Vai Obrador!

Lançamento do livro "Oye, Trump", escrito por Obrador, reprodução de lopezobrador.org.mx

Toda reconstrução histórica é um pouco arbitrária e imprecisa. Mas feita esta ressalva, se pode afirmar que o “desenvolvimentismo” latino-americano nasceu no México, durante o governo do presidente Lázaro Cárdenas, na década de 1930. Cárdenas foi nacionalista e seu governo fez uma reforma agrária radical; estatizou a produção do petróleo; criou os primeiros bancos estatais de desenvolvimento industrial e de comércio exterior da América Latina; investiu na construção de infraestrutura; praticou políticas de industrialização e proteção do mercado interno; criou uma legislação trabalhista e adotou uma política externa independente e anti-imperialista.

José Luís Fiori

Essa semana foi publicado um admirável artigo no New Yorker, uma revista estado-unidense de ensaios, com o título Uma nova revolução no México – fartos da corrupção e de Trump, eleitores abraçam o político independente de esquerda Andrés Manuel López Obrador.

Com um pedido de perdão pela presunção, e falta de modos, Jon Lee Anderson está certo ao propor que eles não aguentam mais a corrupção e Trump. Não me parece que seja uma revolução de fato, mas não é essa a principal divergência. Ele desconsiderou um ponto essencial: o povo mexicano está cheio é do conto do vigário do neoliberalismo. O México vem, há quase quarenta anos, cumprindo a agenda proposta pelos luminares do neoliberalismo e não colheu nenhum dos benefícios prometidos.

O México está certamente entre os melhores alunos da cartilha que determina que o Estado deve ser reduzido, que a carga tributária deve ser baixa, que o país deve abrir-se ao comércio exterior reduzindo os impostos de importação e expondo a indústria nacional à concorrência internacional, que as leis do trabalho devem ser flexíveis.

O México tratou, da mesma forma, de assinar o tratado de livre comércio com Canadá e Estados Unidos, deu liberdade ao mercado financeiro, desregulamentou a torto e a direito, privatizou mais de 1.000 empresas, reformou o ensino contrariamente ao que advogavam alunos e professor. Bem, brasileiros, sabemos bem como é essa agenda.

O que mexicanos sabem melhor do que nós, são os resultados desastrosos. Ao contrário do prometido crescimento, estão submersos em corrupção, em violência pelo tráfico, em desigualdade e pobreza. Estima-se em cem mil as vidas tolhidas pela violência do tráfico e da guerra estúpida contra ele, sem qualquer resultado que indique acerto no caminho trilhado.

Quando venderam para os mexicanos o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN ou NAFTA, na sigla em inglês), usavam como argumento principal que o acordo propiciaria a convergência econômica entre os três países, o que desmotivaria a emigração de mexicanos para os EUA. Em outras palavras, venderam que México, Canadá e Estados Unidos se tornariam países com nível semelhante de desenvolvimento. Se a qualidade de vida do trabalhador mexicano fosse minimamente comparada à dos vizinhos ninguém em sã consciência arriscaria a vida em fazer a travessia.

Discutia-se, à época da assinatura do tratado, se deveriam incluir a livre circulação de trabalhadores entre os três países. Do mesmo modo que a corrente de comércio e os fluxos de investimentos, movimentação de trabalhadores estaria liberada. Obviamente o fluxo de trabalhadores ficou de fora. O problema da emigração é hoje aquele de mais difícil solução na relação dos dois países. O neoliberalismo não entregou o que prometeu aqui também. O Acordo entrou em vigor em 1994, 24 anos atrás, e não há o menor sinal de convergência do padrão de vida de trabalhadores canadenses, mexicanos e estado-unidenses.

O esperado crescimento e desenvolvimento resumiu-se a um cinturão de “maquiadoras” na fronteira norte do país. As maquiadoras são linhas de montagem que trazem os insumos do exterior e mandam o produto de sua “maquiagem” ao exterior. Linhas inteiras de cadeias produtivas foram destruídas ou se tornaram maquiadoras, Elas proporcionaram empregos razoáveis para o padrão mexicano, sem, no entanto, gerar qualquer benefício para a economia do país. O fosso entre os salários no sul e do norte somente se alargou.

Anderson marca em seu artigo que:

Em um de seus discursos de López Obrador, ele comparou a administração atual aos déspotas e colonos que controlavam o país antes da revolução. Ele atacou a “desonestidade colossal” que ele disse ter caracterizado as políticas “neoliberais” dos últimos governos do México. “Os líderes do país se dedicaram… a ceder o território nacional”, disse ele. Com sua presidência, o governo “deixaria de ser uma fábrica que produz os novos-ricos do México”.

López Obrador definiu precisamente como vê a sociedade mexicana atual:

Um pequeno grupo confiscou todos os poderes e mantém sequestradas as instituições para seu exclusivo benefício. O Estado foi tomado e convertido em um mero comitê a serviço de uma minoria. E como dizia León Tolstoi: um Estado que não procura a justiça não é mais do que um nado de malfeitores.

Nesse 1 de julho de 2018, os mexicanos, para nossa inveja, podem pôr um fim, ou ao menos um intervalo, a um conjunto de políticas que prometeu o céu e os levou ao inferno. Na torcida.

Notas

1 O texto aqui incluído é um trabalho acadêmico, feito no meu mestrado, de análise dos discursos econômicos na eleição mexicana de 2006, começa com uma pequena história econômica do México, passa pelo Tratado de Livre Comércio e chega às propostas dos candidatos à presidência, entre eles López Obrador: O debate econômico na eleição presidencial mexicana de 2006

2 O link para o artigo da New Yorker é https://www.newyorker.com/magazine/2018/06/25/a-new-revolution-in-mexico

3 O link para o site com as propostas de López Obrador é https://lopezobrador.org.mx

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