Entenda a luta do povo Guarani pelo Parque Ecológico Yary Ty no Jaraguá-SP

Jaraguá - São Paulo/SP - Fev/2020 crédito: Nair Benedicto/N Imagens

A Ocupação Yary Ty (CEYTY) comunica ESTADO DE EMERGÊNCIA DO TERRITÓRIO INDÍGENA da T.I. Jaraguá e convoca imprensa, parceiras e parceiros para comparecerem dia 04 de março, às 15h, no Fórum da 14a. Vara Federal, na Avenida Paulista 1682, para fortalecer na reza dos Guarani durante a audiência. A luta do povo Guarani no Jaraguá continua.

 

Principais tópicos da luta do povo Guarani no Jaraguá

Em visita à ocupação do povo Guarani na área do sonhado Parque Ecológico Yary Ty (CEYTY), descobrimos vários caminhos fraudulentos e mesmo criminosos trilhados pela Tenda Negócios Imobiliários, que tem como principais acionistas a AMBEV e o Itaú, e que estão garantindo à construtora tomar posse dessa área para construir até 11 torres de apartamentos a 200 metros de território indígena (T.I.), o que, por si só, transgride a Portaria Interministerial 060 de 2015. Mas as ações ilegais não param aí.

Entre as diversas contradições dessa especulação imobiliária está o fato dessa área ter sido classificada como ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), sendo que já estava classificada como ZEPAM (Zona de Preservação Ambiental). Leia mais em “Outras Ações em Curso” no final do texto.

A área é considerada, ainda, uma Reserva de Biosfera, instrumento de preservação que incentiva uma gestão integrada e sustentável de recursos naturais.

522 árvores da Mata Atlântica já foram derrubadas pela Tenda na área, além de diversas espécies de animais mortas, como abelhas sem ferrão. Depois dessa ação, a comunidade Guarani do Jaraguá ocupou o local para impedir que essas devastações ambientais continuassem.

No dia 10 de março, a Tenda deve entrar nessa área continuar a derrubada de um total de 4 mil árvores, uma ação orquestrada com aval de uma juíza estadual, que pode calar diversas defesas garantidas por leis de preservação daquela área, considerada, ainda, área de amortecimento do Parque Estadual do Jaraguá. A ação da Tenda pode, ainda, acabar por isolar a comunidade Guarani e seu território demarcado, a 200mts dali, tornando praticamente inviável a manutenção e o desenvolvimento cultural Guarani naquele território, além de minar a preservação de uma das já poucas áreas verdes em São Paulo.

Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
crédito: Nair Benedicto/N Imagens

O chamado agora é para que todos os habitantes da cidade de São Paulo acordem para esse crime ambiental!

“Ontem nos reunimos com vários coletivos daqui para uma ação no dia 10 de março. Estaremos promovendo vários eventos e atividades na ocupação. Acabamos, de certa forma, sendo protagonistas aqui no Jaraguá. Mas essa luta é um dever de todos. Assim como estão vindo pessoas de outros países, o principal é que as pessoas que moram em São Paulo façam parte dessa resistência com a gente”, disse o líder Thiago Henrique, que nos conta os detalhes dos encontros líderes do povo Guarani no Jaraguá com a Tenda.

Entendendo todo o histórico da luta abraçada pelo povo Guarani no Jaraguá pela criação do Parque Yary Ty (CEYTY) e um Memorial da Cultura Guarani.

Mata Atlântica – Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
crédito: Nair Benedicto/N Imagens

Depoimento de Thiago Henrique, líder da ocupação indígena no futuro parque:

“A Tenda Negócios Imobiliários comprou este terreno há mais ou menos dois anos. Aqui havia o Clube Sul Riograndense.  Por mais que fosse uma área privada, nossa comunidade sempre usou essa área, porque as pessoas da administração do clube entendiam que estávamos aqui antes do clube. Então, nunca barrou a comunidade de vir nadar no rio, pescar, brincar nas árvores, até porque nosso território aqui é a menor terra indígena demarcada por um governo federal – tem 1,7 hectares, onde meus avós iniciaram, de novo, a família Guarani aqui.

O clube faliu e a Tenda comprou este terreno, já com um projeto  de construção de apartamentos. Quando a Tenda nos procurou, no final de dezembro de 2019, disseram que iam construir cinco torres para 800 habitantes, que teriam que derrubar 4 mil árvores, que a gente não precisava se preocupar, pois já estava tudo licenciado, com alvará da prefeitura e autorização da FUNAI, e que eles só estavam avisando a gente.

Foi quando dissemos que não era assim que funcionava, que não íamos aceitar o corte de 4 mil árvores do nada.  E eles disseram que havia uma área dentro desse terreno, onde não poderiam construir, e seria cedida para nós contruirmos uma escola, na compensação para a prefeitura – uma área no meio do terreno, que é uma área de lagos (rs).  

Argumentamos, então, que não estávamos ali para negociar terra, mas sim a vida das árvores e queríamos um esclarecimento do Ministério Público, porque dentro de uma área de 8 km de uma terra indígena nenhum tipo de especulação ou obra pode ser feita sem um estudo de impacto ambiental e sócio-componente indígena (Portaria Interministerial 060, de 2015). Estamos a 200mts desse empreendimento.

Esse estudo determinaria quais seriam os impactos dentro da terra indígena e de que forma esses impactos podem ser minimizados ou compensados e se há a possibilidade de serem compensados, porque existem impactos que não têm como serem compensados.

A Tenda, então, argumentou que não precisava fazer isso, que estava isenta desse processo/estudo, pois a FUNAI já tinha dado a autorização, e que a Tenda não precisaria respeitar a legislação federal.

Mais uma vez trouxemos à Tenda a Portaria Interministerial  060, de 2015. Além dela, existe a Convenção 169 da OIT, adotada em Genebra, em 1989, e aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 143, de 20 junho 2002,  e que nos garante que qualquer tipo de ação do Estado que venha ferir a comunidade de qualquer forma, causando qualquer tipo de impacto, temos que ter uma consulta prévia, livre e informada, de boa fé. Ou seja, o próprio Município de São Paulo não poderia ter dado uma autorização ou alvará, liberando uma obra aqui, sem antes ter consultado a comunidade, porque esse licenciamento da prefeitura, mesmo sendo ilegítimo, passa a ser criminoso quando fere a Convenção 169 da OIT, quando nos coloca em uma situação de vulnerabilidade e de risco.  

Entre os dias 7 e 9 de janeiro, levamos essa denúncia ao Ministério Público Federal, com essas alegações da Tenda. O Ministério Público, então, marcou uma audiência de conciliação mais pra frente. Mas, até a gente chegar a esse consenso, pedindo para que não houvesse mais cortes das árvores aqui, acabamos fazendo essa ocupação porque, do dia para a noite, a Tenda começou a derrubar árvores na área…

Em menos de dois dias cortaram 522 árvores.

Nossa ocupação é para deixar que nenhuma árvore a mais seja derrubada aqui.

Que nenhum tipo de empreendimento aconteça aqui de forma ilegal.

E que um estudo de impacto ambiental e sócio-componente indígena seja feito para podermos chegar a um consenso.

Desmatamento feito pela Tenda para construção de apartamentos no Jaraguá, próximo a Reserva Indígena Guarani – São Paulo/SP – Fev/2020
crédito: Nair Benedicto/N Imagens
Desmatamento feito pela Tenda para construção de apartamentos no Jaraguá, próximo a Reserva Indígena Guarani – São Paulo/SP – Fev/2020
crédito: Nair Benedicto/N Imagens

AS MENTIRAS DA TENDA E AS DEFESAS DO POVO GUARANI.

Quando ocupamos a área descobrimos que eles mentiram – não têm autorização para a derrubada de  4 mil árvores, mas estão pleiteando essa derrubada.

Falaram na implantação de cinco torres para 800 moradores, mas  quando vimos o projeto da Tenda, descobrimos que estão pleiteando um total de onze torres, divididas entre a parte de frente e de trás do terreno, dividido por um rio. Por isso o total dá 4 mil árvores.  Só que as pessoas da Tenda que vieram falar com a gente chegaram todas desinformadas, mesmo sendo da empresa. E acabaram expondo que seriam 4 mil árvores sem querer. Foi quando nós,  da comunidade Guarani, começamos a entender que a Tenda estava agindo com a mentira.

O documento que eles dizem ter da FUNAI é, na verdade,  um documento informativo de um setor da FUNAI, dizendo que esse terreno não está dentro da aldeia, com a FUNAI deixando claro que aquele papel não era nenhum tipo de autorização de construção. Mas a Tenda pegou esse documento e tentou usá-lo de má fé, dizendo que a FUNAI tinha autorizado a construir sem o estudo.

Tudo que a Tenda tem é um documento fraudulento da prefeitura, e essa informação da FUNAI, que o terreno não é um terreno tradicional Guarani. 

A única coisa que a gente diz para a Tenda é: a partir de agora vocês não vão cortar mais nenhuma árvore, nenhum empreendimento vai ser feito. E o caminho para vocês agora é aceitar o termo de transferência de potencial construtivo da prefeitura e construir em outro lugar e aqui ser feito um parque para a população, visando o meio ambiente, a ecologia, a permacultura, a agrofloresta, a criação de abelhas nativas sem ferrão.

Decidimos que a nossa luta continua.

A própria Tenda criou um cemitério de árvores aqui, a partir do momento que derrubou 522 árvores e tem que ser responsabilizada por esse tipo de ação.

Os impactos já estão aí: Mata Atlântica dizimada, diversas abelhas nativas sem ferrão foram mortas aqui com esse desmatamento, como as arapuás e uruçus amarelas, além de cobras, pássaros… Desde 2016 passamos a criar abelhas sem ferrão em nossa aldeia, pois estavam sumindo e conseguimos expandir essas espécies para o território e aí vem a Tenda e mata também as abelhas que estávamos fortalecendo.

Para nós, tudo isso é um crime inaceitável”

Mata Atlântica – Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
crédito: Nair Benedicto/N Imagens

OUTRAS AÇÕES EM CURSO

Como publicado na Folha Noroeste de 26 de fevereiro de 2020,há dois projetos de lei protocolados na Câmara Municipal, ambos de autoria do vereador Eliseu Gabriel. Um deles muda o zoneamento local, hoje classificado como ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), para Zona de Preservação Ambiental (ZEPAM). O segundo propõe transformar a área em questão em parque municipal. Já o vereador Gilberto Natalini entrou com duas representações junto aos Ministérios Públicos Federal e Estadual com o objetivo de garantir a integridade física dos índios e impedir que mais árvores nativas sejam derrubadas. No documento, o parlamentar questiona o fato do terreno ser classificado como ZEIS estando ele inserido numa ZEPAM. A área, inclusive, é considerada uma Reserva de Biosfera (instrumento de preservação que incentiva uma gestão integrada e sustentável dos recursos naturais)”.

O povo Guarani que hoje ocupa a área do sonhado Parque Ecológico Yary Ty (CEYTY) já plantou mudas de novas árvores onde as nativas foram derrubadas, além de estar em curso a limpeza da vegetação e a instalação de jardins filtrantes com plantas macrófitas, para recuperar as águas do lago, que estão sendo analisadas.


RESUMO – ALERTA DA SITUAÇÃO

DIA 4 DE MARÇO, 14HSCONVOCAÇÃO – 14a. Vara Federal, Avenida Paulista, 1682.

Audiência de conciliação na Justiça Federal para tratar sobre essas questões, quando o povo Guarani, através de sua assessoria jurídica – a Comissão Yvyrupa, que representa os povos Guaranis, além de uma representação da OAB e do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) – farão os trâmites legais de dizer que a obra é inviável e que, embora os Guaranis não estejam brigando pela posse do terreno, isso não significa que o cinturão verde de São Paulo, assim estabelecido pela UNESCO, deva ser devastado, como a Tenda quer.

DIA 10 DE MARÇO – MOBILIZAÇÃO GERAL

Diversos eventos e atividades estão sendo organizadas pelo povo Guarani na área ocupada, junto a coletivos da cidade, no mesmo dia em que a Tenda deve novamente entrar no terreno, depois de ganhar, recentemente, uma reintegração de posse emitida irregularmente por uma juíza estadual, que será executada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, conforme comprova ofício emitido pela própria PM, no qual consta, ainda, a necessidade de uso de armamentos de impacto controlado, como armas de choque e VANT – Veículo Aéreo Não Tripulado, como drones, uma clara declaração de guerra ao povo Guarani e a Ocupação Yary Ty. A reintegração de posse foi emitida apesar de todo o levantamento apresentado, esclarecendo tratar-se de um empreendimento ilegal e o fato de uma juiza estadual ter tomado uma decisão ilegítima, ao atuar sobre uma questão federal, colocando em risco a integridade física da comunidade Guarani, em uma ação na qual a juíza não tem representatividade alguma.

Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
crédito: Nair Benedicto/N Imagens
Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
crédito: Nair Benedicto/N Imagens
Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
crédito: Nair Benedicto/N Imagens

 

Entrevista e edição: Sonia Maia

Fotos: Nair Benedicto e Fausto Chermont

 


Links:

Participe ativamente dessa luta, que também é nossa.

Marque presença na ocupação, principalmente no dia 10 de março. Compartilhe, assine petições, impulsione doações.

Petição pela criação do Parque Ecológico Yary Ty (CEYTY) e o Memorial da Cultura Guarani > https://secure.avaaz.org/po/community_petitions/prefeitura_de_sao_paulo_criacao_do_parque_ecologico_yary_ty_ceyty_e_memorial_da_cultura_guarani/

Existe Guarani em SP > https://www.facebook.com/existeguaraniemsp/

Tenonderã Ayvu > https://www.facebook.com/tenonderaayvu/

Portaria Interministerial 060 de 2015

http://www.lex.com.br/legis_26632223_portaria_interministerial_n_60_de_24_de_marco_de_2015.aspx

Convenção 169 da OIT

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm


 

 

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