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RACISMO NO TRABALHO… POR QUE É TÃO DIFÍCIL PROVAR?

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Por Denise Ribeiro, especial para os Jornalistas Livres

Thádia Justino de Oliveira Marques, 30 anos, acordou feliz na segunda-feira, 19 de agosto, pronta pra exercitar seu talento como gerontóloga num novo trabalho. Salário um pouco melhor, carga horário um pouco menor do que no emprego anterior, era o que lhe havia sido prometido. Na Home Angels, maior franquia de cuidadores da América Latina, ela atuaria na unidade do Jabaquara, supervisionando o trabalho dos cuidadores e interagindo com 20 famílias-clientes. O entusiasmo durou pouco. Cinco dias depois ela havia sido demitida pelo gestor da unidade, Sergio Koh. O motivo? Ele achou por bem acobertar um caso escancarado de racismo, que Thádia, uma profissional negra, preferia enfrentar.

Prontuário de idosos “preconceituosos com pessoas negras”

No caso dela, enfrentar seria deixar de visitar clientes que pediam para Sergio não enviar cuidadores negros para suas casas. Ao ler a restrição, anotada no prontuário de um idoso, Thádia sentiu o estômago revirar. O pedido, apesar de absurdo –e criminoso– foi atendido pela Home Angels com a maior naturalidade. Como se fosse a coisa mais normal do mundo escolher um prestador de serviços pela cor e etnia.

“Como pode uma empresa aceitar esse tipo de condição? Não sabem que racismo é crime inafiançável, punido com 2 a 5 anos de prisão?”, pergunta estarrecida.

No início, ela pensou que aquele fosse um caso isolado. Mas depois leu a mesma observação num outro prontuário e, ao comentar sua estranheza com a gerontóloga Juliana, a quem substituiria, ficou sabendo que eram três as famílias com esse tipo de ‘restrição’. “Conversei com o Sergio, expliquei que meu objetivo não era atrapalhar o negócio dele, mas disse que não me sentiria à vontade para visitar aquelas três famílias. Eu faria meu trabalho com prazer nas outras 17 residências, mas, naturalmente, me sentiria constrangida naquelas três casas”, conta.

Mensagem enviada por Thádia a Sergio Koh: "Não será bom para mim."

Mensagem enviada por Thádia a Sergio Koh: “Não será bom para mim.”

Sergio tentou amenizar o problema, dizendo que os moradores iriam respeitá-la, por sua condição de “supervisora e gerontóloga” – ou seja, mais uma discriminação, agora em função do cargo e da profissão. Ela contra-argumentou, reiterando que preferia não ter de passar por nenhum tipo de constrangimento:

“Já sofri com tantas situações de racismo, por que vou correr o risco de ser humilhada, indo a um local onde não somos aceitos?”

O gestor insistia para que ela fizesse as visitas: “Assim você me quebra as pernas”, teria dito Sergio a Thádia, que repetiu a expressão de desagrado do gestor no depoimento prestado a Eduardo Valério, promotor de Justiça e Direitos Humanos, do Ministério Público do Estado de São Paulo.

O imbróglio estava formado. O patrão dizia que a acompanharia naquelas três visitas e que ela não teria com o que se preocupar, porque teria pouco contato com as famílias. Thádia não se sentiu confortável com a proposta. Sugeriu que a gerontóloga responsável pela área administrativa se incumbisse daquela tarefa, sob a supervisão remota dela. Em todo o processo, Thádia deixou Sergio ciente de que, ao acatar a “restrição” imposta pelos clientes, ele havia sido conivente com a discriminação.

Descartar o problema, a solução mais fácil

Inconformado com a situação criada por ele mesmo, Sergio pediu um tempo pra pensar e, na sexta-feira, 23 de agosto, mandou para ela a seguinte mensagem de whattsApp demitindo-a:

“Boa noite Thádia. Pensei ontem e hoje e teremos de abortar nossa negociação infelizmente. Muito obrigado. Por favor, me encaminhe os seus dados bancários para eu depositar esses dias em que me ajudou”.

 

 

 

Mensagem enviada por Sergio Koh para Thádia, dispensando-a: "Teremos de abortar nossa negociação"

Mensagem enviada por Sergio Koh para Thádia, dispensando-a: “Teremos de abortar nossa negociação”

 

Trata-se de uma clara mensagem de dispensa, embora Sergio sustente, por intermédio da advogada Ivone José, que foi Thádia quem pediu demissão. “Saí muito desamparada, muito machucada. Disse a ele que, se eu não houvesse passado pela empresa, eles nem iriam perceber o quanto é grave uma família impor esse tipo de condição. Ele pediu desculpas. Em seguida passamos a negociar os valores que eu tinha a receber”, recorda.

Começou, então, o que o promotor Eduardo Valério chama de “leilão de direitos”. Sergio queria pagar apenas os cinco dias em que Thádia “o ajudou” na empresa. Thádia, no entanto, soube pelo grupo do facebook, Garotas no Poder, onde postou sua história, que o correto seria receber ao menos 15 dias, porque, além de não fazer o contrato provisório de trabalho, conforme a legislação trabalhista exige, ele rescindiu o acordo.

Ao perceber que Thádia estava a par dos seus direitos, Sergio teria perguntado a ela: “Não dá pra melhorar esse valor pra mim?”. Ela argumentou que não, porque estava sem perspectiva de arrumar outro emprego a curto prazo e havia sido bastante prejudicada com a demissão. “Eu disse que, além da perda financeira, sentia que a cor da minha pele havia influenciado na decisão dele de me dispensar”, conta. Sergio insistia em negociar, para menos, o valor devido mas, diante da firmeza de Thádia em não ceder, acabou lhe pagando os 1.100 reais equivalentes a 15 dias de trabalho.

A versão do outro lado

Procurado pela reportagem, Sergio Koh, a princípio, se recusou a falar. Uma semana depois, pediu para a advogada Ivone José divulgar sua versão da história. Segundo ele, a restrição que incomodou Thádia é um caso isolado “de um idoso senil, que sofre de Alzheimer” e que foi aceita pela empresa “para proteger seus cuidadores de eventuais constrangimentos”. Afirmou, ainda, que foi Thádia quem “manifestou o desejo de sair da empresa”, porque se sentiu desconfortável com a situação.

Já a Home Angels enviou uma nota protocolar, via assessoria de imprensa, lamentando o ocorrido. A franqueadora afirma condenar “qualquer prática de preconceito e discriminação seja por raça, cor e/ou religião na rede”, diz que defende o “respeito às pessoas” e trabalha para que todos os franqueados “atuem da melhor forma possível em suas unidades”. A empresa também pede “sinceras desculpas para a colaboradora que se sentiu ofendida” e reitera que “não apoia ou incentiva esse tipo de prática”.

No entanto, ao visitar a página no facebook do sócio-diretor da Home Angels, Marco Imperador, fica claro que ele, assim como a maioria dos eleitores do Bolsonaro, acha que o racismo perdura por culpa da esquerda. Num vídeo postado por ele, um homem negro elegante e bem articulado afirma que “a esquerda não quer resolver o racismo”. Só falta dizer que a situação de pobreza e martírio a que a população negra vem sendo submetida desde os tempos da escravidão é um delírio da esquerda.

 

Culpa da esquerda?

 

Desigualdade ignorada pelos brancos

Apenas para ilustrar a precariedade em que vivem os negros brasileiros, relatório da Oxfam revelou alguns dos aspectos da desigualdade salarial que os afeta. A Oxfam Brasil faz parte de uma confederação global de 19 organizações que atuam em 93 países. Seu objetivo é combater a pobreza, as desigualdades e as injustiças em todo o mundo.

Usando como base a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a Oxfam demonstrou que, em média, os negros ganhavam, em 2016, 57% dos salários dos brancos (R$ 1.458 contra R$ 2.567). A desigualdade aumentou em 2017 (essa proporção caiu para 53%), quando o salário médio de um negro (R$ 1.545) era praticamente a metade do de um homem branco, que recebia R$ 2.924.

Entre os mais ricos, a diferença é maior que o dobro: R$ 13.754 de salário dos brancos contra R$ 6.186 dos negros. Até entre os mais pobres, os negros ficam em desvantagem: o salário de um branco é, na média, 46% maior do que o rendimento de um negro pobre: R$ 965 contra R$ 658.

O que diz a legislação

Ao tomar conhecimento da história de Thádia, a OAB-SP se manifestou em nota assinada pela advogada Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, presidente da Comissão de Igualdade Racial da entidade. A OAB entende que, “caso os fatos imputados sejam comprovados” todos os envolvidos praticaram discriminação racial, nos termos do Estatuto da Igualdade Racial.

Na visão da entidade, o tipo de conduta adotada pela Home Angels “atinge todos os funcionários da empresa que se autodeclaram negros, pois eles estão sendo discriminadas em razão de sua cor”. Caso sejam comprovados os fatos narrados, o empregador deverá responder por crime de racismo, conforme previsto no art. 4º, §1º, III da Lei 7716/89 – mais conhecida como Lei Caó, em homenagem ao autor da proposta, o ex-vereador, jornalista e advogado Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos.

Não enviar cuidadores negros para as casas dos clientes, por motivo de discriminação de raça ou cor caracteriza “tratamento diferenciado no ambiente de trabalho” e incita o preconceito étnico-racial, que por sua vez é vedado pelo art. 20 da Lei Caó. Importante notar, se comprovados os fatos, que a empresa está sujeita aos termos da Lei nº 14187/2010, que proíbe atos de coação direta ou indireta sobre o empregado em razão de discriminação étnico-racial em seu art. 2º, VI. E, pela CLT, a empresa é expressamente proibida de conduzir as relações de trabalho desta forma, nos termos do art. 373. A Home Angels poderá ter de responder por todos estes crimes. Já o gestor Sergio Koh, que reforçou tudo isso contra Thádia e ainda a dispensou em razão da situação, se condenado, pode vir a ser preso.

No entanto, parece muito distante a probabilidade de qualquer um dos envolvidos ser punido, em razão da dificuldade de se comprovar a prática de racismo no Brasil. Em 2017, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) reuniu no livro Acusações de racismo na capital da República estatísticas dos crimes raciais no DF. Entre 2010 e 2016, o número de denúncias subiu 1.190%, chegando a 129. Destas, apenas sete foram de racismo. As outras 122 eram de injúria racial.

No entender da OAB, o Brasil protege ativamente o sistema que torna essa estrutura discriminatória possível. “É difícil mudar um sistema fundado e desenvolvido na necropolítica, ou seja, a gestão da morte como modelo de governança”, afirma a nota. Em 2006, o Brasil, inclusive, foi condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a indenizar uma mulher vítima de racismo. Dentre outras medidas de reparação, o país teria de realizar as modificações legislativas e administrativas necessárias para o combate ao racismo e se comprometer a educar funcionários de justiça e da polícia para evitar discriminação nas investigações.

Segundo a OAB, houve muito pouco avanço no que diz respeito a essas recomendações, a vítima naquele caso não foi indenizada e a falta de esclarecimento entre os agentes da justiça e da segurança pública é gritante. “A violência policial só aumenta contra pessoas negras, advogadas negras são algemadas no exercício de suas funções. Chegamos ao cúmulo de ter uma juíza registrando o racismo em sentença, afirmando que o réu branco não podia ser facilmente confundido porque não tinha o estereótipo de bandido”, exemplifica a nota.

O Ministério Público acompanha de perto o caso de Thádia, até porque a denúncia independe da vontade da vítima de prestar queixa. É o que se chama no jargão jurídico de “ação penal pública incondicionada”, por afetar não apenas um indivíduo, mas toda a coletividade. Nos crimes de injúria racial, em que o agressor utiliza aspectos raciais para ofender a vítima, a intervenção do Ministério Público depende da manifestação expressa da vítima.

Um caminhão de provas

Para que um caso de racismo no trabalho se transforme em ação, é necessário que a vítima colete o maior número de evidências possível: emails corporativos contendo ofensas, prints de telas, mensagens de whatsApp, gravações, fotos de documentos em que apareçam anotações discriminatórias. No caso de Thádia, as provas apresentadas parecem não ser suficientes para abrir um processo contra a Home Angels.

O promotor Eduardo Valério, que está há 10 anos à frente da Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo, admite que as provas apresentadas por Thádia são frágeis. “O documento mais contundente que ela tem é a cópia do prontuário em que consta o pedido de restrição aos cuidadores negros. No entanto, não posso usar essa prova para não prejudicá-la profissionalmente. Prontuários de pacientes são sigilosos”, explica.

Antes de ir prestar depoimento no Ministério Público, Thádia tentou fazer um boletim de ocorrência na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI), no centro de São Paulo. Ali também foi informada de que as provas coletadas eram insuficientes.

O Ministério Público está analisando os fatos e espera que Thádia consiga convencer ao menos uma gerontóloga ex-funcionária da Home Angels a depor em seu favor. “Seria um avanço significativo ter o depoimento de mais uma pessoa reiterando a versão dos fatos narrados por ela”, argumenta Eduardo Valério.

Enquanto isso não acontece, Thádia aguarda uma luz no seu caminho. Um novo emprego já seria de bom tamanho para tirá-la do desânimo e da desesperança.

 

 

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3 Comments

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  1. José Adalmir Rosa Silva

    15/09/19 at 17:05

    #LULALIVRE!
    Para essas pessoas que dizem que Lula roubou demais!
    Eu digo o seguinte: vocês só parece que não tem um pingo de miolo na cabeça. Só acreditam em tudo, o que esses corruptos parciais e partidários de toga dizem. (Pensam só um pouco). Se Lula tivesse roubado mesmo, assim como dizem, então: como é que poderia o Lula ter sido o melhor presidente em nosso país?… Essa história, gente, é inventada pelo Moro e Dallagnol. O maior desejo Deles em conluio, era: forjar e fabricar as provas de crime com os delatores, para ganhar delações premiadas. Aí o ‘Vasa Jato”, se encarrega de vazar para toda Imprensa, e emissora de TV, para manipular todo povo brasileiro. Aí o povo fica dizendo: (Eita PT dos ladrões). Quando naverdade, os maiores ladrões estão em outros partidos, que: para constatar seus crimes? Nem precisa delação premiada. Só que os corruptos da justiça de toga, protegem todos. Cadê que essa corja mexe com o Queiroz, e o laranjal do governo? Nunca!… Esses São protegidos! Que coisa! Hein?…
    É por isso amigos, é que, The Intercept BRASIL, hoje, está descobrindo toda maracutaia dessa corja de malignos, que se diz da justiça de toga. Eles pensavam que eram os maiores poderosos do mundo, que nunca ninguém iria descobrir nada DELES. Quebraram a cara!
    Mesmo preso, com a sua consciência de honestidade! Lula é inocente, e dorme tranqüilo. Quanto os crapulas heróis poderosos malignos de toga? Só dorme com remédio em efeito calmante para dormir!…
    DEUS É PODEROSO!
    #LULALIVRE!

  2. Josiane Figueira de Oliveira

    15/09/19 at 18:49

    Enquanto isso, uma modelo negra segue presa acusada de roubo de carro, apenas por ter sido reconhecida pelo cabelo cacheado. Quem a acusa, alega que o cabelo da modelo è identico ao da pessoa que praticou o crime. Detalhe: a modelo tem provas concretas (fotos e testemunhas) que não estava no local que a vítima afirma que sofreu o assalto. Difícil aceitar os rombos (não são brechas) no não-cumprimento da lei

  3. Ana Cristina de Souza

    15/09/19 at 21:21

    Toda forma de racimo deve ser combatida. Não existe essa de ”casos isolados de apenas três famílias”.
    E a abominação seguida da publicação do sócio voltando a sua responsabilidade para a política partidária em vez de fazer o que é ético.
    Lugares desse tipo não serve pra mim. Menos ainda para os meus familiares.
    Parabéns pela entrevista, Denise Ribeiro.

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Campinas

Famílias da Comunidade Mandela fazem ato em frente à Prefeitura de Campinas

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Comunidade Mandela Luta por Moradia

Em busca de uma solução, mais uma vez, moradores tentam ser atendidos

Os Moradores da Comunidade Mandela  fizeram nesta quinta-feira (17), um ato de protesto em frente à Prefeitura  de Campinas. O motivo da manifestação  é o   impasse  para o  problema da moradia das famílias que se arrasta desde 2016. E mais uma vez,  as famílias sem-teto  estão ameaçadas pela reintegração de posse, de acordo com despacho  do juiz  Cássio Modenesi Barbosa, responsável pelo processo a  sua decisão  só será tomada após a manifestação do proprietário.
Entretanto, o juiz  não considerou as petições as Ministério Público, da Defensoria Pública que solicitam o adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19, e das especificidades do caso concreto.
O prazo  final   para a  saída das famílias de forma espontânea  foi encerrado no dia 31 de agosto, no dia  10 de setembro, dez dias depois de esgotado o a data  limite.

As 104 famílias da Comunidade ” Nelson Mandela II” ocupam uma área de de 5 mil metros quadrados do terreno – que possui 300 mil no total – e fica  localizado na região do Ouro Verde, em Campinas . A Comunidade  Mandela se estabeleceu  nessa área em abril de 2017,  após sofrer  uma violenta reintegração de posse no bairro Capivari.

Negociação entre o proprietário do terreno e a municipalidade

A área de 300 mil metros quadrados é de propriedade de Celso Aparecido Fidélis. A propriedade não cumpre função social e  possui diversas irregularidades com a municipalidade.

 As famílias da Comunidade Mandela já demonstraram interesse em negociar a área, com o proprietário para adquirir em forma de cooperativa popular ou programa habitacional. Fidélis ora manifesta desejo de negociação, ora rejeita qualquer acordo de negócio.

Mas o proprietário  e a municipalidade  – por intermédio da COAB (Cia de Habitação Popular de Campinas) – estão negociando diretamente, sem a participação das famílias da Comunidade Mandela que ficam na incerteza do destino.

As famílias querem ser ouvidas

Durante o ato, uma comissão de moradores  da Ocupação conseguiu ser liberada  pelo contingente de Guardas Municipais que fazia  pressão sobre os manifestantes , em sua grande maioria formada pelas mulheres  da Comunidade com seus filhos e filhas. Uma das características da ocupação é a liderança da Comunidade ser ocupada por mulheres,  são as mães que  lideram a luta por moradia.

A reunião com o presidente da COAB de Campinas  e  Secretário de  Habitação  – Vinícius Riverete foi marcada para o dia 28 de setembro.

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Campinas

Em meio à Pandemia a Comunidade Mandela amanhece com ameaça de despejo

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O dia de hoje (31/08) será decisivo para as 108 famílias que vivem na área ocupada na região do Jardim Ouro Verde em Campinas, interior de São Paulo.  Assim sendo, o último dia do mês de agosto, a data determinada como prazo final para que os moradores sem-teto deixem a área ocupada, no Jardim Nossa Senhora da Conceição.   A comunidade está muito apreensiva e tensa aguardando a decisão do juiz  Cássio Modenesi Barbosa – da 3ª Vara do Foro da Vila Mimosa que afirmou só se manifestar sobre a suspensão ou não do despejo na data final, tal afirmativa só contribuiu ainda mais para agravar o estado psicológico e a agonia das famílias.

A reintegração é uma evidente agressão aos direitos humanos  dos moradores e moradoras  da ocupação, segundo parecer socioeconômico  do Núcleo  Habitação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo . As famílias não têm para onde ir e cerca de entre as/os moradoras/es estão 89 crianças menores de 10 anos, oito adolescentes menores de 17 anos, dois bebês prematuros, sete grávidas e 10 idosos. 62 pessoas da ocupação pertencem ao grupo de risco para agravamento da Covid-19, pessoas idosas e com doenças cardiológicas e respiratórias, entre outras podem ficar sem o barraco que hoje as abriga.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara de Campinas e o Ministério Público (MP-SP) se manifestaram em defesa do adiamento da reintegração durante a pandemia. A Governo Municipal  também  se posicionou favoravelmente  a permanência após as famílias promoverem três atos de protesto. Novamente  a  Comunidade  sofre com a ameaça do despejo. As famílias ocupam essa área desde 2017 após sofrem uma reintegração violenta em outra região da cidade.

As famílias

Célia dos Santos, uma das lideranças  na comunidade relata:

“ Tentamos várias vezes propor  a compra do terreno, a inclusão das famílias em um programa habitacional, no processo existem várias formas de acordo.  Inclusive tem uma promessa que seriam construídas unidades habitacionais no antigo terreno que ocupamos e as famílias do Mandela  seriam contempladas. Tudo só ficou na promessa. Prometem e deixam o tempo passar para não resolver. Eles não querem. Nós queremos, temos pressa.  Eles moram no conforto. Eles não têm pressa”

Simone é mulher negra, mãe de cinco filhos. Muito preocupada desabafa o seu desespero

“ Não consigo dormir direito mais. Eu e meu filho mais velho ficamos quase sem dormir a noite toda de tanta ansiedade. Estou muito tensa. Nós não temos para onde ir, se sair daqui é para a rua. Eu nem arrumei  as  coisas porque não temos nem  como levar . O meu bebê tem problemas respiratórios e usa bombinha, as vezes as roupinhas dele ficam sujas de sangue e tenho sempre que lavar. Como vou fazer?”

Dona Luisa é avó, mulher negra, trabalhadora doméstica informal e possui vários problemas de saúde que a coloca no grupo de risco de contágio da covid-19. Ela está muito apreensiva com tudo. Os últimos dias têm sido de esgotamento emocional e a sua saúde está abalada. Dona Luisa está entre as moradores perderam tudo o que possuíam durante a reintegração de posse em 2017. A única coisa que restou, na ocasião, foi a roupa que ela vestia.

“ Com essa doença que está por aí  fica difícil  alguém querer dar abrigo  para a gente. Eu entendo as pessoas. Em 2017 muitos nos ajudaram e eu agradeço a Deus. Hoje será difícil. E eu entendo. Eu vou dormir na rua, junto com meus filhos e netos.
Sou grupo de risco, posso me contaminar e morrer.
E as minhas crianças? O quê será das crianças? Meu Deus! Nossa comunidade tem muitas crianças. Esses dias minha netinha me perguntou onde iríamos morar? Eu me segurei para não chorar na frente dela. Se a gente tivesse para onde ir não estaria aqui. Não é possível que essas pessoas não se sensibilizem com a gente.
Não é possível que haja tanta crueldade nesse mundo.”

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Desigualdade

Nove, o botão da morte!

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Elisa Lucinda

Na palavra elevador, agora, só vejo o pequeno Miguel, penso no menino Miguel, o anjo preto, só rezo Miguel, combato com Miguel! Afinal de contas por que ela apertou o botão nove se o garoto ia para o térreo? Quem é aquela que a câmera mostra? O que a cena revela? Mostra o menino quase fugindo daquela pessoa, era uma escapada dela, me pareceu. Sari pensa um segundo e aperta o 9. Este ato, para mim, faz o crime migrar para doloso.

À medida que, no pensamento dela, pessoas negras valem menos. Está convicta de que aquela pessoa “de cor” é uma sub pessoa. Entre Miguel e um menino branquinho, este último vale mais, é de uma raça melhor, ou melhor, é da melhor raça. Tal qual o cachorro da madame. A cena da doméstica indo caminhar com o cachorro da patroa deixando seu filho com a madame me remete ao menino que era tirado do peito da escrava. O filho preto está sendo amamentado, mas é tirado do peito porque o filho da sinhá está chorando de fome e precisa da SUA ama de leite. Ela tem que tirar o filho dela do seio para dar comida ao filho da sinhá. Ela tem que deixar o filho dela chorando para levar o cachorro da patroa. Não estou comparando o filho da patroa com o cachorro, mas estou comparando importâncias.

É chocante que haja quem ainda não entenda que o fundamento desse gesto é o racismo. Ela não faria isso, provavelmente, com filho de uma amiga. Outra pergunta que paira no ar: por que menino foi pelo elevador de serviço? Criança vai por qual elevador? O que é o elevador de serviço, qual é a sua função? É pra que categoria? Muito estranho que tenhamos que provar sempre o doloso dessa violência institucionalizada contra nós. Ela têm intenção de nos matar. Nossas vidas não importam. O racismo estrutural organiza um funcionamento necropolítico que tenta há séculos o extermínio do povo negro, e vem sendo doloso há muito tempo porque quem nos mata tem privilégios com as oportunidades que nos negam e com a nossa morte.

Bem, no caso de George Floyd a flagrante prova de que foi homicídio com dolo, com vontade, com querer, está na imagem: ninguém vai ficar nove minutos em cima de um homem indefeso com o joelho sobre o pescoço dele, se não quiser matá-lo, principalmente sendo essa pessoa um policial que sabe bem como matar, onde matar e até que ponto seguir ou parar. Mesmo filmado o frio assassinato com o policial Derek Chauvin de mão no bolso, executando gelidamente a vítima, ainda assim, não se estampa uma imagem aos olhos do mundo de que estamos diante de um branco sanguinário matador e matador de um homem desarmado. Acontece que a supremacia branca tratou de livrar a sua barra de tal jeito, que mesmo a gente tendo sabido há anos de grandes transações corruptas articuladas e realizadas por altos homens brancos, quando se senta à mesa diante de qualquer homem branco, se tem respeito, não se tem medo de ser passado pra trás. O “filme“ do branco continua limpo. Impressionante.

Ano passado fui trocar a tela do meu celular, um funcionário me deu um preço de manhã, o outro me deu outro preço quando fui autorizar de tarde. Eu vi. Ele não sabia que eu já sabia do preço certo e mentiu. Mas era cem a menos mais cedo, protestei. Ele quase sorriu, sem-graça. Flagrante. Na minha cara. O branquinho querendo me passar a perna e mesmo assim ninguém fala: Mas ô branco bandido! Ladrão. Fica difícil manchar seu nome, queimar seu filme, sujar sua barra. Então, a primeira dama de Tamandaré, Sari Gaspar não conseguiu acolher uma criança por dez minutos enquanto a mãe cumpria suas ordens? Percebe como esta cena revive o trágico e cotidiano dia a dia das senzalas onde mães choraram dores que não estão nos livros. Aquela cena sagrada da amamentação foi muitas vezes cortada na base da chicotada, na alma do coração materno e na do bebê. Essa conta não foi para a estatística. Não conta. Para a sinhá pouco importava que a cena fosse interrompida, porque uma vidinha negra não importava. E isso não mudou. Assim pensavam os antepassados de Sari Gaspar e assim pensa ela. Quando a empregada doméstica sai com o seu cachorro e deixa o próprio filho, é também uma troca de partir o coração. Quando alguém nos confia um filho, temos ouro nas mãos e a responsabilidade dobra, porque quando a mãe vier , temos que dar conta da criança, seu tesouro. Isso não está em nenhuma cartilha, mas por empatia, podemos todos entender facilmente o dogma. No entanto, o que vemos no vídeo, é a acusada, a branca vilã do filme, meio que correndo atrás do menino, sem cara de bons amigos e, pior que tudo, disposta a mudar ali um destino. Essa leitura me ocorreu quando vi o tempo em que ela para, pensa, e decide apertar o botão do nono andar.

As matérias até agora dão conta de que: a empregada estava trabalhando na quarentena, em meio à indicação de isolamento social, juntamente com uma manicure que se encontrava também indevidamente no apartamento, que a doméstica e sua mãe eram contratadas pela prefeitura e, para completar, ainda há um rumor de que a sinhá estaria inscrita na lista dos que podem receber auxílio emergencial. A mulher do prefeito!!!A que paga a fiança. A pior parte da lista de crimes, foi vê-la acompanhar o menino até o elevador de serviço e apertar o botão da morte. A mãe estava no térreo, o elevador social não dava na área perigosa em que o menino foi metido. Em inúmeras famílias brasileiras ainda se pode ver os filhos dos empregados da casa agindo como empregados, escravinhos das crianças da casa, dos filhos dos patrões. Aquela vida negra valia pra a madame tanto quanto não valia o menino que a mãe parava de amamentar na senzala para alimentar a boquinha da casa grande. Quem ela exclui como um saco de lixo no elevador de serviço é o mesmo que não está nos comerciais de tv como um bebê lindo, saudável. É o mesmo invisível que ela “não vê “ num calçadão de Recife ou de Ipanema. Crianças pretas abandonadas nas ruas, pra essa gente, estão ali porque mereceram. “São incapazes, está na índole.“ A nossa elite escrota, obscurantista, vingadora, hipócrita, corrupta, racista nem sempre esconde sua pior face e a exibe por exemplo, através do explicitado naquele vídeo que viralizou mostrando um morador de Alphaville, alterado, mal educado, grosseiro, descontrolado, esfregando na cara do oficial que ele ganha trezentos mil por mês contra mil daquele operário. Excelente ilustração. A esposa pediu socorro pois ele estava agressivo e ameaçador. A polícia veio, e a elite a escorraçou humilhantemente de sua porta. Não ouvi ninguém da branquitude dizer, mas que branco escroto! Mesmo merecendo, mesmo parecendo ser o caso. Da mesma maneira que os policiais que estavam em volta do crime do George Floyd são seus cúmplices, também são cúmplices da Sari Gaspar todos que pensam como ela e que são negligentes cruéis com os filhos da “criadagem.”

André Rebouças, grande engenheiro e pensador do Brasil livre, propôs, através de seu “Republica Nacional”, uma distribuição de terra, uma reforma agrária exatamente como programa de pós abolição. A idéia era dar pequenas propriedades para os pretos alforriados, com o fim da escravatura. Afinal, é como ele dizia: “quem possui a terra, possui o homem.” Os antepassados de Sari Gaspar, sejam eles italianos, alemães, espanhóis, holandeses, receberam terra para trabalhar quando aqui chegaram, ao contrário dos negros do pós abolição que tinham sido sim, propriedades dos senhores e nunca teriam direito fácil a alguma território legítimo. Deu no que deu. A casa grande que sempre desprezou as leis, exibe sua ignorância homicida e paga vinte mil por tirar a vida de uma criança. Que vergonhoso e assustador negócio. Coisa que esfrega na cara da sociedade essa lança, essa indecência, coisa que se fosse ao revés, essa doméstica estaria em péssimos lençóis e sem direito à fiança até. Espero que os advogados da família do Miguel atentem para o gesto em que ela apertou o 9, com uma criança de cinco anos dentro do elevador que provavelmente não tinha costume de andar naquilo. Acredito que ela tenha dispensado a ele menos atenção e valor do que se conferiria a um filho branco de uma amiga, principalmente de sobrenome importante lá pras bandas de Pernambuco. Seu crime pra mim é doloso, sua negligência não considerou aquela vida. Ela pôs o menino em risco e perigo. Abusou do incapaz. E provocou sua morte. Já vimos aquela cena, e ela deve acontecer muito por aí. A madame desta vez deu azar porque esse é o assunto da hora e o tempo de agora é de gente fazendo protesto na porta de racista. Quem me lê corra atrás do prejuízo pois há um longo caminho a percorrer para os escravocratas. Ou se é antirracista ou se suja as mãos com sangue preto inocente. A morte de Miguel em Recife me mostra isso. Quando Sari Gaspar pôs o menino sozinho no elevador de serviço provou seu desprezo por ele, e total descaso ainda, pela antiga lei do ventre livre, de 1871, a partir da qual o filho de escravo não era escravo mais não. Avante, neo abolicionistas daqui e do mundo! Ou o antirracismo geral e atuante fará diferença substancial nesta democracia, ou então, esta democracia não será nada!

Elisa Lucinda, junho injusto de 2020

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