeno estúdio caseiro com edredons. “O legal do podcast é que é uma mídia barata. Basta ter um celular, internet e gambiarras”, conta Joana dando risadas.
Retorno dos ouvintes
As jornalistas contam que 75% das pessoas que ouvem o podcast são mulheres e pertencem ao grupo social que elas convivem. Além do desafio de expandir a rede de ouvintes, elas relatam que ainda é uma grande dificuldade fazer com que o podcast retorne às pessoas entrevistadas e a outras mulheres que não estão acostumadas a esse tipo de mídia.
Raquel conta que a cirandeira Lia de Itamaracá, entrevistada no episódio Pandemia na Ilha, só pôde escutar o podcast após seu produtor viajar até a ilha onde mora para mostrá-la pessoalmente em seu celular. Lia é uma das mulheres brasileiras que ainda não fazem parte dessa grande rede de internet em 2020.
Um infográfico produzido pelo site iinterativa utilizando as fontes do IBOPE, Spotify Newsroom e ABPod, mostra que cerca de 45% do público dos podcasts é formado por homens, do sudeste do país, que pertencem às classes A e B e tem entre 16 e 24 anos. Segundo a pesquisa feita em 2019, 32% dos entrevistados nem sabiam o que é um podcast.
Se o podcast ainda é limitado a uma pequena parcela da população, o WhatsApp talvez possa ser um lugar mais democrático para a sua difusão. As jornalistas contam que decidiram fazer os episódios em formatos pequenos de até 30 minutos para conseguir enviar pelo aplicativo de mensagens e garantir que o podcast alcance o maior número de pessoas.
Democratização da comunicação
Para a jornalista Raquel Baster, é inevitável discutir o alcance dos podcasts sem pensar na democratização dos meios de comunicação no Brasil. Apesar do surgimento das novas mídias, grande parte das informações veiculadas é controlada por um conglomerado de grandes empresários que atendem os interesses privados dessa própria elite.
Segundo ela, “não adianta inventar a roda do podcast, sem falar da estrutura da comunicação no Brasil. Para tornar (a comunicação) mais acessível, precisamos discutir a concentração midiática. A internet ainda não é acessível para grande parte da população brasileira. Precisamos que o maior número de pessoas tenham acesso, mas que possam também alcançar os meios de produção.”
No episódio sobre trabalhadoras rurais, a entrevistada Verônica Santana fala sobre a dificuldade das agricultoras em conseguir se comunicar durante a pandemia, visto que o trabalho sempre foi presencial. “A gente tem muita dificuldade, tanto no domínio dessas ferramentas, como no desafio de que a internet não funciona na maioria dos nossos territórios rurais. No campo, a internet ainda não é uma realidade.”, diz Verônica.
Segundo a pesquisa TIC Domicílios, apenas 50% da população rural tem acesso a internet e esses números podem diminuir ainda mais de acordo com o recorte social e econômico.
Por outro lado, Joana revela seu otimismo no poder das novas mídias: “Acho que o podcast vai se democratizar como aconteceu com o Instagram. Quando a gente poderia imaginar ter acesso a sotaques das pessoas do sertão do Cariri?” Joana se refere ao podcast BUDEJO, de Juazeiro do Norte, e cita ainda o Radionovela produzido por alunos da UFPE em Caruaru, no agreste pernambucano, que narra em formato de radionovela O Alto da Compadecida em Tempos de Pandemia, adaptação da obra de Ariano Suassuna.
Para onde vai essa Ciranda
O podcast Cirandeiras teve início durante a pandemia, portanto grande parte dos seus episódios tem esse tema como contexto. No entanto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez pretendem continuar os episódios futuramente, indo a diferentes locais do Brasil para entrevistar de perto as mulheres que conduzem “as cirandas”.
Os episódios das Cirandeiras estão disponíveis nas plataformas mais conhecidas de podcast e tem a cada quarta-feira um novo episódio. Também estão presentes no Instagram, onde ocorrem as lives com as outras mulheres dentro das temáticas dos programas.
Que me perdoe Dacio Malta, um dos mais destacados jornalistas do país e produto de uma linhagem que vem de Octavio Malta, co-fundador da Última Hora e um dos mais brilhantes profissionais da grande imprensa quando ela podia ser chamada deste nome.
Mas o último artigo de Dacio aqui publicado, sobre o impeachment de Bolsonaro, ficou no meio do caminho.
Ele tem toda razão ao afirmar que Bolsonaro merece o impeachment diante da atitude do genocida, expulso do exército como terrorista, frente à Covid-19. Mas oscila quando diz que seus outros crimes foram “absolvidos” porque foi eleito em 2018.
Ora, Bolsonaro não foi eleito sob regras democráticas. Primeiro, beneficiou-se do impeachment irregular de uma presidenta legitimamente eleita. Depois, contou com o apoio sórdido de uma ação judicial conduzida contra Lula pelo seu futuro ministro, hoje “desafeto”, o infecto Sérgio Moro. Qualquer dúvida a respeito desaparece quando se consultam os diálogos trazidos a público pelo “The Intercept Brasil”. Lá se revela o caráter criminoso e parcial com que o Marreco de Curitiba manipulou o processo. Não bastasse isso, Bolsonaro beneficiou-se de uma máquina milionária de mentiras, orientada por assessores americanos e financiada por empresários brasileiros para espalhar fake news contra seus adversários.
Não fosse tudo isso, Lula teria ganho as eleições com folga ainda no primeiro turno. Até a rampa do Planalto sabe disso.
Bolsonaro é um presidente fraudulento, ilegítimo, com ou sem covid-19. Um usurpador. Sua trajetória neofascista, misógina, homicida, armamentista,desenvolvida durante 30 anos no Congresso, só se tornou “maioria nominal” graças a expedientes liberticidas e, sobretudo, porque contou com o apoio da elite apodrecida que prefere qualquer coisa, menos governos com algum viés social.
Sim, estes traços tenebrosos ganham tintas mais carregadas quando ele age como homicida assumido diante de uma pandemia devastadora. Transformou o Ministério da Saúde dirigido por militares desqualificados em um esconderijo de cadáveres.
Mas isso é apenas o ápice da trajetória de um desequilibrado a serviço do grande capital e seus asseclas na grande mídia, nas Forças Armadas, no Judiciário e no Legislativo. Bando de acólitos anti-Brasil. O conjunto da obra já é mais do que suficiente para expulsar Bolsonaro e sua gangue do poder que ele e sua turma de milicianos tomaram de assalto, pisoteando meios democráticos elementares.
Paradoxalmente, esse alucinado só está de pé por causa do isolamento que ele tanto ironiza. Estivesse segura de sair às ruas sem colocar em risco a própria vida, a população já teria dado cabo deste excremento. Isto já começou a mudar como mostraram as manifestações de domingo.
Este será o curso inevitável dos próximos momentos.
*Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.