Fórum de blocos de São Paulo lança carta aberta com conquistas e promessas não cumpridas

FONTE: Forum Aberto dos Blocos de Carnaval SP

 

*Por Humberto Meratti

Acaba de sair em nota oficial pelo Facebook para a imprensa e a população da cidade de São Paulo, a CARTA ABERTA DO FÓRUM DE BLOCOS DE SÃO PAULO. As articulações coletivas entre os blocos ocorrem por meio de grupo do whatsapp do Fórum, onde estão mais de 250 representantes de blocos, com participação de pequenos, médios, grandes e mega blocos, além de produtores que organizam mais do que dois blocos de rua na cidade por ano.

Para eles, “tem ficado claro que muitos tópicos apresentados nos Seminários de Agosto e bem aceitos pelos Blocos, foram deixados de lado em consequência de uma mudança no modelo de gestão, cuja coordenação foi assumida pessoalmente pelo Secretário e que, por este ou aquele motivo, vem levantando muitas questões que entendemos ser falta de preparo ou capacidade limitada de articulação, talvez, apesar de toda e qualquer boa vontade por parte da Equipe de Produtores contratados pela SMC.”

Leia a seguir a carta completa:

CARTA ABERTA DO FÓRUM DE BLOCOS DE SÃO PAULO – CARNAVAL DE RUA 2020

A todas Foliãs e Foliões que vivem na cidade ou visitam São Paulo no Carnaval,

Ao Senhor Prefeito de São Paulo, a todos os Secretários e órgãos públicos envolvidos na organização da nossa festa,

A todas e todos os cidadãos que esperam, como este Fórum, que São Paulo faça o melhor Carnaval do Brasil.

Quando desejamos “o melhor Carnaval”, estamos dizendo que a nós, membros do Fórum de Blocos de SP, não importa sermos o maior Carnaval do Brasil, e sim conseguirmos implantar os melhores modelos de gestão, financiamento, convergência social, respeito e manutenção às tradições e inovações carnavalescas trazidas pelos verdadeiros protagonistas dessa Festa, que são os Blocos de Rua e os Foliões que os seguem.

Desde a sua concepção, este Fórum tem trabalhado com responsabilidade técnica e democrática, em defesa de um Carnaval Livre, que ocupe de forma criativa e ordenada toda a cidade em parceria com o Poder Público, preservando e promovendo seus nichos culturais, as diferentes matizes de credo, raça e resistência, a diversidade de expressões musicais e o encanto da Folia espontânea, intrínsecos à natureza histórica do Carnaval.

Nosso Núcleo de Coordenação esteve sentado à mesa dos Secretários Municipais responsáveis pelos dois últimos Carnavais, sugerindo, negando, cobrando e contribuindo na elaboração de ações que pudessem estruturar e organizar as relações entre todos os envolvidos na realização da nossa festa.

Tão sério foi nosso trabalho nesses dois anos, que vimos um dos nossos membros à época ser alçado ao Cargo de Secretário Municipal da Cultura, inclusive com a justa expectativa de implantação dos tantos e quantos projetos e processos de melhoria sugeridos por todas as nossas experiências de Carnaval de Rua.

O Carnaval das grandes possibilidades…

O Planejamento do Carnaval organizado pela Secretaria de Cultura foi apresentado em 5 seminários realizados em agosto de 2019, em mesas compostas por representantes de várias Secretarias envolvidas na realização do Carnaval 2020 e representantes deste Fórum, inclusive.

Foram apresentados à Cidade propostas importantes de inovação em gestão, transparência e prevenção em saúde e segurança:

  • A criação de uma Comissão Intersecretarial para melhorar a organização de serviços e atendimentos públicos durante o Carnaval, e principalmente a gestão integrada da operação e da Segurança Pública durante os desfiles.
  • O Georreferenciamento dos desfiles, com trajetos e horários dos blocos, serviços e infraestrutura: posição de praças de banheiros, localização de postos médicos, rotas de assistência etc, que ficasse disponível online à imprensa e a toda a população.
  • Uma nova ótica e conduta operacional por parte das Forças de Segurança, tanto do Estado quanto do Município, que garantisse um tratamento de proteção ao Folião e enxergando o Carnaval como manifestação cultural fundamental para a Cidade.
  • Um Edital de patrocínio antecipado e com uma inteligência comercial que permitisse maximizar o valor captado entre vários setores com potencial de interesse em se aproximar do Carnaval.
  • Um pedido que determinasse ao Patrocinador dedicar um canal de cadastramento de Ambulantes exclusivo para os Blocos interessados.
  • Atualização e adequação do Guia de Regras a tempo para que ele esteja pronto no momento da inscrição dos Blocos com o devido aceite dos termos apresentados.
  • A flexibilização da Lei Cidade Limpa no tocante à exploração plena por parte dos Blocos em seu perímetro de desfile (todo o trajeto), dado o caráter temporário do carnaval.
  • Campanhas públicas de comunicação e conscientização nos setores de Saúde e Cidadania, que incluíssem questões de sustentabilidade e redução de impacto, valorização de catadores, coleta seletiva e destinação adequada de resíduos sólidos.
  • Conscientização, alinhamento e mobilização de TODAS as Sub Prefeituras da Cidade em favor dos Blocos de cada bairro, que evitasse arbitrariedades conflitantes com todos os aspectos já mencionados, como respeito às tradicionalidades, igualdade entre Blocos independentemente de seu tamanho, valorização do carnaval como manifestação cultural.
  • A interlocução direta com os Blocos, através do [email protected] , e posteriormente com produtores regionais, que tivessem uma postura de escuta aos protagonistas do Carnaval com igualdade no tratamento e justificativa técnica no caso de eventuais necessidades de mudança de local ou horário do trajeto.
  • Respeito às tradições de Blocos com mais de 12 anos de existência, com suas peculiaridades e exceções para desfilar em suas datas, locais e horários originais.
  • Respeito à tradicionalidade recente de Blocos em trajetos que garantisse tratamento igualitário entre todos, sem favorecimentos, sejam Blocos de fora de SP com intenção de estrear na cidade, Blocos antigos, novos, comunitários, pequenos, médios, grandes e megas.
  • Mediação junto ao ECAD, na proposição que os Blocos são manifestação cultural espontânea, e que, salvo exceções, pudessem ter cobertura da SMC referente a essa arrecadação.
  • A expectativa, em função de diálogos com a Prefeitura, que nas Sub’s de Pinheiros, Sé e Vila Mariana, não houvesse a inscrição de mais nenhum desfile ou bloco novo, uma orientação que apelou para a nossa consciência enquanto responsáveis diretos pela realização do Carnaval de Rua, no que diz respeito à utilização dos serviços que competem à cidade (efetivo, recursos materiais etc).

Entramos na reta final do Carnaval 2020 com algumas boas conquistas…

  • O entendimento da Cidade de que o Evento Carnaval de Rua precisa ser organizado intersecretarialmente, para o máximo entrosamento entre todas as Secretarias Municipais envolvidas nos serviços municipais.

*Antecedência recorde na data de abertura de inscrições para blocos de carnaval com simultânea publicação do Guia de Regras.

  • Antecedência razoável no ano de 2019 na divulgação do Edital para captação de patrocinadores, (embora sem a realização de uma consulta pública sobre o teor do Edital)
  • Fortalecimento do processo de descentralização, democratização do carnaval, com ampliação do número de desfiles em regiões mais periféricas e em datas com menor concentração de desfiles.
  • Criação de uma Comissão Feminina de gestoras de blocos para elaborarem campanhas de Saúde, de conscientização e prevenção de danos, contra o assédio, entre outras.
  • Criação de uma Comissão de representantes de Blocos de Rua, para trabalhar a favor dos gestores municipais, emprestando voluntariamente sua expertise e fazendo a interlocução com os Blocos inscritos e até os não inscritos.

E outras boas promessas …

  • 20 Postos Médicos estruturados espalhados pela Cidade (sem clareza ainda sobre quem fará a operação e a central de regulação), com tendas anexas de acolhimento a vítimas de assédio (sem resposta concreta ainda)
  • 20 Torres de Controle nos grandes adensamentos de Foliões (qual o protocolo? PM vai participar?)
  • Edital de fomento a Blocos em suas regiões através de contratação por Equipamentos Culturais Regionais (critérios difusos e pouco transparentes, no mínimo…)
  • O “dobro” de banheiros químicos espalhados pela cidade (distribuição e dimensionamento ainda difusos…)
  • Exploração do sistema “Tô Legal” para cadastramento de praças de alimentação (pouco divulgado)
  • Edital para ambulantes de alimentação (sem transparência nos critérios de seleção e lançado a 12 dias do evento…)

Mas ainda não foi desta vez…

Nos últimos dois meses, tem ficado claro que muitos tópicos apresentados nos Seminários de Agosto e bem aceitos pelos Blocos, foram deixados de lado em consequência de uma mudança no modelo de gestão, cuja coordenação foi assumida pessoalmente pelo Secretário e que, por este ou aquele motivo, vem levantando muitas questões que entendemos ser falta de preparo ou capacidade limitada de articulação, talvez até apesar de toda e qualquer boa vontade por parte da Equipe de Produtores contratados pela SMC.

O que estamos enfrentando:

  • Redução de horários de blocos tradicionais e remanejamentos autoritários por parte da equipe de produtores da Secretaria de Cultura, sem critério técnico ou formalização por escrito, o que configura total insegurança jurídica e perda de confiança no processo de interlocução com a Prefeitura, apenas para ‘fazer caber’ nas regiões centrais o ‘maior carnaval do Brasil’, que não necessariamente se mostrará melhor ou será sustentável para os blocos que trabalham o ano todo para realizá-lo, resultando em um processo de desistência recorde em 2020 de 30% menos em relação ao anunciado em outubro, sendo confirmados por hora, em dados aproximados, apenas 680 desfiles dos 963 inscritos, ou 650 blocos dos 865 inscritos.
  • Total ausência de um processo contínuo e transparente para dar publicidade aos itens, aos quantitativos e aos locais de serviços contratados, que diferem dos inicialmente apresentados no edital de patrocínio.
  • Falta de assertividade no atendimento ao pedido de uma ampla campanha de conscientização contra o assédio, de uma revisão nos procedimentos para aumento da segurança e de programas de redução de danos apresentados pela Comissão Feminina (também representadas por este Fórum), que apesar de terem protocolado ofício formal, não receberam sequer resposta.
  • Aumento excessivo de desfiles autorizados nas regiões da Sé, o que aumentou desnecessariamente a tensão entre moradores e o Carnaval, e sem respeito às tradições estabelecidas pelos vários Blocos que construíram a retomada do Carnaval de Rua na Cidade.
  • Falta de timing e diálogo entre o Coordenador e Produtores da SMC com os Órgãos Públicos, na definição de importantes novos circuitos, resultando em todo o tipo de prejuízo para Blocos que estão regularmente inscritos HÁ CINCO MESES!!!!!
  • Canais de interlocução truncados a partir do terceiro/quarto mês de organização, com Produtores desinformados impondo condições sem base técnica a Blocos já consolidados há anos em seus horários e trajetos, com arbitrariedades inaceitáveis.
  • Editais lançados sem publicidade adequada, privilegiando grupos mais próximos aos centros geradores de informação.
  • Uma reunião geral convocada às pressas, na noite de 24 de janeiro, com pauta desconexa, batizada pelos Produtores na sua apresentação de “Audiência Pública”, quando não podia ter esse status, que expôs de forma vergonhosa Blocos tradicionais da periferia paulistana, à acusação de que estavam “atrasados” com suas obrigações perante a CPPU. Esta, que foi representada à mesa, provavelmente de boa fé, mas induzida ao erro, corroborando ameaças de multa, fiscalização e impedimento de desfile, expondo a grave falha de comunicação da Coordenação do Carnaval com os blocos periféricos.
  • Reunião esta onde pessoas tinham as dúvidas de um primeiro encontro, porque foi exatamente isso: A PRIMEIRA E ÚNICA REUNIÃO GERAL COM OS BLOCOS DE RUA APÓS CINCO MESES DO INÍCIO DOS TRABALHOS DO CARNAVAL !!!!!
  • E a triste constatação, ainda recente, da deficiência na tão propalada nova interlocução com a PM, demonstrada sem engano em duas importantes reuniões regionais ainda nesta semana (Sapopemba e Freguesia do Ó). onde os Protagonistas da nossa festa chegaram a ser taxados como “problemas” para o Batalhão local

Vivendo o binômio expectativa / realidade….

Enfim…

De todas as expectativas construídas através do diálogo buscado por este Fórum, desde o início de sua interlocução com o poder público em 2017, a maior frustração se dá ao constatarmos que, no processo de planejamento do Carnaval de Rua 2020, a falta de consideração delegada aos representantes de Blocos que se dispuseram a colaborar com o planejamento da Cidade, foi a mais grave desses últimos tempos.

E isso se materializa exatamente através da “auto extinção” da Comissão de Representantes de Blocos, em dado recente, por motivos explicados em declaração própria. Uma Comissão que tinha sob seus membros mais de 200 anos de experiência acumulada em Carnaval de Rua.

O Carnaval acaba de ser declarado “Patrimônio Imaterial do Estado de São Paulo”. Nesse patrimônio se inserem os primórdios do nosso Carnaval, que era na rua, com sua memória e suas tradições. É a rua que vem resistindo às ondas do tempo, e que hoje, mais que nunca, precisa fazer vibrar acima de tudo a liberdade de manifestação, o direito à ocupação feliz dos espaços da Cidade e a possibilidade de nos irmanarmos na Folia.

Esse é um pedaço do nosso Carnaval de Rua. Existem muitos outros aspectos, de grande relevância para o turismo, a cultura, a economia criativa e a identidade da nossa cidade. Todos os gestores de Blocos de Rua, deste Fórum ou não, independente do que esperávamos, têm se dedicado e vão fazer o melhor Carnaval que São Paulo já teve nos anos recentes.

Foliões do Brasil inteiro virão fazer um Carnaval de Rua do tamanho que São Paulo merece. Grandes artistas virão somar nessa alegria toda com seus Blocos gigantes, além dos nossos bravos pequenos Blocos tradicionais, um grande símbolo da pluralidade cultural do Brasil. Porque é isso que o nosso Carnaval de Rua representa, com tolerância e solidariedade.

Números, Narrativas e Protagonismo Político… fazem parte, mas são só parte. Afinal, como temos declarado nestes últimos anos, encarando a realidade:

“Quem faz o Carnaval de Rua somos Nós, Os Blocos!”. Só o que precisamos é Respeito!

Que venha o Carnaval!!!

Atenciosamente,

São Paulo, 7 de fevereiro de 2020.

FÓRUM DE BLOCOS DE RUA DA CIDADE DE SÃO PAULO

 

 

*Humberto Meratti é gestor cultural e especialista em politicas publicas culturais.

 

 

Referência: https://www.facebook.com/forumblocossp/posts/1017134382001662?tn=K-R

 

 

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