Piso nacional do magistério público do ensino básico pede revisão urgente

O recente “desajuste” do piso salarial dos profissionais do magistério público da Educação Básica e a urgência de sua revisão

Fabio Faversani, professor da Universidade Federal de Ouro Preto

Os últimos três reajustes do piso nacional da Educação Básica deixam clara a ausência de uma fórmula de cálculo adequada, de longo prazo, com previsibilidade e que assegure ganhos reais. O mecanismo atual não cumpre o objetivo precípuo da adoção do Piso, qual seja, um aumento da atratividade das carreiras da educação e efetiva valorização de seus profissionais. Além disso, não tem provido os entes federados com a necessária previsão orçamentária para seu devido cumprimento sem maiores sobressaltos ou incertezas. 

Em 2022, o reajuste foi de 33,2% (contra uma inflação expressa pelo IPCA do ano de 2021 de 10,1%). Era ano eleitoral e, ainda que isso nada tivesse a ver com governos de turno, foi obviamente explorado em campanha e, de outra parte, gerou grita especialmente de gestores municipais quanto à capacidade de os municípios fazerem frente a tais despesas. Desde esse momento, acumulam-se questionamentos quanto à legalidade do dispositivo de reajuste do Piso. O argumento central era que um aumento que elevava o piso em cerca de 21% acima da inflação (ou 22,1% em uma conta errada, que dava um número mais chamativo para a diferença) não tinha previsão nos orçamentos e “quebraria” estados e municípios. Esse era o ponto central: não há como absorver no orçamento um ganho real expressivo da remuneração de docentes. Isso é grave, pois o orçamento deve contemplar políticas de Estado sem questionamentos, especialmente quanto ao seu descumprimento.  

Em 2023, o reajuste determinado pela fórmula de cálculo foi de 14,9%. A inflação medida no período anterior foi de 5,8%, trazendo um ganho real de 8,6% no balanço do exercício passado (ou 9,1% na conta errada). Os questionamentos cresceram, mas já sem os ruídos próprios de um ano eleitoral. A lógica do cálculo do ajuste do piso e sua fundamentação legal foram ainda mais questionados, sempre esquecidos que há uma previsão Constitucional a ser cumprida (para um exemplo, cf. https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/cnm-alerta-que-reajuste-do-piso-do-magisterio-nao-tem-base-legal-e-orienta-cautela-aos-gestores-municipais ). Os ajustes acima da inflação levaram a manifestações de que os salários ficariam muito altos, um peso insuportável especialmente para orçamentos já desiquilibrados. Vozes contra o Piso se multiplicaram aqui e ali, sob pretexto da liberdade de decisão dos gestores de fazer cortes onde lhes aprouvesse, sem “amarras”.  

Eis, contudo, que nesse ano o cálculo resultou em um índice de 3,6% contra uma inflação, sempre considerada pelo IPCA do exercício anterior de 4,6%, ou seja, aproximadamente 1% de perda para a inflação (0,96%, se quiserem mais precisão). As diferenças entre os números e seus desvios com relação aos padrões inflacionários deixam claro que se trata de uma fórmula de cálculo que não serve aos preceitos que deveriam ser a base de uma política de valorização do piso salarial dos profissionais do magistério público da educação básica e da construção dos orçamentos dos entes federados. 

O primeiro ponto, central, é a valorização da remuneração e, assim, da atratividade da carreira. Prova disso é que, mesmo após dois anos seguidos de ganhos acima da inflação no período analisado, o valor resultante em 2024 é de R$ 4.580,57. Ou seja, um valor abaixo até mesmo do salário-mínimo do Dieese (R$ 6.723,41 em valores de janeiro de 2024). Claramente, não estamos falando de valores exorbitantes e sim de um rebaixamento histórico dos salários de educadores que precisa ser revertido sob pena de termos um “apagão” muito brevemente e, de forma ainda mais premente, um obstáculo claro para a melhoria da qualidade da educação. 

Assim sendo, o cálculo já deve indicar claramente uma política de recuperação permanente e sólida, que permita igualmente aos entes federados um planejamento adequado para colocar essa política pública incontornável em seus orçamentos. Isso se comunica com a obrigação legal estabelecida no PNE, que se encerra nesse ano e que foi renovada nas proposições do CONAE-2024, que acabou de ser realizado, para a construção de um novo PNE, ou seja, de investimento de um mínimo de 10% do PIB na Educação.

É preciso produzir um novo marco legal para a remuneração do piso salarial que claramente assuma essa lógica de aumentos reais e consistentes (aumentando a atratividade das carreiras dos profissionais do magistério público da Educação Básica) e de instrumento para uma previsão orçamentária dos entes federados, especialmente municípios e estados em dificuldades fiscais (que nenhuma relação tem com tais “altos salários” de educadores, obviamente!), que consolide essa política como algo seguro e previsível. 

A lei do piso foi, sem dúvida alguma, uma conquista importante da sociedade brasileira e sobre ela não cabe mais discussão razoável, tendo sido inclusive acolhida na Constituição Federal na alínea “e” do Inciso III do Artigo 60 (inciso esse incluído pela Emenda Constitucional n.º 53, de 2006). O cálculo, contudo, tem uma base que se mostrou enviesada com relação aos seus objetivos centrais, quais sejam, primeiro, de valorização permanente da carreira docente e, depois, de previsibilidade orçamentária. 

A lei n.º 11.494/2007, que está na origem do cálculo do Piso, tomava como base o valor aluno ano (VAA) do Fundeb, que foi substituído pelo VAAF-MIN com a aprovação do Novo Fundeb (Lei n.º 14.113/2020). Como consequência, a lei de 2007 perdeu eficácia quanto a ser dispositivo de cálculo em razão da aprovação do novo mecanismo de 2020, gerando um vazio. Isso dito, mostra-se que o cálculo pelo VAAF-MIN, como variável de cálculo para o Piso, carece do amparo legal claro que uma política de Estado deve ter. Tal fato gera uma óbvia urgência por parte do Poder Legislativo em sanar esse vazio. Mais relevante do que isso, esse cálculo de ajuste do Piso pelo valor criado pelo Novo Fundeb, incluindo a complementação Federal nos dois últimos anos, pelo número de matrículas da Educação Básica, mostrou-se inadequado. Essa fórmula gera a montanha-russa que temos visto e, ademais, por trazer embutida uma variável sensível à demografia futura, aponta no sentido de um possível comprometimento da melhoria do Piso nos termos que espera nos próximos anos. 

Tudo isso considerado, resta claro que o Fórum já criado no âmbito do MEC (originalmente pela Portaria n.º 618, de 24 de junho de 2015, e que tem seu formato atual dado pela Portaria n.º 1.086, de 12 de junho de 2023) para discutir o acompanhamento do Piso, com participação de diferentes setores de governo e da sociedade, precisa dar a necessária urgência para um debate ampliado sobre a revisão da Lei n.º 11.738/2008, à luz do Novo FUNDEB, do documento aprovado pelo CONAE-2024 e, sobretudo, da formação de uma sólida política de Estado que eleve o piso salarial da Educação Básica de forma sistemática, regular e previsível para que não se tenha problemas orçamentários e, sobretudo, para que a sociedade brasileira tenha atendida sua demanda de ver o trabalho dos profissionais na nossa Educação Pública devidamente reconhecido. Trata-se de política central que não pode continuar mais na insegurança jurídica e política em que se encontra. Vida longa e próspera para o piso nacional salarial dos profissionais do magistério público da Educação Básica! 

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