Por Tamires Gomes Sampaio, especial para os Jornalistas Livres
O Brasil possuí a maior taxa de contágio pelo coronavírus do mundo, os casos confirmados e o número de mortes estão aumentando a cada dia e o presidente Bolsonaro deixou explicito seu total descaso com a crise que estamos vivendo no país. Bolsonaro se preocupa mais com os crimes com os quais sua família está envolvida do que com a vida de milhões de brasileiros que está em risco diante de suas ações no governo.
Depois das declarações do ex-ministro Sérgio Moro na sexta-feira (24) sobre a tentativa de Bolsonaro em interferir nas investigações da Polícia Federal e em inquéritos que correm em sigilo no Supremo Tribunal Federal (STF), fomos surpreendidos por uma revelação do site de jornalismo investigativo The Intercept que divulgou a existência de possível relação de seu filho, Flávio Bolsonaro, com um esquema de construção civil ilegal liderado pela milícia do Rio de Janeiro. Além disso, no domingo, foi divulgado que Carlos Bolsonaro, também filho do presidente, estaria ligado a um esquema criminoso de disparos em massa de notícias falsas, fato que também está sendo investigado.
No mesmo dia da revelação de Sérgio Moro, assistimos em nossas casas, com um misto de indignação e revolta, o pronunciamento dado em resposta por Bolsonaro. Primeiro, porque sua total incompetência para ocupar o cargo de presidente fica escancarada em seus discursos Segundo, porque o ouvimos não só reconhecer a interferência em investigações na PF, como também deixar escapar que o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, era um dos casos que estavam sendo investigados e que ele tentava interferir.
Ao mesmo tempo, é importante que se entenda que Moro não pode se eximir de sua responsabilidade pelo tempo que ocupou o cargo de Ministro da justiça. Os crimes que hoje ele acusa Bolsonaro de ter cometido, podem ter se iniciado com sua conivência, o que igualmente merece investigação. Ele que ironicamente reconheceu em seu pronunciamento que durante as gestões do PT a PF possuía realmente autonomia para as investigações, afinal foi durante os governos Lula e Dilma que foram construídas políticas de combate à corrupção e de fortalecimento ao Ministério Público e a Polícia Federal.
A interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, ao tentar nomear Alexandre Ramagem como diretor-geral da PF, um notório amigo de sua família, que provavelmente irá engavetar todas as investigações relacionada aos Bolsonaros, configura crime de responsabilidade e demonstra que Bolsonaro não medirá esforços para manipular qualquer investigação contra ele e sua família. Diante desse verdadeiro escândalo, o Procurador Geral da República (PGR), Augusto Aras, solicitou ao Supremo a abertura de um inquérito para apurar os fatos narrados por Sérgio Moro e solicita que ele seja ouvido pelo STF sobre as acusações que fez durante a coletiva.
O Ministro Celso de Mello determinou a abertura do inquérito e, assim, Bolsonaro será investigado pelos crimes de falsidade ideológica, pois Moro declarou que não assinou a demissão do antigo diretor geral da PF; coação no curso do processo e obstrução de justiça, pelas tentativas de Bolsonaro ter acesso às investigações feitas pela PF e aos inquéritos do STF; advocacia administrativa, ao tentar fazer os interesses de sua família se sobrepor às investigações que estão em curso; prevaricação, por agir de acordo com os interesses pessoais e não como presidente; e, por fim, corrupção passiva privilegiada.
Dentre as acusações que Moro fez, a tentativa de interferir em investigações da PF e inquéritos do STF chamaram atenção, afinal: o que estaria Bolsonaro tentando impedir de ser investigado? Em sua própria coletiva Bolsonaro nos respondeu essa pergunta ao falar sobre como a PF estava dando mais interesse ao assassinato de Marielle Franco ao invés da facada que recebeu durante a campanha em 2018. A declaração chamou atenção pois seu filho Flávio Bolsonaro foi apontado como um dos possíveis envolvidos no assassinato de Marielle por sua relação com componentes de um dos grupos da milícia do Rio de Janeiro, o Escritório do Crime.
No sábado (25), o site The Intercept Brasil divulgou provas de que Flávio Bolsonaro estava envolvido em um esquema de construção ilegal de prédios no Rio de Janeiro. A matéria publicada apresenta documentos sigilosos e dados levantados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro a que o Intercept teve acesso.
De acordo com a investigação que o MPRJ está fazendo, Flávio Bolsonaro financiou e lucrou com a construção de prédios erguidos pela milícia usando dinheiro público. O financiamento teria sido feito por meio de “rachadinhas”, nome popularmente dado à prática de desvio de parte da remuneração de funcionários públicos, no caso, funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio e que era organizada por seu ex-assessor Fabricio Queiroz. Esta investigação preocupa a família Bolsonaro e é um dos motivos do presidente para trocar o comando da Polícia Federal.
Essa revelação do Intercept torna ainda mais próxima a relação da família Bolsonaro com o brutal assassinato de Marielle, porque após dois anos de investigações sabemos não só que o assassino era vizinho dos Bolsonaros como era membro do chamado “Escritório do Crime” (organização miliciana especializada em assassinatos por encomenda) e que seu assassinato provavelmente estaria ligado ao fato de que os milicianos acreditavam que ela poderia atrapalhar os negócios ligados à grilagem de terras na zona oeste do Rio de Janeiro, como revelado pelo Secretário de Segurança do RJ, Richard Nunes.
O cerco contra a família Bolsonaro está apertando e a sua relação com a milícia do Rio de Janeiro fica a cada dia mais escancarada. Estamos hoje, graças às “fake news” propagadas durante às eleições de 2018 – coordenadas pelo Carlos Bolsonaro de acordo com investigação feita pela PF – e a atuação do então juiz Moro ao prender Lula injustamente e impedi-lo de concorrer às eleições, sendo governados por uma família de milicianos.
Com o Inquérito do PGR instaurado pelo STF, caso a tentativa de Bolsonaro de interferir nas investigações da Polícia Federal seja confirmada, ele não terá a menor condição de continuar ocupando o cargo de Presidente da República e deverá ser afastado de imediato, seja por meio de sua renúncia ou de abertura de processo de impeachment.
O Brasil, assim como o restante do mundo, está passando por uma crise sanitária sem precedentes em sua história com o avanço do coronavírus, que já matou mais de 5.100 pessoas e que infectou 73 mil pessoas, de acordo com o número de casos confirmados. Portanto, mais do que nunca, precisamos de um governo que garanta que a população tenha acesso a políticas de inclusão social que permitam que elas fiquem em casa e façam o isolamento com a segurança de que poderão pagar suas contas e se alimentar. Além disso, que também garanta seus direitos trabalhistas sejam assegurados e não destruídos, como está acontecendo durante a gestão Bolsonaro. No Palácio do Planalto deve ser um espaço de formulação de políticas de combate às desigualdades e de proteção da vida dos milhões de brasileiros e não esta política de morte que estamos vendo sendo implementada neste verdadeiro escritório do crime.
Dra. Tamires Gomes Sampaio é advogada, mestra em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e militante da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN). Foi a primeira presidente negra do Centro Acadêmico de Direito do Mackenzie.
Fontes utilizadas no artigo:
https://theintercept.com/2020/04/25/flavio-bolsonaro-rachadinha-financiou-milicia/
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