O AI-5 realmente está longe?

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Por Ícaro Jatobá para os Jornalistas Livres

Completados os 50 anos da baixa do Ato Institucional nº 5, se faz necessário uma análise histórica e social dos tempos de outrora com os tempos atuais. “O governo Costa e Silva resolveu baixar um novo ato, o AI-5”, anunciava o Ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva em 13 de dezembro de 1968. O ato que prometia a continuidade da “ordem e tranquilidade” decorrentes da “Revolução de 64”, promoveu o fechamento do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas, suspendeu o habeas corpus para crimes políticos e deu poderes punitivos ao regime. Além de todas essas arbitrariedades que feriam a democracia, uma mais grave, a tortura, passava a ser uma política de Estado, não oficialmente institucionalizada por meio da atuação dos órgãos repressivos.

Que o governo Bolsonaro tem muitas semelhanças com as pautas defendidas pelos militares a partir de 64 não é nenhuma novidade, a exemplo da construção do discurso de “inimigo interno”, dos valores morais, da suposta luta contra a corrupção e às “ideologias subversivas”. É na questão da sexualidade que nos atentaremos, a luta dos gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais que atualmente integram a famigerada “ideologia de gênero”.

O ano de 1968 foi marcado por diversos movimentos que lutaram por mudanças políticas e culturais em todo o mundo, no Brasil, o Movimento Estudantil marcou época com a “Passeata dos cem mil”. O historiador James Green defende que em 1968, com a baixa do AI-5, os homossexuais brasileiros foram impossibilitados de se constituírem como um grupo social estabelecido. Em “Ditadura e Homossexualidades” o autor apresenta que a repressão e a noção de que a homossexualidade eram um risco à segurança nacional e aos valores morais da sociedade abafou as discussões sobre as formas de expressar os desejos e afetos, diferenciando-se definitivamente dos Estados Unidos, onde o Movimento Gay ganhava força com o episódio da revolta de Stonewall.

50 anos mais tarde o que mudou na realidade de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais? Apesar de algumas conquistas, tanto de espaços, como de direitos, como o casamento civil em 2013, os valores morais e conservadores continuam podando a liberdade de quem só quer amar livremente. Sem a força militar no governo, agora alguns civis fazem questão de eleger as “leis do criador” ou a Bíblia como a Constituição do país.

Constantemente presenciamos ou temos conhecimento de casos de agressões, tanto físicas e psicológicas, e o que podemos esperar do próximo governo para resolver essas questões? Para embasar uma possível resposta, podemos lembrar que Bolsonaro, durante a sua campanha presidencial, usou citações da Bíblia fazendo as suas mais diversas aplicações e interpretações.

O presidente eleito também já proferiu ataques ao grupo LGBT em entrevistas, em uma delas assume que de fato é homofóbico, e destaca que a comunidade LGBT quer privilégios. Aqui cabe uma pergunta: Em 2017, o Grupo Gay da Bahia contabilizou 445 crimes letais contra LGBT no Brasil inteiro por motivação LGBTfóbica, em 2018, até outubro, de acordo com o GGB, ocorreram 346 crimes contra pessoas LGBT e o Brasil segue com o título de país que mais mata pessoas sexodiversa no mundo. Será que realmente queremos privilégios ou políticas públicas que não nos cale? Devemos ser cobertos pela Constituição ou por valores morais individuais?

O ano de 2018 marca meio século de distância do AI-5, mas quanto de fato estamos longe dele na prática?

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