Pô, Diário, a marcação dos caras é fogo. Não tem um dia que não me enchem o saco.
Ontem, em pleno domingo, em vez de fazer churrasco e ver futebol, uns sindicatos de trabalhadores de saúde me denunciaram no Tribunal Penal Internacional de Haia, um negócio aí que julga crimes contra a humanidade.
Já é a quarta vez que entram contra mim nesse treco, pô!
Aliás, o Tribunal de Haia devia se chamar Tribunal de Aiaiai, porque o pessoal fica com frescurinha do tipo “aiaiai, ele é malvado, aiaiai, ele mata índio, aiaiai, ele cometeu genocídio”.
Os frescões de branco tão dizendo que nessa crise da gripezinha eu cometi erros “graves e mortais”, que eu fui negligente e insensível, mostrandomenosprezo, descaso enegacionismo.
Pô, tão dizendo isso por quê?
Só por que essa turma não tem material para trabalhar com segurança?
Só por que 96 mil enfermeiros e assistentes já ficaram infectados?
Só por que o país tá há mais de 70 dias sem ministro da saúde?
Só porque o ministério está sendo comandado por um general que trocou um monte de técnicos de saúde que tinham décadas de experiênciapor um monte de militares que não entendem nada do assunto?
Só porque mandei dois ministros da saúde embora porque elesnão concordavam comigo, que não sou doutor?
Só por que eu faço propaganda da cloroquina?
Só porque promovi uns rolezinhos, incentivando o pessoal a sair de casa.
Só porque eu falei que máscara é frescura e sai um monte de vezes sem ela (pô, eu sou bonito, o pessoal quer ver minha cara)?
Só porque eu disse que era só um resfriadinho,uma gripezinha?
Só por que vão morrer mais de cem mil?
Só por esses detalhes?
Pô, morreu, enterrou, acabou. Chega de mimimi, chega de aiaiai.
Vão ver se eu tô na esquina, tomando cloroquina!
*José Roberto Torero é autor de livros, como “O Chalaça”, vencedor do Prêmio Jabuti de 1995. Além disso, escreveu roteiros para cinema e tevê, como em Retrato Falado para Rede Globo do Brasil. Também foi colunista de Esportes da Folha de S. Paulo entre 1998 e 2012.
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