Política anti-cotas da USP elitiza e segrega futuros ingressantes

Apesar da implantação do sistema de cotas pelas universidades federais brasileiras, a Universidade de São Paulo (USP) ainda resiste a adesão das ações afirmativas para negros e pardos, mas mantém o acesso a estudantes da elite. Na última terça-feira (07) alunos e ex-alunos da universidade membros do coletivo ‘Ocupação Preta’ tentaram participar da reunião do Conselho Universitário (C.O) que acontecia com o reitor da universidade, Marco Antonio Zago, na antiga reitoria, na tentativa de discutirem a representatividade negra na instituição.

Todas as universidades federais já aderiam às cotas para ingressos de alunos afrodescendentes. No entanto, a USP diz não ter condições financeiras para realizar tal procedimento, visto que, a instituição passa por uma crise. Entretanto, os integrantes do coletivo nos contam que para que isso aconteça, é necessário apenas da autorização do Reitor ou até mesmo do governador do estado Geraldo Alckmin.

“Foram aprovadas cotas em 2012 em nível federal, visto que o número de alunos pretos triplicou neste período (2012 para 2013). Quer dizer que as cotas fizeram com que alunos negros se matriculassem na FUVEST, mas não foi o mesmo índice dos que entram na universidade, isso é um absoluto desrespeito com os alunos negros que não estão aqui. A USP está deixando claro para a sociedade brasileira que alunos eles querem aqui, que não são os alunos negros e sim os brancos’, diz uma das integrantes do coletivo.

As pesquisas realizadas pela FUVEST (Fundação Universitária para Vestibulares) em 2013 mostram que para os cursos de exatas (sem contar os treineiros) 3,9% dos inscritos foram pretos e 14,4% pardos. Para os cursos de Humanas 4,8% pretos, 15,5% pardos; e para os cursos de Biológicas 3,9% pretos e 14,4% pardos. Entretanto, mesmo com esses dados, os alunos afrodescendentes não passam de 7% do volume total dos alunos ingressantes na Universidade de São Paulo.“Quanto maior a nota de corte, maior a renda per capita, menor é o número de pretos no curso. Em 2013 nas carreiras de ponta não teve nenhum aluno negro ingressante”, afirma uma integrante do movimento.

O coletivo fala que a discriminação não acontece apenas para entrar na Universidade, mas também dentro das salas de aula. Uma integrante nos conta de uma disciplina de Psicometria, ministrada pelo curso de Psicologia da USP de Ribeirão Preto:

“É um semestre de racismo puro! Ela (matéria) defende uma teoria que diz que a renda depende da inteligência e que a inteligência é genética, então faz um mapeamento do Q.I por país com a renda do país. Onde está o menor Q.I? Na África. Onde está a menor renda? Na África. A lógica dela é que você passa fome porque você não tem Q.I, porque você é burro, ele (professor) passa um semestre defendendo essa teoria”

O grupo tem feito intervenções nas salas de aula da instituição, com o intuito de promover o debate entre todos os estudantes sobre a baixa representatividade negra na instituição. As ocupações pretas têm acontecido, propositalmente, nas aulas em que os professores têm histórico de racismo. “Teve um professor do curso de Geografia, que disse: “o Exército Brasileiro está no Haiti para controlar a macacada”, disseram.

Ocupação do Conselho Universitário

O grupo ocupou a antiga reitoria do Conselho Universitário da USP na tentativa de discutir a implantação de cotas na universidade, mas não obtiveram êxito. Segundo os membros do Ocupação Preta, os representantes do conselho ignoraram todas as tentativas de diálogo com os estudantes. “Levamos um chá de cadeira de duas horas, até que as coisas começaram a ficar estranhas e a polícia rondando o prédio”, disseram.

Após um tempo, os estudantes saíram da sede do conselho, mas dois alunos ficaram no interior do prédio impedidos de sair. “Nós decidimos que teríamos que forçar a nossa entrada, porque estávamos sendo impedidos de dialogar”, disseram.

O grupo sofreu com agressões dos guardas particulares do Conselho Universitário. “Fomos agredidos e um aluno transnegro foi para o hospital após levar um soco nas costas e uma menina teve o dedo quebrado”.

No dia em as intervenções em sala de aula começaram, um estudante da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) gravou um vídeo do momento em que o grupo ocupava a sala na tentativa de iniciar um debate sobre a representação negra. No entanto, o grupo foi surpreendido com argumentos contrários à implantação de cotas raciais na universidade e tentativa de minimizar os debates.

O caso não foi o único, no mesmo dia foram feitas intervenções em outras aulas com o intuito de levar a reflexão sobre a representatividade dos negros, mas também foram hostilizados. “Nós fomos na POLI [Escola Politécnica da USP], e quando chegamos os alunos perguntaram: ‘o que vocês estão fazendo aqui? Aqui não é o lugar de vocês’ ” contaram. “O professor chegou e ameaçaram chamar a guarda universitária para a gente”, completaram.

A USP tem seguido o caminho inverso da inclusão da população negra e pobre na universidade. A indústria do vestibular é uma ferramenta que segrega aqueles que são historicamente oprimidos e elitiza o universo do conhecimento. Contudo, as ações afirmativas é uma iniciativa que sobre a dívida histórica com uma população que há séculos é marginalizada.

 

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