Documentário Corpo de Rua vai além das narrativas prontas sobre a Cracolândia.
“O território é nosso corpo, nosso espírito”, diz o poeta Fábio Rodrigues ao recitar um de seus textos no documentário Corpo de Rua. Invertendo a ordem das palavras podemos chegar ao que talvez seja a essência do filme – a exploração desse território que é o corpo, que se confunde com a rua.
Assista aqui Corpo de Rua:
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É partir do ato de sorrir que os diretores Pedro Santi e Gustavo Luizon entram nesse espaço que é físico, mas não está delimitado apenas pela pele – também existe no impacto que esses corpos causam no ambiente. Os depoimentos de Fábio e Cleiton a respeito das dificuldades de mostrar os dentes nos momentos de alegria são uma chave preciosa de entendimento de como asfalto e carne se misturam. A condição social marcada no rosto.
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A geografia dos corpos – onde a cor da pele é fundamental – se confunde com o relevo do espaço físico: onde esses rostos podem aparecer, por quais ruas essas pernas são permitidas caminhar, as chances dessa carne ser confinada. A falta dos dentes aparece como elemento determinante no processo que levou Kawex à cadeia.
Como o palhaço Flávio faz questão de frisar em sua aparição no filme, o rapper foi preso por “um crime que não é crime” – desacato à autoridade. Apesar do documentário não chegar a mais detalhes do que isso, lembremos que Kawex foi acusado de cuspir em um policial. Em sua defesa, ele negou a intenção, disse que a saliva escapou pelos dentes que não existem mais na parte da frente.
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Mesmo tendo sobrevivido a esse nível de humilhação feita pelo Estado, o rapper aparece com o olhar firme diante da câmera. Pela sua vivência nesse território em movimento da Cracolândia, os diretores conseguem trazer as vulnerabilidades mantendo a dignidade e o protagonismo dos personagens.
É notável ainda a capacidade, não só de desviar dos clichês que simplificam a vida dos contadores de histórias mais preguiçosos, como também a possibilidade que o filme apresenta de mostrar o esforço necessário dos frequentadores do fluxo para se desembaraçar das narrativas externas criadas sobre eles. Ao mostrar esses nós, o documentário constrói uma trama que não traz soluções prontas, mas joga uma linha para não se perder nos labirintos do preconceito e violência.
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Texto: Daniel Mello
Imagens retiradas do filme.
Daniel Mello é jornalista, documentarias e poeta. Faz parte do coletivo A Craco Resiste
2 respostas
Parabéns ao documentário, uma realidade de vida nunca visto. Show.??????