O fim anunciado da educação superior e da pesquisa no país

Sinistro da educação se recusa a falar com jornalistas na entrada de evento sobre escolas militares em Cuiabá, MT. Foto: www.mediaquatro.com

As incríveis trapalhadas que comprometeram a confiabilidade de 22 anos de um dos maiores sistemas de seleção e ingresso na educação superior em todo mundo, o ENEM, e a posse de um criacionista como presidente da principal agência de fomento de pesquisas e formação de professores universitários do país, a CAPES, abafaram a divulgação de outro ataque sem precedentes aos professores e pesquisadores nacionais: a Portaria MEC 2.227, de 31 de dezembro de 2019. Promulgada discretamente no último dia do ano e assinada pelo ministro substituto, já que o titular estava, novamente, de férias, a portaria pura e simplesmente proíbe a participação de mais de dois pesquisadores de uma mesma universidade federal em eventos científicos no Brasil e de um pesquisador em evento internacional, ainda que o profissional pague os custos de viagem, alimentação, hospedagem e inscrição do próprio bolso, como ocorre na maioria das vezes.

 Ora, diferente das universidades privadas, que nem sempre desenvolvem pesquisa e na maioria das vezes preparam profissionais para  “o mercado”, as universidades públicas formam para a cidadania e se baseiam no tripé ensino-PESQUISA-extensão. Nenhuma pesquisa científica é feita isoladamente. Todas as pesquisas sérias, seja para o desenvolvimento de vacinas, produtos, sistemas ou análises políticas e sociológicas, envolvem grupos de pesquisadores (normalmente professores e alunos) que precisam necessariamente mostrar suas hipóteses, metodologias e resultados para outros pesquisadores de modo a validar as descobertas e divulgar o conhecimento. Os eventos acadêmicos, nacionais e internacionais, são exatamente o espaço para essa troca indispensável para o progresso da ciência. As universidades públicas são responsáveis por mais de 80% da pesquisa científica desenvolvida no Brasil e as federais ocupam a maioria dos lugares no ranking das 20 melhores instituições de ensino superior do país, dividindo o topo apenas com as estaduais paulistas. 

Proibir  pesquisadores e pesquisadoras de instituições federais de participarem de congressos, seminários e encontros é um tiro de canhão na pesquisa nacional. Aliás, o tiro de misericórdia num setor que vem tendo cortes cada vez mais profundos nas verbas desde o golpe que derrubou a ex-presidenta Dilma Rousseff. Nenhum país do mundo jamais admitiria que seu governo tomasse uma atitude dessas numa era em que conhecimento e informação são os ativos mais valiosos que uma nação possa ter. Sem pesquisa, sem inovação, sem desenvolvimento, a pátria voltará a ser unicamente uma exportadora de matérias-primas e recursos naturais, como era até 1808. Somente com a vinda da família real portuguesa ao Brasil, fugindo do exército francês, é que foram permitidas atividades como ensino superior, além de impressão de jornais e tecelagem. É para uma era anterior à independência, quando nossa economia era baseada em cana de açúcar e trabalho escravo, que estamos voltando sob o silêncio cúmplice da elite e da mídia hegemônica.

Semana que vem, os representantes dos professores das universidades federais que conseguirem autorização do MEC estarão em São Paulo debatendo os ataques à educação pública. As mentiras, calúnias, despreparo e arrogância imbecil do sinistro certamente serão alvo de discussões, assim como as antidemocráticas intervenções nas reitorias (empossando reitores que não foram escolhidos pela comunidade acadêmica), o malfadado projeto de privatização enganosamente chamado de Future-se, os cortes de verbas e programas, etc. Mas devido à urgência da portaria 2.227, o tema deve dominar as conversas.

É passada a hora da comunidade acadêmica e da sociedade se unirem contra esse processo de terra arrasada do qual sobreviverão apenas as seis pessoas que sozinhas possuem o equivalente ao rendimento da metade mais pobre da população. Sem pesquisa, sem universidades, nem a iludida classe média alta que gerencia aqui os interesses do grande capital transnacional sairá impune. Se não brecarmos esse processo, em breve viveremos todos em um país distópico entre um fundamentalismo medieval e os mais caros serviços de acesso, por exemplo, à internet. Os poucos que não estiverem na miséria absoluta terão de enfrentar níveis cada vez maiores de violência, empobrecimento, doenças e falta de serviços públicos e proteção social. Preservar a pesquisa e o conhecimento nacionais é tão importante quanto preservar o meio-ambiente, o que, obviamente, também só se faz com ciência e tecnologia.

Em evento sobre escolas militares, sinistro da educação mente para professoras municipais dizendo que seu salário é baixo porque os professores das universidades federais ganham muito e trabalham pouco. Foto: www.mediaquatro.com

Veja abaixo a nota da principal entidade de pesquisa em comunicação no Brasil sobre o tema:

Nota de Repúdio à Portaria MEC 2.227, de 31 de dezembro de 2019

 

A Compós, por meio de sua diretoria e Conselho Geral, vem a público manifestar repúdio à publicação da Portaria MEC n° 2.277, de 31 de dezembro de 2019.

O documento, assim como outras ações encaminhadas pelo atual governo, denota o completo desconhecimento dos processos de desenvolvimento da pesquisa e do fazer científico na medida em que restringe, conforme indicado no Art. 55 caput e parágrafo único, a participação de pesquisadores de uma mesma Unidade em eventos nacionais e internacionais.

Travestida de interesse público, declara foco no controle e redução de gastos, mas opera via burocratização a restrição e o cerceamento da participação de pesquisadores em eventos mesmo em situações onde não há ônus para o erário.

Conjugada com a Medida Provisória 914, de 24 de dezembro de 2019, que interfere nos processos de escolha de dirigentes das IFES, possibilitando o aparelhamento das instâncias superiores e ferindo o princípio da autonomia universitária, tal ação institucionaliza a censura na medida em que  determina a ampliação da participação “somente em caráter excepcional e quando houver necessidade devidamente justificada, por meio de exposição de motivos dos dirigentes das unidades, o número de participantes poderá ser ampliado mediante autorização prévia e expressa do Secretário-Executivo”.

Mais do que isso, ao declarar que “a participação de servidores em feiras, fóruns, seminários, congressos, simpósios, grupos de trabalho e outros eventos será de, no máximo, dois representantes para eventos no país e um representante para eventos no exterior, por unidade, órgão singular ou entidade vinculada” demonstra não compreender que eventos científicos são espaços onde pesquisadores apresentam resultados de seus trabalhos, favorecendo trocas com seus pares e constituição de redes de pesquisa, nacionais e internacionais, denotando desconhecimento da capacidade e importância de nossos pesquisadores e suas pesquisas.

Também repudiamos veementemente o desprezo com o debate e a transparência, denotados pela publicação de documentos de tamanha relevância sem diálogo prévio e na véspera de importantes feriados nacionais, aproveitando a desmobilização própria deste período.

Diante deste quadro, conclamamos toda a comunidade acadêmica, em especial a vinculada aos Programas de Pós-graduação em Comunicação, a atuar junto às respectivas Pró-Reitorias no sentido de constituir pressão contrária a tais ações com vistas à suspensão de tais documentos.

Informamos ainda que a Compós está atenta e alinhada às ações promovidas pela SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que busca medidas jurídicas e políticas para a suspensão e reversão dos perversos efeitos desta portaria.

Diretoria e Conselho Geral da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação – Compós

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

11 respostas

  1. cerca de 70% dos diplomado em ensino superior estão trabalhando de uber, coisa que não precisa nem de primário completo. . Além disso, no mercado internacional tem sobrando o que quiser com formação superior. Vamos investir em formação de cortador de árvores e lucrar com a amazônia

  2. Vão ter que estudar bando de vagabundos.
    Quer meter o pau no governo e escreve na legenda da foto “Sinistro da Educação”.

    Acabou a mamata bando de ratos.

  3. Words, words, words e nenhuma ação foi o caminho percorrido para chegar em tal estado de coisas.

  4. Um país que não reconhece a importância do desenvolvimento de pesquisas em prol da sociedade e do próprio crescimento econômico, é um país fadado ao esquecimento, sem riquezas, sem cultura e sem governo. O Brasil com toda a sua diversidade cultural é um país rico, tem ótimas pesquisas na área da saúde, das engenharias, das ciências humanas, e vinha sendo reconhecido exatamente pelos seus, pesquisadores poderem apresentarem seus projetos em eventos nacionais e internacionais. Acho incrível quando a cúpula do Governo Federal viaja para o exterior com sua comitiva de mais de 20 pessoas que muitas vezes não se prestam a fazer nem o protocolo de participarem das reuniões agendadas pelo governo, e esse mesmo governo quer cercear a participação de alguns pesquisadores da mesma instituição participarem de eventos científicos. Isso é mais que ditadura, isso é burrice, nem o governo de César foi tão estupido a esse ponto.

  5. Muito bom o Texto. Só não concordo com a ênfase dada a PESQUISA, pois difusão do conhecimento produzido é extensão. E nesse caso, compromete todo trabalho academico. Estamos todos afetados por esse projeto de desmonte. Triste, muito triste.

  6. É tanto blá blá blá que você percebe que, a intenção é manter o discurso de que estão sendo “perseguidos” por um governo “racista” e “misógino”. O partido dos “Trabalhadores” vulgo PT quando no executivo correu pra aparelhar todas universidades públicas e desconstruir tudo o que outros fizeram até então. Então, s universidades públicas se tornaram locais de festas, drogas e putaria, menos de ensino e pesquisa. Os “estudantes” levam 12 anos pra se “formar” num curso de 4~5 anos. Isso que é “avanço e dedicação”.

  7. Este artigo infame e caluniador de umPT desgraçado e ladravaz aos moldes do chefe, cria falácias sobre o Ministro probo da Educação. Nem vergonha tem este lixo esquerdalha ao citar os desmandos da dilmanta e quadrilha imputando ao SrMinistro Weintraub.
    É muita arrogância e mau caratismo. Relaxa, medíocre! Não enganam mais ninguém. As pessoas estão fartas de mentiras e encantadas com o Presidente verdadeiro Bolsonaro e sua Equipe de Ministros técnicos e capacitados. Chora, vigarista!

  8. O pior é que temos uma imprensa dominantemente oligárquica, que não permite o acesso da maioria a tais informações. Esta maioria não tem hábito de leitura, independentemente da classe social. Consequência: os plutocratas fazem o que bem entendem e o país fica para trás, medíocre e dependente de potências mal intencionadas. Lamentável. Dias sombrios…

  9. Eu sou super crítica desse des-governo. Mas sinceramente eu não encontrei na portaria que vcs se referem proibição de professores e pesquisadores nos Congress nacionais ou internacionais. Me parece uma regulamentação para viagens dos servidores do MEC.

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