Apoio do governo ao Golpe de 64 revolta a sociedade

O que aconteceu em 1º de abril (e não em 31 de março) de 1964 foi um golpe de estado levado à frente por setores militares, com apoio do grande empresariado, da mídia hegemônica e suporte explícito (que poderia ser inclusive bélico, se fosse o caso) do governo dos Estados Unidos. Há uma abundância de provas documentais e testemunhais que impede qualquer historiador sério de negar esse fato. Análises e documentos históricos provam, ainda, que nunca houve uma “ameaça comunista”, nem uma “república sindicalista” e que a corrupção que havia no governo não era significativamente maior do que em qualquer outro período.
Os legados da Ditadura são igualmente incontestáveis. A extrema militarização das polícias estaduais e seu uso na tortura de dissidentes políticos moldou a atual atuação das PMs, que são as forças de segurança que mais matam em todo o mundo. A explosão da dívida pública e a hiperinflação (que chegou a 3% ao DIA) são resultado direto do “Milagre Econômico” de Delfim Netto nos anos 1970. O imenso poder das grandes empreiteiras para corromper o executivo surgiu nos esquemas milionários de superfaturamento em obras como a Ponte Rio Niterói. E os oligopólios midiáticos que temos até hoje foram construídos a partir da concessão de TV à Globo em 1964, suas afiliadas pertencentes a políticos em todo o Brasil (Família Sarney no Maranhão, Collor em Alagoas, Antonio Carlos Magalhães na Bahia…).
Se não bastasse tudo isso, ainda tivemos perseguições políticas, fechamento do Congresso, exílios, torturas, assassinatos, desaparecimentos forçados e todo pacote de autoritarismo e violação de diretos políticos e humanos que compõem uma ditadura clássica.
Essa página, contudo, jamais foi virada na história. Agora que temos o maior desafio de saúde pública mundial em 102 anos, unificar e coordenar os esforços nacionais era fundamental. Mas falta um/a homem/mulher no posto chave da presidência. O que temos prefere vender ilusões em pronunciamento de TV e comemorar um passado mentiroso de glórias ao dizer que “Oh… Hoje é o dia da liberdade”, referindo-se ao Golpe de 64. E não está sozinho! O sujeito que ocupa a vice-presidência publicou em uma rede social que “com a eleição do General Castello Branco, iniciaram-se as reformas que desenvolveram o Brasil”. Ontem, o Ministério da Defesa divulgou ordem do dia dizendo que o Golpe, que eles chamam de “movimento militar”, é um “marco para a democracia”.
Certamente esse apoio explícito a uma ditadura sangrenta como símbolo de ordem em meio às incertezas do futuro foi seguido em muitos lugares do Brasil. No Mato Grosso, por exemplo, o deputado estadual pelo PSL Sílvio Fávero, que teve uma postagem apagada pelo Instagram, denunciada por apologia a crime.
Essas manifestações levaram a notas de repúdio de diversos setores da sociedade. Um deles foi o Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso, que se pode ler abaixo:

VIVA A DEMOCRACIA!
HERZOG VIVE!
DITADURA NUNCA MAIS!

Neste 31 de março de 2020, completamos 56 anos do Golpe militar que resultou em 21 anos de ditadura no Brasil, 20 mil pessoas torturadas e mais de 400 mortos ou desaparecidos, conforme Comissão Nacional da Verdade.

A redemocratização ocorreu em 1985 após muita organização popular em defesa da Anistia, da Emenda pelas Diretas Já e na denúncia das torturas, perseguições e mortes a defensoras e defensores da democracia.

Se hoje temos eleições diretas para cargos públicos e a autonomia dos três poderes, ainda que com suas inúmeras fragilidades, foi porque lutamos e derrotamos a ditadura militar.

Nesta luta, centenas perderam a vida nos porões da tortura, como o jornalista Vladmir Herzog, que permanece vivo em nossa memória.

Por isso repudiamos com veemência a postura do deputado estadual pelo PSL de MT, Silvio Fávero, por manifestar seu apoio ao regime de ódio e tortura expresso pelo Golpe de 64.

Para que germes da ditadura não prosperem, dizemos em alto e bom som: ditadura nunca mais!

Viva a Democracia!
Herzog vive!

Sindicato d@s Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor-MT)
(Gestão 2019-2020) Em defesa d@ jornalista

Outra importante instituição a protestar contra a exaltação mentirosa da Ditadura foi o Instituto Vladimir Herzog, como se vê abaixo:

O Instituto Vladimir Herzog vem a público repudiar de forma veemente a posição de membros do atual governo em relação ao golpe militar de 1964, que hoje completa 56 anos.

Em ordem do dia publicada neste 31 de março de 2020, o ministro da Defesa do Governo Federal, general do Exército Fernando Azevedo e Silva, classificou o golpe como um “marco para a democracia”. Mais tarde, o vice-presidente da República, o general de reserva do Exército Hamilton Mourão, se expressou em uma rede social dizendo que a ditadura militar promoveu “reformas que desenvolveram o Brasil”.

O atual governo, mais uma vez, manifesta uma posição absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito, falseia a história e avilta o direito à memória e à verdade, previsto na Constituição.

Tal conduta não pode passar desapercebida e, por isso, nos somaremos a outras entidades para denunciar mais esta afronta à democracia a instâncias nacionais e internacionais, na expectativa de que medidas cabíveis sejam tomadas.

Definir o golpe de Estado e os 21 anos da ditadura militar como um “marco para a democracia” ou dizer que foram promovidas “reformas que desenvolveram o Brasil” é negar a gravidade dos atos cometidos durante esse período sombrio, marcado por violência, tortura, autoritarismo, corrupção, censura e gravíssimas violações de direitos humanos perpetradas contra cidadãos em todo o país.

Ao promoverem esse revisionismo histórico grosseiro e valorizarem o que aconteceu a partir de 1964, o ministro da Defesa e o vice-presidente evidenciam uma total dificuldade de compreender o esforço civilizatório e a escolha da humanidade por um futuro que conjugue liberdade, justiça, respeito e promoção dos direitos humanos, e se pavimente nos verdadeiros ideais democráticos.

Há mais de uma década, nós do Instituto Vladimir Herzog – entidade que leva o nome de um jornalista brutalmente torturado e assassinado pelas forças de repressão que sustentavam a ditadura militar – exercemos a missão de fazer com que a sociedade conheça o passado para entender o presente e construir o futuro.

Ainda hoje, no entanto, convivemos com o legado autoritário dos anos de chumbo, visível, por exemplo, na ausência de punição aos agentes públicos que perseguiram, torturaram, assassinaram e ocultaram cadáveres durante os 21 anos em que generais, passando-se por presidentes, governaram o país.

Esse legado de impunidade e autoritarismo é o que permite que agentes do Estado sigam matando, torturando e desaparecendo com corpos de cidadãos brasileiros, em sua grande maioria de pessoas pobres, pretas e periféricas.

Isso evidencia, de forma preocupante, que a tarefa de consolidar a democracia no Brasil ainda está incompleta e é indissociável da necessidade de se garantir o direito à justiça, à memória e à verdade a todos que sofreram – e ainda sofrem – com as gravíssimas violações de direitos humanos cometidas no passado e no presente.

Marco para a democracia e desenvolvimento para o Brasil será o dia em que militares – e todos aqueles que sustentaram a ditadura por longos 21 anos – reconhecerem os crimes cometidos por integrantes das Forças Armadas entre 1964 e 1985 e pedirem perdão às vítimas, seus familiares e à toda sociedade.

Marco para a democracia e desenvolvimento para o Brasil será o dia em que o Poder Judiciário – atento ao fato de que a República Federativa do Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana – processar e, se demonstrada a responsabilidade, punir os muitos torturadores já identificados do período.

Por tudo isso, encaramos o dia 31 de março como uma oportunidade para homenagear as crianças que foram covardemente sequestradas, as mulheres que tiveram seus familiares assassinados e desaparecidos, os pais que viram seus filhos serem torturados, indígenas, camponeses, trabalhadores e todos aqueles que foram submetidos a tanta desigualdade e precarização da vida, especialmente nas periferias e nas favelas, mas lutaram bravamente – muitas vezes sacrificando a própria vida – contra a ditadura, em defesa da democracia e de uma sociedade mais justa e igualitária.

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