Fotos de Helio Carlos Mello, para os Jornalistas Livres
Como uma aorta, artéria de grande fluxo, a ladeira entre o Estádio do Morumbi e os portões do Palácio dos Bandeirantes, se fez em fluidez, um batalhão com centenas de jalecos brancos, médicos substituindo a legião de torcedores na rua, saídos dos hospitais, ambulatórios e faculdades. O doente aqui é outro, é o Estado que renega proventos.
Nesta quinta-feira passada (24), uma manifestação chamou a atenção por sua singularidade e grande número de participantes. Em um protesto contra o calote do reajuste de suas bolsas de estudo, médicos residentes do Estado de São Paulo foram para a porta do Palácio dos Bandeirantes, sede do governador e também médico Geraldo Alckmin, muitos com nariz de palhaço e punho cerrado.
Num raro momento de conciliação política, o mesmo carro de som e a mesma rua bloqueada foram divididos por médicos que se sentem representados pela turma do “Vem Pra Rua”, que bateu panelas a favor do impeachment da presidente Dilma e defende a PEC 55, e militafntes aguerridos que defendem, sim, a permanência do SUS, o investimento contínuo e progressivo na pasta da Saúde e a ampliação das políticas sociais inclusivas.
No meio disso tudo, claro, havia também os que não se posicionavam. E, independentemente de qualquer ideologia, é fato que os jalecos brancos ali na rua têm uma luta legítima. E pouquíssima compaixão da sociedade. A mera cobertura da manifestação pelos Jornalistas Livres despertou centenas de comentários ofensivos de leitores do facebook abaixo das imagens publicadas.
Residentes são médicos que, depois de formados em clínica geral, prestam concursos públicos para bolsas de estudo em hospitais-escola para que possam se especializar em alguma área médica sob a orientação de preceptores. Numa comparação simples, residentes são estudantes de pós-graduação que, como também ocorre nas áreas de humanas ou exatas, concorrem a uma bolsa de estudos, por concurso público, para estudo remunerado.
Como os outros bolsistas, deveriam dedicar-se exclusivamente ao programa de residência que, por sinal, tem esse nome porque parte da bolsa inclui moradia no hospital-escola ou auxílio-moradia aos estudantes que vêm de outras cidades.
A carga horária de trabalho é de 60 horas semanais. Podem estender por 72 com plantão de 12 horas noturno. Ganham cerca de R$ 2900 mensais num regime que não inclui 13o salário e 11% de desconto de INSS.
Sabe-se que residentes fazem plantões extra em hospitais particulares. Também é sabido que muitos assumem a responsabilidade de casos onde o quadro de especialistas não dá conta da demanda. Pesquisas apontam, ainda, que é entre residentes que existe maior número de quadros de depressão, dependência química pelo abuso de medicamentos, entre elas anestésicos, e álcool.
O médicos residentes cobram de Alckmin o aumento de 11,9% que já foi concedido há oito meses, resultado de outra greve de 2015. Todos os Estados do Brasil já tiveram o reajuste incorporado ao pagamento, menos São Paulo.
Ali, na porta do palácio do governador, gregos e troianos reivindicavam direitos como trabalhadores que são. O que espanta é ver que nesse mesmo grupo há os que defendem o fim do SUS, a aprovação da PEC 55 que congela os investimentos em Saúde, a terceirização em massa dos profissionais regidos pela CLT em Organizações Sociais que sucateiam a cada dia a profissão que escolheram.
Há algo de muito simbólico numa manifestação de médicos, portanto. Só Alckmin para unir tamanha contradição. Ou, talvez, numa oportuna lembrança, a quase unificação das entidades de classe da categoria contra o programa Mais Médicos quando foi implantado.
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