Limpinhos, mas ordinários?

Corredor do presídio PPP em Ribeirão das Neves (MG)

Entenda as principais críticas feitas a dois modelos de prisões que não são administradas pelo Estado

Na terceira matéria sobre o sistema prisional, vamos tratar das principais críticas dirigidas aos dois modelos alternativos de prisões apresentados nas matérias anteriores (confira aqui e aqui): as Associações de Proteção ao Condenado (APACs) e o Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves (CPPP).

Corredor do regime fechado da APAC de Itaúna (MG)

Sentenças por lucros

Críticos do modelo privado de gestão de presídios, adotado no CPPP, reforçam os perigos de se tratar o sistema prisional como uma questão de lucro. Nos Estados Unidos, berço do modelo, muitas são as denúncias, por exemplo, de vendas de sentenças — nas quais os juízes receberiam propinas para condenar, negar habeas corpus e para enviar sentenciados a unidades específicas. No último ano, foram presos o dono de dois centros de detenção para crianças e adolescentes, Robert Mericle, e dois juízes, Mark Ciavarella Jr. e Michael Conahan, sob essas acusações.

O empresário estaria pagando os juízes para enviarem jovens para suas unidades — essas empresas privadas recebem por número de presos abrigados, vale lembrar.

O episódio ficou conhecido como “kids for cash” (crianças por dinheiro) e na revisão das penas de todos aqueles que foram enviados às unidades, mais de 4 mil crianças e adolescentes foram liberados porque não deveriam ter sido sentenciados.

Monitoramento dos presos no presídio PPP em Ribeirão das Neves (MG)

Em um artigo no site da União Americana das Liberdades Civis (ACLU), o ex-diretor do Departamento de Correções de Oklahoma, Justin Jones, ressaltou que o único objetivo de um presídio privado é o lucro — a legalidade, a justiça e a segurança da população não passariam de estratégias de marketing. No mesmo texto, ele diz ainda que lobistas desses presídios privados investem pesado na desmoralização de políticos que defendem penas alternativas e reformas no sistema penitenciário.

É no mínimo incômodo pensar que nas discussões recentes sobre a redução da maioridade penal, pesou sobre vários dos políticos as acusações de que eles estariam defendendo a redução para beneficiar empresas interessadas em investir em presídios privados no Brasil. As semelhanças podem não ser mera coincidência. No contrato do CPPP, o Estado é obrigado a manter no mínimo 90% da lotação do presídio durante os anos de vigência do contrato (sobre isso, lei matéria do jornal El Pais).

Blindagens e revistas vexatórias

Outra fonte de críticas é a blindagem em torno dos presos, que, no caso do CPPP, são impedidos de conversar com a imprensa, a não ser aqueles indicados pela direção, e a quem são oferecidos advogados ligados à administração prisional. A situação dificultaria qualquer denúncia de violação de direitos e abriria espaço para a má orientação jurídica dos internos — já que o advogado pode ter mais interesse em manter o preso lá para aumentar o lucro da empresa do que em conseguir para ele um legítimohabeas corpus, por exemplo. Também se critica a falta de uma fiscalização eficiente por parte do Estado.

Na primeira unidade prisional totalmente privada do país, o CPPP, não foi resolvida uma das principais questões relacionadas aos direitos humanos no sistema carcerário: a revista vexatória. Nela, mães, avós, esposas e filhas de detentos são obrigadas a tirar a roupa, abaixar e levantar sobre espelhos, mostrar os órgãos genitais e situações humilhantes afins para visitar os presos. A situação afasta familiares, que é um dos principais pilares para a ressocialização, e poderia ser evitada com equipamentos como detectores de metais e aparelhos de raio-x.

A revista vexatória já foi formalmente proibida ou restringida em dez estados brasileiros, mas ainda é uma prática comum. E o CPPP a adota sem pudores.

Acesso de visitantes ao presídio PPP em Ribeirão das Neves (MG)

APAC: afronta ao Estado Laico?

Os críticos dos métodos da APAC apontam para o alto índice de fugas como uma debilidade do método — mas não existem dados que comprovem a afirmação. Outro problema seria o de que para o satisfatório funcionamento do método é necessário que as unidades sejam pequenas, adequadas para um número médio de 200 presos — portanto, seria necessária uma quantidade enorme de unidades para abrigar toda a população carcerária do país. E, para isso, seria preciso convencer centenas de comunidades a abraçar o modelo, o que essencial para seu funcionamento pleno.

Reza antes do almoço na APAC de Itaúna (MG)

Também é altamente criticada a forte presença da religião no local, o que não seria desejável em um Estado que se diz laico. Os internos participam de orações diárias e o não comparecimento a esses momentos é considerado falta disciplinar.

É permitido a eles escolher sua religião e a unidade oferece aconselhamento com um representante daquela sigla religiosa — a maioria é de evangélicos, mas há também católicos e já foram relatados casos de espíritas. Não é aceito, porém, o pronunciamento como ateu, receber aconselhamento religioso é parte do método.

APAC: sistema disciplinar

O sistema disciplinar da APAC é feito de faltas leves, médias e graves. Qualquer passo fora do esperado pode ser punido. As faltas leves e médias — que incluem não cuidar adequadamente da higiene pessoal ou se atrasar para o trabalho, por exemplo — são resolvidas por um conselho formado pelos internos, que define as sanções, que vão de advertências a dias “de tranca”, ou seja, sem sair da cela. Faltas graves são resolvidas pelo juiz — uso de celulares ou drogas, agressões físicas e pederastia podem levar à expulsão da unidade e encaminhamento para um presídio comum. E isso ninguém quer.

Pátio do regime fechado da APAC de Itaúna (MG)

O desejo de se permanecer na APAC tem como motivação principal o tratamento dado às famílias. “Aqui minha mãe entra sorrindo, feliz, vê que eu estou bem”, conta um dos recuperandos.

Os visitantes não são submetidos a revistas íntimas e são encorajados a participar do dia a dia da unidade como voluntários. A confiança — entre diretoria, visitantes e recuperandos — é uma das bases do modelo. Esse é o único ponto de consenso entre todos. Sobre as demais regras, muitas são as reclamações.

A disciplina, segundo muitos deles, seria mais rígida do que no sistema comum. “Aqui qualquer coisa leva ao aumento da pena, não pode fazer nada que o Dr. Paulo tira os benefícios todos”, dizem referindo-se ao juiz da comarca, que frequentemente determina, por exemplo, a retirada do benefício do regime semiaberto diante de alguma falha do recuperando. “Quando eles chegam até aqui, a família e o Estado já falharam em ensinar a disciplina, essa é a última chance de eles aprenderem”, explica o juiz.

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