Permanece. “O artista vive em quarentena”, me disseram logo no começo. E é verdade que eu já não saía de casa, que tudo que cultivo está aqui comigo. É verdade que tenho um mundo interior gigante e também é verdade que desde as eleições venho perdendo o encanto no externo.
A solidão nunca foi um problema, o dês-poder de ir e vir é.
Talvez, se estivesse escrevendo no primeiro mês, seria outro texto, mas se passaram mais de quatro meses. Além da quarentena, teve vida, teve morte, teve o dia a dia, esfriou e eu comprei um pijama merda online, esfriou e perdi um dos meus bichos, parei de ver notícias, perdi admiração por mais algumas pessoas, às vezes, faz sol e tem que regar as plantas com mais frequência, fiz muitas mudas, tomo poucos banhos, cozinho muito, chorei muito pouco, mas também não sorrio com frequência.
Nada é familiar, ainda não sei o que foi/é real, e o que é alimentado pelo isolamento, mas me lembro do dia que parei de tentar controlar o que eu estava sentindo, me lembro, porque foi em um desses dias que tentam enterrar a classe artística, num desses dias… O texto a seguir e a coleção de autorretratos/dípticos são sobre isso, produzidos nesses tempos, emprestados ou revisitados, o choro é o mesmo.
“Pessoas se esbarram nas ruas / nós enxergamos tudo / Pedradas nos olhos / sangram verdades enterradas / Desenterramos da terra, de dentro / Até os dedos cairem / Sentimos muito por sentir mais / Com a nossa dor, ilustramos a sua / Da nossa dor, sua beleza / Vulneráveis / Todas as feridas do mundo rasgam como uma bala, que encontram uma saída em tinta / A noite, nossos ossos espalhados na mesa de jantar / Na parede dos outros / Mesmo assim Inimigos”
Outono 2020








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Conheça mais o trabalho da artista:
http://www.catharinasuleiman.com.br/
https://www.instagram.com/catharinasuleiman6/
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O projeto Futuro do Presente, Presente do Futuro é um projeto dos Jornalistas Livres, a partir de uma ideia do artista e jornalista livre Sato do Brasil. Um espaço de ensaios fotográficos e imagéticos sobre esses tempos de pandemia, vividos sob o signo abissal de um governo inumanista onde começamos a vislumbrar um porvir desconhecido, isolado, estranho mas também louco e visionário. Nessa fresta de tempo, convidamos os criadores das imagens de nosso tempo, trazer seus ensaios, seus pensamentos de mundo, suas críticas, seus sonhos, sua visão da vida. Quem quiser participar, conversamos. Vamos nessa! Trazer um respiro nesse isolamento precário de abraços e encontros. Podem ser imagens revistas de um tempo de memória, documentação desses dias de novas relações, uma ideia do que teremos daqui pra frente. Uma fresta entre passado, futuro e presente.
Outros ensaios deste projeto: https://jornalistaslivres.org/?s=futuro+do+presente
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