O dia 18 de junho de 2020, quando Fabrício Queiroz foi preso, deu início a novo momento na história do governo de Jair Bolsonaro. Queiroz é fio solto no esqueminha de corrupção de baixo clero que enriqueceu o clã Bolsonaro durante mais de 20 anos. É bomba relógio tiquetaqueando no colo do presidente da República.
Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia
Acuado, Bolsonaro mudou o comportamento.
Até então, agia como jogador agressivo disposto sempre a dobrar a aposta. Ameaçava a nação dia sim e outro também com golpe de Estado. Depois da prisão de Queiroz, foi amansando. Aproximou-se do “centrão”, tentando construir base parlamentar capaz de lhe garantir alguma governabilidade. Deixou-se flagrar em fotos de congraçamento com Dias Tofolli, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, sinalizando o interesse em se reconciliar com os outros poderes da República.
Ventilou-se a possibilidade de que Bolsonaro estava devidamente controlado pelas instituições, que havia sido domado pelo sistema. Em 14 de outubro, a “Revista Veja” publicou editorial com fotografia montada onde o presidente aparece construindo pontes, alegoria daquilo que seria a “drástica mudança de comportamento”. O periódico vaticinou: “O risco de uma ruptura institucional foi superado”.
A confirmação dessa mudança no comportamento do presidente, aparentemente, veio com a tão esperada indicação do nome para preencher a vaga no STF deixada pela aposentadoria de Celso de Mello. Contrariando sua promessa de que chamaria alguém “terrivelmente evangélico”, Bolsonaro indicou, em 5 de outubro, o desembargador piauiense Kássio Nunes, com histórico garantista.
Bolsonaro é bruto, homem precariamente letrado, sem verniz intelectual algum, com vocabulário pobre, mas está longe de ser burro.
É impossível passar tantos anos no Congresso Nacional sem aprender algo sobre política. O presidente sabe muito bem que, em futuro próximo, um garantista no STF pode ser bastante útil. É que depois de passar a faixa presidencial ao seu sucessor, em algum momento, Bolsonaro responderá por seus crimes, sentará no banco dos réus.
O STF é corte de apelação, é a última corte de apelação do sistema de justiça brasileiro.
A base orgânica do bolsonarismo protestou, chiou. Alguns chegaram a chamar o presidente de traidor. Bolsonaristas choraram nas redes sociais como maridos mansos traídos.
Bolsonarismo sem Bolsonaro. Bolsonaro sem Bolsonarismo. Até poucos dias atrás, o cenário era esse, era exatamente esse.
“Bolsonarismo sem Bolsonaro. Bolsonaro sem Bolsonarismo”. Esse seria, inclusive, o titulo da coluna que eu escreveria nesta semana. A coluna caducou sem sequer ter nascido.
É que nas crises, o tempo passa rápido, muito rápido.
Em 21 de outubro, ficou claro que a moderação não significava vitória derradeira das instituições, mas, sim, recuo estratégico feito em momento de fragilidade política e insegurança jurídica.
Bolsonaro não está domado. Talvez não será domado nem depois de morto.
O presidente surpreendeu o país desautorizando o ministro da Saúde, que na véspera havia assinado acordo se comprometendo a adquirir 46 milhões de doses da CoronaVac, vacina desenvolvida pela pareceria firmada entre o governo de São Paulo, por meio do instituto Butantan, e a empresa chinesa Sinovac Biotech.
Ao que tudo indica, a CoronoVac é a mais auspiciosa entre as vacinas contra covid-19 atualmente em fase de teste clínico.
Havia possibilidade de se apropriar da paternidade da vacina, frustrando a tentativa de João Dória em colher dividendos eleitorais. No acordo assinado pelo ministro, a CoronaVac não era chamada de “vacina chinesa”, tampouco de “vacina do Dória”, ou mesmo de “vacina paulista”. Era “vacina do Brasil”.
Talvez essa tenha sido mesmo a intenção original, pois é difícil imaginar que o ministro da Saúde assinaria acordo de tamanha importância sem que o presidente conhecesse o conteúdo da minuta.
Houve pressão dos EUA?
O Brasil, um dos países mais afetados pela pandemia em todo mundo, sendo imunizado pela vacina desenvolvida na China seria, sem dúvida alguma, dura derrota diplomática para os EUA.
Por enquanto não dá para saber.
Fato mesmo é que Bolsonaro recuou no recuo e se reconectou ao bolsonarismo. Ocupou as redes sociais para jogar suspeição sobre a comunidade científica e sobre a imprensa, agindo como o crítico anti-sistêmico que denuncia conspirações globalistas.
Esse é o Bolsonaro bolsonarista em sua manifestação mais genuína!
A crítica anti-sistêmica, a desconfiança, o ceticismo em relação às principais instituições nascidas na modernidade (imprensa de massa, universidade, comunidade científica e organismos internacionais como ONU e OMS) são matéria-prima do bolsonarismo, bebidas diretamente nos textos que Olavo de Carvalho vem escrevendo desde a década de 1990.
Se a segurança e a eficiência da CoronaVac forem confirmadas pela Anvisa, a Justiça obrigará o governo federal a oferecer as doses no sistema nacional de imunização. Duvido que o presidente fará grandes esforços para impedir isso. Repito: ele não é burro.
Ficará berrando no twitter, tumultuando o processo, agitando sua malta de lunáticos, destilando ceticismos e desconfianças, performando o crítico, dizendo-se defensor da liberdade contra a tirania dos governadores de Estado.
Liberdade x tirania. Bolsonaro, a seu modo, encena a narrativa política que funda a civilização ocidental.
Seja como for, a imunização nacional contra a covid-19 já está comprometida.
Vacinação é, antes de tudo, um acordo coletivo baseado na confiança. Bolsonaro enlameou o acordo. Essa é sua vocação: jogar lama nos acordos estabelecidos.
Não há acordo possível com Bolsonaro. Tolos são os que ainda tentam.
Bolsonaro jamais será um presidente de direita normal, como outros tantos que já existiram na história da democracia liberal, disposto a governar por dentro das instituições.
Fato mesmo é que a CoronaVac, vacina, que ainda nem existe, já apresentou seu primeiro efeito colateral: reaproximou Bolsonaro e bolsonarismo.
Uma resposta
BOZO TEM MEDO DE VACINA COMUNISTA OU DO JOÃO DÓRIA?
Já no início da pandemia o presidente Jair Bolsonaro foi contra o isolamento social para proteger a economia e promoveu muitas aglomerações, depois foi contra o uso da máscara sem explicação, o coronavírus se alastrou e a economia desceu pelo ralo. Agora, depois de mais de 155 mil brasileiros mortos, ele proibiu o Ministério da Saúde de comprar a vacina chinesa e não quer obrigatoriedade de vacinação. Só falta ele dizer que quer mesmo é que os pobres morram para salvar a economia. Tudo para agradar o mercado? Medo do governador João Dória porque a vacina comunista seria produzida pelo Instituto Butantan em São Paulo? Ou puro instinto genocida? E não se faz nada para interditar o insano!