Tortura: os campos de concentração do estado do Pará

No Estado em que mais morrem presos (cinco vezes mais do que a média nacional), preso ostenta no próprio corpo os maus-tratos e a tortura da cadeia
Patrick antes e depois de passar pelo inferno das cadeias do Pará: de 65 kg, ele passou para 36 kg - Foto: João Paulo Guimarães
Patrick antes e depois de passar pelo inferno das cadeias do Pará: de 65 kg, ele passou para 36 kg - Foto: João Paulo Guimarães

Este é Patrick Macedo Ramos Paiva de 33 anos. Em uma das fotos ele está com a saúde normal e seus 65 quilos habituais. A outra foto retrata o mesmo Patrick, depois de sair da Colônia no dia 04 de maio deste ano, uma das unidades prisionais em Santa Isabel, onde se encontra o Presídio de Americano no Estado do Pará.

Por João Paulo Guimarães, dos Jornalistas Livres

Patrick, sobrevivente aos maus tratos no Estado do Pará. Foto: João Paulo Guimarães
Patrick, sobrevivente aos maus tratos no Estado do Pará. Foto: João Paulo Guimarães

“Não há no nosso protocolo tortura e espancamento. Não é esse o nosso protocolo. Nós temos hoje um protocolo que garante como nunca dignidade ao preso.” Jarbas Vasconcelos – Secretário de Administração Penitenciária

O uso feito, pelo Secretário de Administração Penitenciária, da palavra “dignidade”, em uma entrevista ao vivo para o TeleJornal Bom Dia Pará, não é apropriado para a realidade na qual o sistema carcerário do Pará vive. A barbárie, a tortura, a privação dos direitos básicos e o assédio a profissionais do sistema penitenciário, assim como aos advogados dos reclusos, se transformaram em política pública no Estado do Pará, sancionada pelo Governador Hélder Barbalho.

Patrick foi preso por dois assaltos. Um dos assaltos foi em uma escola na Ilha de Mosqueiro. Desse, Patrick assume a autoria. O outro assalto, à casa de um policial militar, ele nega. Diz que foi coagido a assumir. Pegou 13 anos. Já estava preso há quatro anos e dois meses e lhe faltariam apenas 15 meses para que alcançasse a liberdade condicional. Patrick cumpria pena na Cadeia da Vila em Mosqueiro quando foi transferido para a Colônia em Americano, onde ficou por um ano e oito meses.

No dia 15 de fevereiro foi constatado que Patrick adquiriu pneumonia. O quadro evoluiu para a tuberculose. Ele conta que havia feito um teste para trabalhar na área externa do presídio como “roçadeiro” e passou, mas no exame final a médica constatou que ele não poderia trabalhar devido à perda exagerada de peso.

O detento não recebia medicamentos baratos como o sulfato de salbutamol, que funciona em quadros de asma, bronquite ou enfisema pulmonar, nem tampouco um simples Tylenol, analgésico para febre ou dores de cabeça. Foi internado em Castanhal e dois dias depois saiu para tratamento domiciliar.

Ao sair, Patrick não foi pesado. Agentes avisaram-no que conheciam sua família e que se falasse algo sobre como foi tratado lá dentro eles saberiam onde encontrá-lo.

Patrick, sobrevivente aos maus tratos no Estado do Pará. Foto: João Paulo Guimarães
Patrick, sobrevivente aos maus tratos no Estado do Pará. Foto: João Paulo Guimarães

Patrick conta que ainda vive sob o terror psicológico constante mesmo dentro de casa. O medo de, ao acordar, ser mandado de volta para o Presídio de Americano, a lembrança das torturas e situações que ocorriam antes dos Procedimentos (ações executadas pelos agentes prisionais para se certificar de que os reclusos não estejam portando armas brancas ou celulares), tudo isso aterroriza Patrick. Nos procedimentos, os presos são obrigados a ficarem nus, sentarem no chão com as mãos na cabeça, de pernas abertas para que cada preso na fila fique encaixado no outro, dificultando ações com movimentos rápidos, de modo a aumentar a segurança dos agentes.

“Lá, eles batiam nas celas com as armas, acordavam a gente de madrugada, entravam nas celas de quatro a cinco horas da manhã já com bomba de efeito moral e spray de pimenta. Alguns presos se defendiam com o colchão e esses que se defendiam eles tiravam da cela e batiam mais. E então ficava todo mundo nu concentrado num campo. Todos os pavilhões. Um colado no outro. Toda essa violência pra tomar café às seis e meia. Diziam que não era pra olhar para eles senão a gente ia apanhar. Todo o tempo eram ameaças.”

Patrick terá de fazer pelo menos seis meses de tratamento para recuperar a saúde e seu advogado vai tentar conseguir um laudo médico para que ele não retorne à detenção. Em sua casa, Patrick conta que dormia no chão do corredor das celas, onde existe uma enorme população de ratazanas. Como esses roedores transmitem a leptospirose, essa é uma doença muito comum entre presos e agentes. Ele também conta que eram 240 presos só em uma das celas, dormindo sem colchão e na maioria das vezes com o chão molhado. A capacidade de cada cela é de 160 presos.

Patrick, sobrevivente aos maus tratos no Estado do Pará. Foto: João Paulo Guimarães
Patrick, sobrevivente aos maus tratos no Estado do Pará. Foto: João Paulo Guimarães

Torturas no sistema prisional do Pará

A tragédia de Patrick, infelizmente, é vivida cotidianamente pelos cerca de 20 mil detentos do Pará. Para que se tenha uma idéia, o Estado detém um recorde sinistro: lá os presos morrem 5 vezes mais que média verificada em presídios do país. Em julho de 2019, uma rebelião no presídio de Altamira acabou com 58 detentos mortos, boa parte esquartejada e degolada.

Na origem dessa situação de violência estão a tortura, a privação dos direitos básicos e o assédio a profissionais do sistema penitenciário, assim como aos advogados dos reclusos. Segundo a revista eletrônica Consultor Jurídico, advogadas de presos têm sito obrigadas a se submeter a revista íntima como pré-condição para que entrem na carceragem para atender a seus clientes. Para piorar, os defensores não têm conseguido nem sequer se reunir reservadamente com os presos, já que são obrigados a se encontrar com eles em locais abertos, cercados por agentes penitenciários.

À Consultor Jurídico, Viviane de Souza das Neves, uma das denunciantes da revista íntima das advogadas, afirmou que imposições absurdas como essa estão sendo adotadas desde que o atual secretário da Administração Penitenciária, Jarbas Vasconcelos, assumiu o posto, em janeiro de 2019. “A gestão começou a afetar diretamente as pessoas custodiadas, as famílias das pessoas custodiadas, e aqueles que frequentam as unidades prisionais, que são os advogados criminalistas”, diz. E acrescenta:

“Não estamos mais conseguindo entrar no presídio a hora que a gente precisa, não conseguimos mais ter entrevistas com nossos clientes de forma pessoal e reservada, estamos tendo que nos submeter à revista. Estamos sendo hostilizados, tratados como braços das facções, como criminosos.”

Por outro lado, agentes prisionais em estado probatório, uma vez aprovados em concurso estadual e feito o curso de quatro meses ministrado pelo Comando Operações Penitenciárias (COPE), são impossibilitados de assumir cargos dentro das unidades prisionais porque o secretário Jarbas Vasconcelos prefere contratar em regime de comissionamento (em confiança).

Não é caos. É política pública anti-direitos humanos, para manter os detentos dóceis e fragilizados no intuito de se garantir a ordem e a aprovação da sociedade, que quer os presos longe do convívio sociais -custe o que custar. O governador Helder Barbalho também coloca-se, assim, a favor das diretrizes truculentas da administração no Governo Federal.

A violência física, a tortura, a privação de sono e de alimentação, além de abusos sexuais, enquadrados como estupro, são uma realidade infernal dentro dos estabelecimentos prisionais administrados pela Secretaria de Administração Penitenciária do Pará.

Aqui está uma lista de algumas das práticas da SEAP, lidas pela Deputada Federal Sâmia Bomfim, na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher em audiência pública que ocorreu na Câmara Federal:

  1. Superlotação
  2. Falta de acesso à água
  3. Falhas na assistência médica
  4. Número limitado e restrito de refeições
  5. Maus tratos a presos com transtornos mentais
  6. Espancamentos com cabos de vassoura
  7. Existência de um calabouço de tortura
  8. Uso de spray de pimenta tanto para homens quanto para mulheres (detentos e parentes apontaram a morte, por asfixia, de um interno após o uso de spray de pimenta)

“Deus é maravilhoso”

“Estou levando meu filho para morrer em casa” (Dona Risoneide Alvez – Mãe de Patrick)

Dona Risoneide Alvez Ramos Paiva tem 50 anos. Perdeu recentemente o marido, mas é uma mulher simpática e alegre, mesmo vivenciando a realidade relatada aqui. A mãe de Patrick conta como foi reencontrar o filho nesse estado:

“A última visita que fiz pra Patrick ele estava bem, tomado banho, tirado a barba e de cabelo cortado. Duas visitas que eu fiz pra ele, ele tava bem. Isso foi antes da intervenção da Força do Departamento Penitenciário Federal, enviada para o Pará depois do massacre de Altamira. Depois da intervenção, eu fiquei seis meses sem ver ele. Quando eu vi o Patrick nessa situação, dia 6 de maio, meu mundo desabou. Você olha pro lado olha pro outro e diz: O jeito é levar pra morrer em casa. Mas Deus é maravilhoso e ele tá aí. Pesando 36 quilos.”  

Foto: João Paulo Guimarães

Outro lado. A secretaria de administração penitenciária tenta explicar a situação:

A SEAP, há alguns dias, através de duas notas oficiais, negou todas as acusações e diz se encontrar em meio a um complô de forças antagonistas que têm o interesse em enfraquecer a administração carcerária do Estado do Pará. Também critica as denúncias e desmerece advogados de detentos assim como nega a utilização de protocolo interno de tortura e maus tratos para com os reclusos.

Jarbas Vasconcelos, titular da SEAP, em entrevista ao vivo para o Bom Dia Pará no dia em que o Massacre de Altamira, o segundo maior massacre do Brasil, fazia um ano. 

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COMENTÁRIOS

5 respostas

  1. E triste muito triste mas existe sim tortura la em americano a última vez que vi meu filho ele me relatou todo o o sofrimento que eles tem passado ali dentro desde que estão mostro chamado Jarbas Vasconcelos assumiu eles são torturados e maltratados psicologicamente mas parece que ninguém tá vendo eles eraram sim mas já tão pagando por seu erros mas Deus vai fazer justiça o homem pode não ta vendo tudo que tá acontecendo mas Deus está ele é fiel a mão de Deus vai pesar sobre eles logo logo

  2. Existem torturas sim, humilhação passam fome ficam dois dias sem beber água, dorme no chão não escovam os dentes vivem descalço só com um par de roupas fedendo porque as famílias são proibidas de levar tanto o material de higiene quanto uma roupa não podem leva sandália lençol não podem leva pasta de dente escova de dentes não podem leva uma comida sem poder vê os filhos as crianças perguntam pelos seus pais e choram pra querer vê. os presos estão definhando la dentro não sabemos até quando iram suporta a tantas torturas físicas e psicológicas já se faz Um Ano de intervenção Um Ano de sofrimento.

  3. Eles querem hotel 5 estrelas como era antigamente, onde saiam a tarde para roubar e matar inocentes e voutavao de manhã sorrindo tirando onda com a cara da sociedade.

  4. Pela reportagem acima, qualquer leitor se emociona e passa a odiar a gestão dos presídios do Pará. O personagem do caso contraiu AIDS antes de ser preso e por essa doença ele se encontra debilitado. Infelizmente o Comando Vermelho e as organizações criminosas usam pessoas (servidores, familiares, “advogados”,…) e até matérias jornalísticas para desestabilizar a administração. São contumazes nisso! Vamos continuar a promover igualdade de tratamento, legalidade, reinserção social e disciplina. Os tempos sombrios não irão voltar!

    No Pará quem manda na cadeia é o Estado!!!

  5. Se entrarem nas casas penitenciárias do estado do Pará todos vão ouvir a mesma história desse rapaz , sim pq sabemos que e assim que ele tratam os que estao pagando pelos seus crimes, acham que não e suficiente estar preso que tem que passar por todo tipo de humilhação , o estado e conivente com tudo que acontece dentro dos presídios tanto que e impossivel nao reconhecer que esse rapaz foi torturado e uma ignorância dizer que isso foi por causa de uma doença que cada dia mata menos por causa dos seus metados de tratamento , o estadu diz que tem responsabilidade com os presos mais a verdade e que os familares que arcam com os presos a unica despesa e da comida azeda crua que eles mandam pra eles morrerem mais rapido .

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