Por Kelly Santos, especial para os Jornalistas Livres
João Victor não foi o único menino morto em frente ao Habib’s da Vila Nova Cachoeirinha. Há exatamente 15 anos, no dia 17 de março de 2002, Cláudio Carvalho Tenório, 14, foi alvejado pelas costas e morreu em frente à loja. Cláudio e seus amigos Weliton Inácio da Silva, Rogério Soares Fonseca e Leandro Júlio da Silva passeavam na avenida Inajar de Souza, quando decidiram comprar umas esfirras no estabelecimento. Weliton e Leandro ficaram aguardando do lado de fora e presenciaram quando alguns garotos passaram, provocando os cachorros dos seguranças. Em seguida, Cláudio saiu da loja e foi confundido com um desses garotos. Por causa disso, o segurança Anderson Cristian Pereira de Andrade atirou contra o menino, que morreu horas depois.
A Itaberaba Point Super Lanches LTDA, nome da unidade franqueada do Habib’s, no caso de Cláudio, também procurou desqualificar e criminalizar as vítimas. No decorrer do processo, alegaram que os garotos costumavam assistir competições de “rachas” de automóveis que ocorriam nas proximidades da loja, e que os amigos dos jovens envolvidos promoveram um quebra-quebra na lanchonete após os fatos. Também negaram que Anderson fosse funcionário do Habib’s e informaram que ele estava apenas substituindo um segurança e não tinha vínculo empregatício com a empresa.
Anderson ficou foragido por um ano e foi preso no Rio de Janeiro. Ele confessou o crime e foi condenado à prisão além de confirmar que estava a serviço do Habib’s na ocasião.
ATO EM LEMBRANÇA DE JOÃO VICTOR
Foto: Luciney Martins, especial para os Jornalistas Livres
Nesta quinta-feira, 16/03, aproximadamente 100 pessoas participaram do ato em homenagem ao menino João Victor de Souza Carvalho morto no dia 26 de fevereiro em frente ao Habib’s da Vila Nova Cachoerinha, zona norte de São Paulo. Entre familiares e amigos, estavam também representantes de movimentos que atuam na periferia, moradores de rua, e a população indignada.
O menino foi brutalmente assassinado por funcionários do Habib’s, segundo a única testemunha a se apresentar, a catadora de materiais recicláveis, Silvia Helena Troti, 59. Em depoimento à polícia, ela disse que “um homem forte, gordo, moreno, com uniforme do Habib’s” deu um soco na cabeça do garoto, fato que o levou ao desmaio (e provavelmente à morte). Essa versão ganha força com as imagens de vídeo que mostram João Victor sendo perseguido pelo supervisor Guilherme Francisco do Santos e o gerente Alexandro José da Silva, ambos funcionários da loja, que reaparecem no vídeo arrastando o garoto pelos braços, com a bermuda abaixada e sem nenhuma reação, aparentemente desmaiado.
Em mais uma tentativa de fugir da responsabilidade pela morte do menino, o Habib’s divulgou comunicado nessa quarta-feira, 15, em que associa a morte de João Victor ao uso de drogas e à sua vulnerabilidade social. Eles divulgaram boletins de ocorrências policiais envolvendo o adolescente o que motivou o Ministério Público a abrir investigação para apurar a conduta da da rede de restaurantes, uma vez que a empresa infringiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) quando expôs o garoto sem autorização da família e da Justiça.
“Chegamos ao ponto de uma criança de 13 anos ser assassinada porque tinha fome, João Victor está longe de ser o único. É crime ser pobre, é crime pedir dinheiro para comer. O Habib’s, uma rede de lanchonete que já tem muito dinheiro, orienta os seguranças a ter essa política de bater em quem pede na frente das lojas.”, afirmou Rafaela Carvalho, do Movimento de Mulheres Olga Benário, entidade que organizou o ato.
O Advogado Ariel Castro, coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe-SP), também esteve presente e falou sobre outro ponto polêmico do caso: o laudo assinado pelo médico Danilo Vendrame Vivas que inocenta o Habib’s e descarta as agressões sofridas por João Victor, sentenciando que sua morte ocorreu pelo uso de drogas.
“Na história recente do nosso país tivemos o caso do médico legista Harry Shibata, acusado de assinar laudos necroscópicos falsos de presos políticos assassinados pela ditadura. Não que estejamos afirmando que isso também ocorreu nesse caso. Mas para termos a garantia da verdade, é necessária a exumação do corpo de João Victor que já foi solicitada pela família”, afirma Ariel Castro.
Foto: Luciney Martins, especial para os Jornalistas Livres
O nome de Shibata aparece diversas vezes no “Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964”. Entre laudos assinados por ele estão o do suicídio forjado de Vladimir Herzog. e o tiroteio que matou de Carlos Marighella, que na verdade foi executado com vários tiros.
Quanto ao médico legista Danilo Vendrame Vivas, o que se sabe dele é que, além de admirador do Bolsonaro, é a favor da redução da maioridade penal, fez postagens em sua página do Facebook agredindo beneficiários do Bolsa Família e tinha costume de fazer vários comentários homofóbicos. Ele desativou sua conta na rede social após a divulgação das postagens pela Revista Fórum.
Na mesma linha do ultraje, Adriano Kirche Moneta, assessor de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, que trabalha para a CDN Comunicação, chegou a zombar da morte de João Victor e do boicote feito ao Habib’s. Veja aqui uma de suas postagens logo que o laudo de Vendrame Vivas foi publicado “inocentando” o Habib’s e seu segurança.No final do ato, os manifestantes seguiram em caminhada pacífica até o Habib’s da Rua José Bonifácio. Eles exigiram o fechamento da loja e a polícia militar foi chamada mas isso apenas deu mais coragem: “Aqui não tem ladrão, prende logo o assassino do João”; “Esfirra de Sangue”. O protesto só terminou quando os funcionários baixaram a porta do estabelecimento.
“A gente vive um golpe e aumenta a violência e a repressão aos movimentos sociais. Cada vez mais a juventude pobre e negra está sendo marginalizada e criminalizada por uma polícia racista que logo de cara fez um Boletim de Ocorrência com a versão do Habib’s, uma versão mentirosa, que quis culpar uma criança de apenas 13 anos pela sua própria morte”, afirma Wanderson Carvalho Pinheiro, da Comissão dos Familiares e Amigos do João Victor.
Veja mais textos sobre o caso João Victor AQUI e AQUI .
Justiça suspende reintegração de posse no RN e evita despejo de 2 mil pessoas em comunidade pesqueira
Empresa Incorporadora Teixeira Onze não conseguiu provar propriedade do terreno no município de Enxu Queimado, onde vivem 2.389 pessoas de 554 famílias
O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte Vivaldo Pinheiro suspendeu o despejo de 554 famílias na comunidade pesqueira tradicional Exu Queimado, em Pedra Grande. O pedido de reintegração de posse do terreno havia sido acatado pelo juiz de primeira instância, mas revertido pelo desembargador. Ele avaliou que a empresa Incorporadora Teixeira Onze não conseguiu provar a posse da área.
No local, vivem 2.389 moradores de uma comunidade pesqueira fundada há mais de 100 anos, distante 150 quilômetros de Natal (RN). Das 810 moradias, 97% está situada na zona rural. O conflito na região começou em 2007, mas se intensificou durante a fase de pandemia da Covid-19 com ameaças e incêndio de barracos, como relatam alguns moradores.
“Os barracos foram montados há 4 meses para evitar que a empresa avance sobre a área. Não houve agressão física, mas eles contrataram dois seguranças para retirar os barracos, só que não conseguiram. Oito dias depois, dois barracos foram incendiados. Eles chegaram à comunidade em 2007 colocando cercas nas terra, o que não aceitamos porque as áreas sempre foram coletivas, os terrenos nunca tiveram donos, a comunidade foi fundada por pescadores que se alojaram na praia para ficar mais perto do trabalho, que é a pesca. Moramos aqui há mais de 100 anos e a empresa foi formalizada só pra comprar as terras”, denuncia Leonete Roseno do Nascimento, moradora de Enxu Queimado.
Os moradores contam que duas pessoas de Recife se apresentaram como donos do local, venderam terrenos sem que a comunidade soubesse e começaram uma campanha de regularização.
“Eles tentaram vender as terras pra Prefeitura pra tentar fazer a regularização, mas nem a prefeitura aceitou. Foi aí que nós nos unimos e fizemos um movimento. Nós não aceitamos que a empresa, que não tem função social, nem nada construído na comunidade, se apresente como proprietária”, reage Leonete, que também é educadora popular e esposa de pescador.
Em Enxu Queimado, localidade de Pedra Grande, 97% dos moradores vivem na zona rural (foto: divulgação)
Os moradores conseguiram apoio e uma equipe de advogados populares na causa. Em um vídeo, um engenheiro civil de uma empresa que presta serviço à empresa Teixeira Onze oferece a transferência do imóvel para o nome do morador que não tem escritura pública. O advogado Gustavo Freire, que representa os moradores, denunciou a prática à justiça:
“Eles reivindicam a propriedade de toda a área, entram com uma ação possessória com base nesses títulos de propriedade e, por fora, tentam fazer com que as pessoas regularizem as suas posses pra que possam vender pra eles. Em resumo: se dizem donos da terra ao mesmo tempo que se colocam à disposição pra comprar essa mesma terra. A decisão do TJRN acatou nossa tese que isso não é possível”, explicou.
Ele ressalta, também, que apesar de reivindicar a posse do terreno, a empresa nunca esteve lá.
“Ela não planta, mora ou edifica. Você não pode reivindicar uma posse que nunca exerceu. Ela (a empresa) está pedindo de volta algo que nunca foi dela”, argumenta.
Foi esse argumento da posse exercida de fato pelos moradores que o Tribunal de Justiça do RN levou em consideração para decidir pela permanência da comunidade de pescadores.
A equipe da Agência Saiba Mais tentou entrar em contato com o número disponibilizado no vídeo da empresa, mas nossas chamadas não foram atendidas, nem as mensagens respondidas.
Com a decisão do desembargador Vivaldo Pinheiro, a Incorporadora não pode mais recorrer. No entanto, ainda é possível tentar reverter o mérito, mas se não conseguirem, terão que esperar o processo ser sentenciado para, então, recorrer novamente.
Perdemos um camarada valoroso, um menino negro encantador de feras, um sorriso no meio das bombas e da violência policial, um guerreiro gentil que defendeu com unhas e dentes a Democracia, a presidenta Dilma Rousseff durante todo o processo de impeachment, e o povo brasileiro negro e pobre e periférico, como ele.
Gabriel Rodrigues dos Santos era onipresente. Esteve em Brasília, na frente do Congresso durante o golpe, em São Paulo, nas manifestações dos estudantes secundaristas; em Curitiba, acampando em defesa da libertação do Lula. Na greve geral, nas passeatas, nos atos, nos encontros…
O Gabriel aparecia sempre. Forte, altivo, sorrindo. Como um anjo. Anjo Gabriel, o mensageiro de Deus
Estamos tristes porque ele se foi hoje, no Incor de São Paulo, depois de um sofrimento intenso e longo. Durante três meses Gabriel enfrentou uma infecção pulmonar que acabou levando-o à morte.
Estamos tristíssimos, mas precisamos manter em nossos corações a lembrança desse menino que esteve conosco durante pouco tempo, mas o suficiente para nos enriquecer com todos os seus dons.
Enquanto os Jornalistas Livres estiverem vivos, e cada um dos que o conheceram viver, o Gabriel não morrerá.
Porque os exemplos que ele deixou estarão em nossos atos e pensamentos.
Obrigada, querido companheiro!
Tentaremos, neste infeliz momento de Necropolítica, estar à altura do Amor à Vida que você nos deixou.
Leia mais sobre quem foi o Gabriel nesta linda reportagem do Anderson Bahia, dos Jornalistas Livres
por Isabela Moura e Luiza Abi Saab, Jornalistas Livres em Portugal
Os atos antirracistas #JusticeForFloyd tomaram conta de Portugal neste último sábado, 06 de junho de 2020. As principais cidades de Portugal foram ocupadas por milhares de manifestantes em atos antirracistas que pediam justiça para George Floyd. Os atos aconteceram principalmente nas cidades de Lisboa, Coimbra, Porto e Braga.
Em LISBOA, a manifestação levou milhares de pessoas em marcha até à Praça do Comércio – importante espaço de reivindicação política da capital portuguesa. O encontro em Lisboa foi articulado entre diversas organizações, estavam previstos três atos em dias diferentes, mas as iniciativas foram unificadas em apenas um ato.
O contexto português e a questão da colonização foram abordagens presentes nos cartazes e nas vozes que se fizeram ouvir. José Falcão, da SOS Racismo, afirma que é necessário mudar o currículo escolar para que se possa saber de fato o que foi o passado português. “A história deste país é só a história do colonialismo, não é das vítimas do colonialismo, não é das pessoas que lá estavam a quem não pedimos autorização par ir. Onde ficamos durante 500 anos a escravizar as pessoas e essa história nunca é contada”, justifica o integrante de umas das associações que organizou a manifestação de sábado.
Mayara Reis, escritora de 25 anos e uma das vozes intervenientes menciona também a importância da educação nesse combate: “É preciso falar sobre isso nos manuais de história, falar sobre o Tratado de Tordesilhas, porque Portugal não é inocente”. “Não foi nossa escolha, foi escolhido por nós. O futuro que eu estou a ter agora vem disso”, refere a escritora sobre as decisões históricas que marcaram o passado colonial de países como a terra de onde veio – a Guiné-Bissau.
No PORTO o ato aconteceu na Avenida dos Aliados. Em referência ao norte americano George Floyd, assassinado pela polícia dos Estados Unidos, vários manifestantes trouxeram consigo os dizeres “I Can’t Breathe”, em português, “Não Consigo Respirar”. As reivindicações ecoavam pela avenida com o grito “Nem mais uma morte”, denunciando também os casos de racismo em Portugal.
Em COIMBRA a manifestação aconteceu na Praça da República, próxima à Universidade de Coimbra e foi organizada por estudantes da cidade. Centenas de pessoas se reuniram no local, seguindo as regras de segurança da Direção Geral de Saúde de Portugal (DGS).
O ato contou com depoimentos, gritos por reivindicações da luta antirracista e uma performance que representava Jesus negro interpretando trecho do texto “A Renúncia Impossível”, de Agostinho Neto.
Em BRAGA, a manifestação “Vidas Negras Importam” uniu cerca de 300 pessoas que prestaram sua solidariedade aos atos por George Floyd que acontecem há 10 dias nos Estados Unidos. Os presentes também denunciaram a violência policial contra negros, lembrando os casos de vítimas como Cláudia Simões e Alcindo Monteiro.