O lado vermelho da rua na quebrada

“Não sou jornalista, sou poeta, e a fotografia me cabe como ofício.”

O fotógrafo Helio Carlos Mello foi até o bairro Jardim Munhoz Júnior, em Osasco na noite desta quinta-feira(20) acompanhar o ato em homenagem aos 18 mortos na região. Confira seu emocionante relato:


Linha sempre divide terrenos, propriedades ou posses, morte e vida, começo e fim, tempo e espaço. Aqui são cidades e um povo que habita um solo de medo e ameaça. Aqui o crime é de Estado.

Chego à quebrada da periferia da metrópole. Aqui é chacina, é vingança. É Abuse o nome da vítima mais prezada, assassinada no desprezo. Sua mãe é Zilda, sua pele é negra e seus são olhos profundamente vivos em luto, em dor. Na verdade há um abuso da democracia do medo e a poesia da frase fé na vida.

Meu espanto é ver gente tão simples em procissão de crença na justiça e resignação. A oração é em línguas, pois há o azul do babalorixá , o vermelho do padre católico e o cinza do pastor evangélico, tudo misturado no meio da rua de trânsito caótico no Jardim Munhoz Jr e suas várias faces do extermínio. Lentamente a comunidade vence o medo e se reúne na rua. Vejo que toda a cobertura da chacina foi parcial, “a quebrada só pede paz e mesmo assim é um sonho”, diz a faixa na porta do boteco dos mortos de cada dia. Um morador me lamenta que o mais triste foi ver o amigo caído no fundo da vala que havia ao fundo do bar em reforma, cliente trabalhador.

À frente no asfalto, como leite escrito no preto há a palavra pare no leito da rua. Hora de parar e pensar o país. Hora de pensar a cidade e nós mesmo.

 

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