Rui Barbosa escreveu uma frase, em seu tempo, muito significativa para os dias presentes: “Vulgar é o ler, raro o refletir.” (Oração aos Moços).
Lula chega a prédio da Justiça em Curitiba para depor a Sérgio Moro (Leandro Taques/Jornalistas Livres)
E em temas judiciais polêmicos, especialmente os julgamentos da Suprema Corte brasileira, ler, significa se debruçar atentamente, muitas vezes, sobre centenas de páginas, como é o caso do acórdão que decidiu pela constitucionalidade da lei ficha limpa, que tem 383 páginas (Adc´s 29 e 30).
E se faz necessário, noutras vezes, longas assistências, quando há transmissões ao vivo das sessões de julgamento, que podem ser acompanhadas em tempo real ou depois, calmamente, no “conforto” de seu smartphone ou telinha doméstica ou laboral.
O caso do HC de Lula, cujo julgamento iniciou no dia 22/03/17, durou mais de quatro horas, e é exemplar para verificarmos a transcendentalidade temporal da citação de Rui Barbosa.
Assim, para se “ler” o julgamento referido, se faz necessário um paciencioso investimento temporal de mais de quatro horas. É o que fiz, por exigências de minha atuação criminal na advocacia e na docência em constitucional.
Todavia, para se “refletir” detidamente sobre o que fora decidido em 22/03/18 no julgamento em curso – admissão ou não do trâmite da ação de habeas corpus e salvo conduto ao paciente até que se ultime o julgamento de mérito da referida ação – e verificar a riqueza dogmática dos debates em que os votos majoritários resgataram a dignidade da ação de habeas corpus, que vinha sofrendo “menos-valia” em alguns julgados do STF, é necessário uma experiência de leituras e práticas minimamente aprofundadas no uso e na compreensão da ação de habeas corpus.
Leituras e práticas nem sempre aproximadas aos profissionais do direito que não lidam com o Direito e o Processo Penal ou o Direito Constitucional das Liberdades.
Não obstante a triste diatribe havida na quarta-feira antecedente, entre dois ministros que trocaram, novamente, ácidas críticas entre si, e que produziu entre iniciados no direito e leigos uma ludibriante ideia de que a Corte Suprema teria se diminuído com o episódio, na quinta-feira imediata, o STF, com os debates realizados, especialmente os precisos e profundos argumentos trazidos pelos votos majoritários, resgatou a dignidade constitucional do habeas corpus e mostrou o seu valor como Corte Constitucional em matéria de liberdades. E afirmo pelas seguintes razões:
a) exortou a doutrina brasileira do habeas corpus e o papel protagônico que Rui Barbosa teve no seu uso e extensão, assim como Pedro Lessa;
b) a informalidade do instituto a destravar a burocracia judiciária diante das exigências da liberdade;
c) a necessidade de tratá-lo como ação constitucional expedita e a mais importante de todas, segundo nossa tradição constitucional, a merecer exegese que lhe confira a máxima efetividade como direito fundamental ao habeas corpus;
d) a crítica à jurisprudência defensiva que criou óbices jurisprudenciais incompatíveis com a envergadura constitucional e doutrinária do instituto;
e) o incentivo do “uso generoso” do instituto e a crítica à “postura de filtro ilegítimo”, que injustamente se baseia na falaciosa ideia do “uso promíscuo” do HC;
f) o resgate histórico do HC, como jurisdição constitucional das liberdades, que posicionou o STF como último bastião da legalidade e da liberdade – as tábuas da vocação da advocacia, como afirmara Rui;
g) que é possível e mesmo necessário o uso do HC substitutivo de recurso ordinário, e que a negativa dessa possibilidade diminui a eficácia constitucional do instituto;
h) que a possibilidade de concessão de ofício, do HC, como positivado desde nossos primeiros códigos de processo criminal, ao tempo do Brasil Império, demarca a instrumentalidade e a importância histórica do instituto que não pode ficar refém de doutrinas reacionárias, que apequenam o instituto e inibem, inconstitucionalmente, sua aplicabilidade;
i) que havendo negativa de liminar de HC no STJ, e mesmo no mérito tendo sido denegada a ordem naquele tribunal, emendada a impetração no STF, pode o HC subsequente ser conhecido e processado;
j) que o Direito Constitucional, a Constituição e o Constitucionalismo têm como núcleo central de suas preocupações ideológicas, normativas e doutrinais as liberdades, entre as quais, destacadamente, a liberdade de ir, vir e ficar;
l) que o papel da Advocacia e do Advogado nas postulações supremas, na tribuna suprema e no STF são fundamentais para lembrar a Corte de suas tradições, de seu papel e de seu elevado mister em prol das liberdades, como foi exemplo destacado a atuação do ex-presidente da OAB nacional, Dr. Batochio;
m) que um tribunal independente, livre de pressões externas, seja a das ruas ou da mídia, ou de atores processuais que atuam em seus feitos, é um grandioso penhor de garantia da democracia constitucional e de seus valores jurídicos fundamentais;
n) que são infundadas as críticas feitas de que nomeação presidencial e independência de julgamento periclitam a higidez dos julgamentos do STF, pois Ministros Fachin, Barroso e Fux foram nomeados por Dilma (PT) e Celso de Melo por Sarney (PMDB), Marco Aurélio por Collor (PR) e Gilmar Mendes por FHC (PSDB).Quaisquer desses aspectos não foram ressaltados nas críticas, positivas ou negativas, que li (face, zap, jornais, etc) ou ouvi, do dia do julgamento até a data em que escrevo essas linhas.Talvez pelo fato de que muito dos opinantes, pró ou contra o resultado imediato – salvo conduto ao ex-presidente -, ou não “leram” quatro horas de julgamento, ou se leram, não pararam para “refletir”, racional, histórica e dogmaticamente sobre as razões judiciais da deferência em prol da liberdade do paciente, que é a liberdade de todos nós, brasileiros ou residentes em solo pátrio, tenhamos as cores que tivermos…Não quero de modo algum dizer que quem leu e refletiu chegará, inelutavelmente, as mesmas conclusões que expresso. Apenas sublinho que os pontos que referi não foram levados em conta nas críticas que tive oportunidade de ouvir/ler.Aliás, infelizmente, a maioria dessas críticas foram passionais, açodadas, obtemperadas com a paixão que açula as análises midiáticas dos temas criminais na atualidade.E isso assim prepondera, com certeza, pois a maioria esmagadora do que estão a opinar/criticar não investiram 4 horas de assistência para aquilatar a natureza dos argumentos que sumariamos.E os opinantes versados na seara jurídica que se dispuseram a comentar negativamente a posição do STF, e que estão a defender uma “insurgência” contra a Suprema Corte brasileira por que não julgou ou não denegou a ordem, para permitir a prisão do paciente que se tinha como certa para o dia 26.03.18, talvez precisem do tempo da experiência e da leitura com o processo penal e o direito constitucional das liberdades.O caso Lula-STF, cujo julgamento será concluído em 04.04.18, foi grande oportunidade para resgatar a dignidade constitucional da ação de HC. Infelizmente, como diz Lênio Streck, o Brasil virou um país de torcedores em temas jurídicos. A bondade ou a maldade das decisões judiciais não é avaliada pela legalidade, correspondência e congruência de seus argumentos às leis e às provas.
Em causas cujos réus atraiam alta discussão política e atenção da mídia, a sua bondade é vista pela perspectiva pragmática e imediatista da ideologia punitivista vigente: só tem valor se condenou; se mandou prender; se exasperou a pena.
O cumprimento da lei material penal ou processual que beneficie a liberdade ambulatória, como exigência do Estado de Direito, é desvalor para o movimento jacobino no Direito Penal brasileiro, que só enxerga lastro em condenações e prisões. E vislumbra desvalia nas defesas da liberdade ou na preservação de um julgamento justo, em que a parte não seja onerada pela demora com a prestação jurisdicional. Houve, inclusive, membro do ministério público que acirrou sua crítica no prosaico fato de os ministros terem salientado a qualidade da oração do advogado defesa na tribuna…
Oxalá a leitura e a reflexão, sérias e desapaixonadas, sem visões preconceituosas e imediatistas, preponderem no cenário político e jurídico atual.
E que atendamos ao conselho de Rui Barbosa: leiamos os temas jurídicos, mas não fiquemos na singeleza da leitura, reflitamos detidamente sobre o lido e o vivido.
A razão, especialmente nos dias presentes, precisa preponderar sobre as paixões, se quisermos continuar nas trilhas da civilidade e distante dos caminhos da barbárie.
* Advogado Publicista e militante no Direito Criminal.
Membro vitalício da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, cadeira de n. 14, patrono Advogado criminalista Acácio Bernardes.
Professor de Direito Constitucional e Mestre em Direto UFSC.
desculpem, mas o título da matéria está errado: o original é este e corresponde ao teor do texto: “O Supremo e o resgate da dignidade constitucional do habeas corpus: o HC de Lula como oportunidade histórica”.
Prezado articulista, o título já foi alterado. Quisemos fazer uma adaptação para compactar o tamanho do título eliminando a redundância da palavra e da sigla HB. Lamentamos a alteração do sentido e o inconveniente causado. No entanto,a troca demora um pouco para aparecer no Facebook, problema técnico que independe do nosso trabalho. Mais uma vez agradecemos a colaboração e lamentamos o ocorrido.
Justiça suspende reintegração de posse no RN e evita despejo de 2 mil pessoas em comunidade pesqueira
Empresa Incorporadora Teixeira Onze não conseguiu provar propriedade do terreno no município de Enxu Queimado, onde vivem 2.389 pessoas de 554 famílias
O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte Vivaldo Pinheiro suspendeu o despejo de 554 famílias na comunidade pesqueira tradicional Exu Queimado, em Pedra Grande. O pedido de reintegração de posse do terreno havia sido acatado pelo juiz de primeira instância, mas revertido pelo desembargador. Ele avaliou que a empresa Incorporadora Teixeira Onze não conseguiu provar a posse da área.
No local, vivem 2.389 moradores de uma comunidade pesqueira fundada há mais de 100 anos, distante 150 quilômetros de Natal (RN). Das 810 moradias, 97% está situada na zona rural. O conflito na região começou em 2007, mas se intensificou durante a fase de pandemia da Covid-19 com ameaças e incêndio de barracos, como relatam alguns moradores.
“Os barracos foram montados há 4 meses para evitar que a empresa avance sobre a área. Não houve agressão física, mas eles contrataram dois seguranças para retirar os barracos, só que não conseguiram. Oito dias depois, dois barracos foram incendiados. Eles chegaram à comunidade em 2007 colocando cercas nas terra, o que não aceitamos porque as áreas sempre foram coletivas, os terrenos nunca tiveram donos, a comunidade foi fundada por pescadores que se alojaram na praia para ficar mais perto do trabalho, que é a pesca. Moramos aqui há mais de 100 anos e a empresa foi formalizada só pra comprar as terras”, denuncia Leonete Roseno do Nascimento, moradora de Enxu Queimado.
Os moradores contam que duas pessoas de Recife se apresentaram como donos do local, venderam terrenos sem que a comunidade soubesse e começaram uma campanha de regularização.
“Eles tentaram vender as terras pra Prefeitura pra tentar fazer a regularização, mas nem a prefeitura aceitou. Foi aí que nós nos unimos e fizemos um movimento. Nós não aceitamos que a empresa, que não tem função social, nem nada construído na comunidade, se apresente como proprietária”, reage Leonete, que também é educadora popular e esposa de pescador.
Em Enxu Queimado, localidade de Pedra Grande, 97% dos moradores vivem na zona rural (foto: divulgação)
Os moradores conseguiram apoio e uma equipe de advogados populares na causa. Em um vídeo, um engenheiro civil de uma empresa que presta serviço à empresa Teixeira Onze oferece a transferência do imóvel para o nome do morador que não tem escritura pública. O advogado Gustavo Freire, que representa os moradores, denunciou a prática à justiça:
“Eles reivindicam a propriedade de toda a área, entram com uma ação possessória com base nesses títulos de propriedade e, por fora, tentam fazer com que as pessoas regularizem as suas posses pra que possam vender pra eles. Em resumo: se dizem donos da terra ao mesmo tempo que se colocam à disposição pra comprar essa mesma terra. A decisão do TJRN acatou nossa tese que isso não é possível”, explicou.
Ele ressalta, também, que apesar de reivindicar a posse do terreno, a empresa nunca esteve lá.
“Ela não planta, mora ou edifica. Você não pode reivindicar uma posse que nunca exerceu. Ela (a empresa) está pedindo de volta algo que nunca foi dela”, argumenta.
Foi esse argumento da posse exercida de fato pelos moradores que o Tribunal de Justiça do RN levou em consideração para decidir pela permanência da comunidade de pescadores.
A equipe da Agência Saiba Mais tentou entrar em contato com o número disponibilizado no vídeo da empresa, mas nossas chamadas não foram atendidas, nem as mensagens respondidas.
Com a decisão do desembargador Vivaldo Pinheiro, a Incorporadora não pode mais recorrer. No entanto, ainda é possível tentar reverter o mérito, mas se não conseguirem, terão que esperar o processo ser sentenciado para, então, recorrer novamente.
Perdemos um camarada valoroso, um menino negro encantador de feras, um sorriso no meio das bombas e da violência policial, um guerreiro gentil que defendeu com unhas e dentes a Democracia, a presidenta Dilma Rousseff durante todo o processo de impeachment, e o povo brasileiro negro e pobre e periférico, como ele.
Gabriel Rodrigues dos Santos era onipresente. Esteve em Brasília, na frente do Congresso durante o golpe, em São Paulo, nas manifestações dos estudantes secundaristas; em Curitiba, acampando em defesa da libertação do Lula. Na greve geral, nas passeatas, nos atos, nos encontros…
O Gabriel aparecia sempre. Forte, altivo, sorrindo. Como um anjo. Anjo Gabriel, o mensageiro de Deus
Estamos tristes porque ele se foi hoje, no Incor de São Paulo, depois de um sofrimento intenso e longo. Durante três meses Gabriel enfrentou uma infecção pulmonar que acabou levando-o à morte.
Estamos tristíssimos, mas precisamos manter em nossos corações a lembrança desse menino que esteve conosco durante pouco tempo, mas o suficiente para nos enriquecer com todos os seus dons.
Enquanto os Jornalistas Livres estiverem vivos, e cada um dos que o conheceram viver, o Gabriel não morrerá.
Porque os exemplos que ele deixou estarão em nossos atos e pensamentos.
Obrigada, querido companheiro!
Tentaremos, neste infeliz momento de Necropolítica, estar à altura do Amor à Vida que você nos deixou.
Leia mais sobre quem foi o Gabriel nesta linda reportagem do Anderson Bahia, dos Jornalistas Livres
por Isabela Moura e Luiza Abi Saab, Jornalistas Livres em Portugal
Os atos antirracistas #JusticeForFloyd tomaram conta de Portugal neste último sábado, 06 de junho de 2020. As principais cidades de Portugal foram ocupadas por milhares de manifestantes em atos antirracistas que pediam justiça para George Floyd. Os atos aconteceram principalmente nas cidades de Lisboa, Coimbra, Porto e Braga.
Em LISBOA, a manifestação levou milhares de pessoas em marcha até à Praça do Comércio – importante espaço de reivindicação política da capital portuguesa. O encontro em Lisboa foi articulado entre diversas organizações, estavam previstos três atos em dias diferentes, mas as iniciativas foram unificadas em apenas um ato.
O contexto português e a questão da colonização foram abordagens presentes nos cartazes e nas vozes que se fizeram ouvir. José Falcão, da SOS Racismo, afirma que é necessário mudar o currículo escolar para que se possa saber de fato o que foi o passado português. “A história deste país é só a história do colonialismo, não é das vítimas do colonialismo, não é das pessoas que lá estavam a quem não pedimos autorização par ir. Onde ficamos durante 500 anos a escravizar as pessoas e essa história nunca é contada”, justifica o integrante de umas das associações que organizou a manifestação de sábado.
Mayara Reis, escritora de 25 anos e uma das vozes intervenientes menciona também a importância da educação nesse combate: “É preciso falar sobre isso nos manuais de história, falar sobre o Tratado de Tordesilhas, porque Portugal não é inocente”. “Não foi nossa escolha, foi escolhido por nós. O futuro que eu estou a ter agora vem disso”, refere a escritora sobre as decisões históricas que marcaram o passado colonial de países como a terra de onde veio – a Guiné-Bissau.
No PORTO o ato aconteceu na Avenida dos Aliados. Em referência ao norte americano George Floyd, assassinado pela polícia dos Estados Unidos, vários manifestantes trouxeram consigo os dizeres “I Can’t Breathe”, em português, “Não Consigo Respirar”. As reivindicações ecoavam pela avenida com o grito “Nem mais uma morte”, denunciando também os casos de racismo em Portugal.
Em COIMBRA a manifestação aconteceu na Praça da República, próxima à Universidade de Coimbra e foi organizada por estudantes da cidade. Centenas de pessoas se reuniram no local, seguindo as regras de segurança da Direção Geral de Saúde de Portugal (DGS).
O ato contou com depoimentos, gritos por reivindicações da luta antirracista e uma performance que representava Jesus negro interpretando trecho do texto “A Renúncia Impossível”, de Agostinho Neto.
Em BRAGA, a manifestação “Vidas Negras Importam” uniu cerca de 300 pessoas que prestaram sua solidariedade aos atos por George Floyd que acontecem há 10 dias nos Estados Unidos. Os presentes também denunciaram a violência policial contra negros, lembrando os casos de vítimas como Cláudia Simões e Alcindo Monteiro.
RUY SAMUEL ESPINDOLA
26/03/18 at 19:24
desculpem, mas o título da matéria está errado: o original é este e corresponde ao teor do texto: “O Supremo e o resgate da dignidade constitucional do habeas corpus: o HC de Lula como oportunidade histórica”.
Raquel Wandelli
27/03/18 at 5:54
Prezado articulista, o título já foi alterado. Quisemos fazer uma adaptação para compactar o tamanho do título eliminando a redundância da palavra e da sigla HB. Lamentamos a alteração do sentido e o inconveniente causado. No entanto,a troca demora um pouco para aparecer no Facebook, problema técnico que independe do nosso trabalho. Mais uma vez agradecemos a colaboração e lamentamos o ocorrido.