Mais de 1 milhão de crianças, 2 milhões de mulheres e 3 milhões de homens foram submetidos ao assassinato e à tortura de forma programada pelos nazistas com o objetivo de exterminar judeus e outras minorias. Nos primórdios da Itália fascista, os camisas negras – milícias paramilitares de Mussolini – espancavam grevistas, intelectuais, integrantes das ligas camponesas, homossexuais, judeus. Quando a ditadura fascista se estabeleceu, dez anos antes da nazista, Mussolini impôs seu partido como único, instaurou a censura e criou um tribunal para julgar crimes de segurança nacional; sua polícia secreta torturou e matou milhares de pessoas. Em 1938, Mussolini deportou 7 mil judeus para os campos de concentração nazista. Sua aliança com Hitler na 2ª Guerra matou mais de 400 mil italianos.
Perdoem-me relembrar fatos tão conhecidos, ao alcance de qualquer estudante, mas parece necessário falar do óbvio quando ser antifascista se tornou sinônimo de terrorista para Jair Bolsonaro. Os direitos universais à vida, à liberdade, à democracia, à integridade física, à livre expressão, conceitos antifascistas por definição, pareciam consenso entre nós, mas isso se rompeu com a eleição de Bolsonaro. O desprezo por esses valores agora se explicita em manifestações, abraçadas pelo presidente, que vão de faixas pelo AI-5 – o nosso ato fascista – ao cortejo funesto das tochas e seus símbolos totalitários, aqueles que aprendemos com a história a repudiar. Jornalistas espancados pelos atuais “camisas negras” estão entre as cenas dessa trajetória.
A patética lista que circulou depois que o deputado estadual Douglas Garcia(PSL-SP) pediu que seus seguidores no Twitter denunciassem antifascistas mostra que o risco é mais do que simbólico. Depois do selo para proteger racistas criado pela Fundação Palmares, e das barbaridades ditas pelo seu presidente em um momento em que o mundo se manifesta contra o racismo, e que lhe valeram uma investigação da PGR, essa talvez seja a maior inversão de valores promovida pelos bolsonaristas até aqui.
A ameaça contida na fala presidencial e na iniciativa do deputado, que supera a lista macartista pois não persegue apenas os comunistas, tem o objetivo óbvio de assustar os manifestantes contra o governo e de açular as milícias contra supostos militantes antifas, dos quais foram divulgados nome, foto, endereço e local de trabalho.
É a junção dos “camisas negras” com a Polícia Militar, que já se mostrou favorável aos bolsonaristas contra os manifestantes pela democracia no domingo passado em São Paulo e no Rio de Janeiro. E que vem praticando o genocídio contra negros impunemente no país desde sua criação, na ditadura militar, muitas vezes com a cumplicidade da Justiça, igualmente racista.
Como disse Mirtes Renata, a mãe de Miguel, o menino negro de 5 anos que foi abandonado no elevador pela patroa branca de sua mãe, mulher de um prefeito, liberada depois de pagar fiança de R$ 20 mil reais, “se fosse eu, a essa hora já estava lá no Bom Pastor [Colônia penal feminina em Pernambuco] apanhando das presas por ter sido irresponsável com uma criança”. Irresponsável. Note a generosidade de Mirtes com quem facilitou a queda de seu filho do 9º andar.
Neste próximo domingo, os antifas vão pras ruas. Espero não ouvir à noite, na TV, que a culpa da violência, que está prestes a acontecer novamente, é dos que resistem como podem ao autoritarismo violento. Quem quer armar seus militantes, e politizar forças de segurança pública, está no Palácio do Planalto. É ele quem precisa desembarcar. De preferência de uma forma mais pacífica do que planejam os fascistas para mantê-lo no poder.
Por: Marina Amaral, codiretora da Agência Pública
William de Jesus Silva (O Desenhista das Ruas)
11/04/18 at 18:08
Eu sou autista e lendo seu texto, percebo que incorre, mesmo que não intencionalmente, à tática de culpabilizar uma parcela dos autistas que pode se comunicar e se autocontrolar pela ausência de visibilidade dos autistas severos. Entendo que esteja sofrendo por conta dessas crises, mas isso não é justificativa para transferir o ônus da responsabilidade a quem está dentro do mesmo espectro mas consegue ter uma vida independente (ou quase independente).
As cicatrizes são consequência das reações que o corpo dela tem ao ambiente onde está inserido – ou seja, é como um balão que enche tanto, mas tanto que uma hora, explode sem mais nem menos. Por mais que esse exemplo pareça tolo, irrelevante ou mesmo piegas, é uma simplificação de como nós, autistas, nos sentimos quando nossas necessidades sensoriais não são efetivamente contempladas. Colapsos de auto-mutilação (ou em inglês, meltdowns) ocorrem porque nosso corpo não consegue segurar por muito tempo o excesso de estímulos sensoriais (potencializando o Transtorno de Processamento Sensorial, que compõe também nosso espectro). Isso poderia ser resolvido em parte com a terapia de dessensibilização e terapias ocupacionais.
Quanto à questão do azul, eu sou crítico ferrenho do estereótipo criado em torno do autismo e a representação feita por intermédio dessa cor, pois é uma representação simbólica perversa e segregadora, a qual invisibiliza mulheres que estão no espectro e cujo comportamento é diferente de um homem que está no espectro, colocando-nos em um estado de ‘infância eterna’, ignorando o fato de nós também crescermos e virarmos adultos.
Sobre algumas dessas caminhadas de ‘conscientização’ (não digo que são todas pois seria um desrespeito da minha parte), grande parcela são apenas vitrine para alguns oportunistas de plantão e ONGs fantasmas. Não é comum vermos essas caminhadas celebrando a neurodiversidade e colocando os próprios autistas na linha de frente – em quase todas, os familiares (neurotípicos) acabam monopolizando as atenções e reforçando a imagem de incapacidade presumida em cima de nós (não digo que isso é intencional, mas sim consequência de toda uma construção social pautada no modelo médico).
Sobre “autistas de alto funcionamento”: tive muitas crises durante a infância, às quais passei a controlar com acompanhamento psicológico e atividades terapêuticas ocupacionais. Nós não somos tão raros quanto parece, e atesto que compará-los com autistas de nível 3 (que deve ser o caso de sua filha, pelo que deduzi ao ler o texto) também é desnecessário e injusto, pois a correlação de demandas e necessidades sensoriais de um autista severo é bem maior que a de um autista ‘leve’ (como é meu caso, por exemplo) e se houvesse uma preocupação não só por parte da sociedade, mas principalmente do Estado, em garantir acessibilidade, emprego apoiado e residências inclusivas para muitos de nós, estes colapsos e esta tormenta seriam menos frequentes. Existem autistas severos de destaque no mundo, como a Amy Sequenzia, da Women’s Autism Network (Rede de Mulheres Autistas), que é autista, epiléptica, mas é escritora, blogueira, ativista de direitos humanos e poetisa, e o Ido Kedar, autista não verbal e autor de “Ido in Autismland” (Ido na Terra do Autismo).
No que tange à questão da alfabetização, existem métodos de comunicação alternativa para autistas severos e não falantes, tais como o uso de pistas visuais (https://www.comportese.com/2013/10/autismo-o-treino-da-comunicacao-alternativa-por-pistas-visuais), e o RPM (Rapid Prompting Method). Portanto não é verídica a afirmação de que autistas nível 3 não podem se alfabetizar.
No que tange ao último parágrafo, reconheço que existe uma necessidade em sair da dicotomia “Gênio ou enfermo?”, porém, não se faz isso por meio de exposição indevida e não consentida de autistas em crise, bem como deve-se repensar a abordagem do tema nos veículos de comunicação com base na narrativa trágica.
Encerro recomendando a leitura de alguns livros escritos por autistas no mesmo nível de sua filha. Um deles é o japonês Naoki Higashida, que não fala e desenvolveu um método próprio de comunicação. Ele é autor do livro “O que me faz pular”, no qual explica o comportamento muitas vezes desconcertante de pessoas autistas. Recomendo também o vídeo “Acessibilidade e Autismo”, gravado em 2016 pela Fernanda Santana (atual presidenta da ABRAÇA): https://www.youtube.com/watch?v=oIUzxFuIBu4
No mais, espero que compreenda minha inquietação e busque forças para seguir em frente.
Tenha uma boa tarde.