Invasão da Universal ameaça aparelhar conselhos tutelares
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Raquel Wandelli
Em todo território nacional, o Brasil está vivendo uma disputa eleitoral silenciosa e invisível para grande parte da população, mas tão importante e acirrada ideologicamente quanto a última campanha presidencial. A sociedade civil se prepara para eleger neste domingo, 6/10, das 9 às 17 horas, os representantes dos conselhos tutelares que, por quatro anos, de janeiro a 2020 a janeiro de 2024, vão fiscalizar o cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes. Embora qualquer cidadão seja apto a votar, a ignorância sobre a universalidade do pleito e a importância dos conselhos tornou o processo eleitoral um campo vulnerável para a manipulação de grupos ultraconservadores. Assim como as tecnologias de mídia fraudulentas forjaram um resultado fora do jogo democrático nas eleições presidenciais, a composição desses órgãos democráticos está seriamente ameaçada por uma fraude político-religiosa anterior à votação eletrônica. A virada depende dos defensores dos direitos humanos e sociais atenderem à chamada de comparecimento às urnas.
O voto é facultativo, qualquer cidadão pode depositá-lo na urna em posse do seu título eleitoral. Qualquer pessoa que conheça o Estatuto da Criança e do Adolescente e tenha dois anos de experiência na área pode se candidatar ao cargo, que é até bem remunerado, R$ 2.779,00 mensais, com expediente das 8 às 18 horas, um luxo para um país com mais de 13 milhões de desempregados, com promessa de vários bônus para os candidatos da rede fundamentalista. Juntos, esses fatores atraíram a militância de direita que alavancou a eleição de Bolsonaro e outros políticos que defendem, por exemplo, trabalho infantil e redução da maioridade penal, só pra início de conversa.
Depois de aparelhar o Estado brasileiro, em todos os cantos do país a ala retrógrada da Igreja Evangélica, através de seus pastores, mobiliza os fieis para a ocupação em massa dos conselhos tutelares. Já no início do ano, em todo o Brasil, foi deflagrada a acorrida à inscrição da candidatura de uma legião de milhares de evangélicos e teve início a campanha massiva nos cultos e comunidades tomadas pela Igreja do Bispo Macedo. O que está em jogo nessa ocupação fundamentalista é a continuidade do próprio Conselho, das políticas públicas de proteção da criança e do adolescente e do próprio Estatuto, frequentemente ameaçado pelo presidente J.B. e pelos detratores dos direitos humanos. Em última instância, essas forças obscuras veem na estrutura capilarizada dos conselhos a oportunidade de transformá-los em currais eleitorais para os candidatos que vão garantir a permanência do governo Bolsonaro e de seus sucessores no poder.
Agindo em nome da liberdade religiosa, essa invasão organizada da esfera pública fere o estado laico e a pluralidade de credos, ao implantar o monoteísmo evangélico no seio do Estado braseiro. Com bandeiras como combate ao aborto e ao que chamam de “ideologia de gênero”, os candidatos caem na disputa praticando o mesmo terrorismo psicológico das eleições baseado em fake news do tipo das disseminadas durante as eleições presidenciais, como a ameaça do kit gay, da mamadeira de piroca e das orgias sexuais nas escolas e universidades.
A onda bolsonarista está em marcha desde o início do ano, antes mesmo das inscrições para os candidatos, que iniciaram em 20 de maio e foram até 21 de junho. O sinal de alerta do aparelhamento, contudo, foi dado há pouco mais de um mês, tempo exíguo para frear a sanha evangélica conservadora. Mesmo assim, o apito da resistência soou forte e despertou para a necessidade de reação. Nas redes sociais, mensagens dos ativistas dos direitos da criança e do adolescente tentam sacudir a população antes que “o santo do pau oco” tome conta dessas organizações. Mensagens circulam pelas mídias sociais, advertindo para a importância do voto e denunciando a tentativa de aparelhamento dessas entidades.
Os ativistas dos direitos alertam para a ameaça de expansão dos tentáculos do Estado teocrático nas organizações da sociedade civil, com a infiltração dos dogmas religiosos e das ideologias de combate aos movimentos sociais, aos direitos e ao pensamento crítico nas escolas. Em Santa Catarina, estado assediado pelas forças bolsonaristas e religiosas ultraconservadoras, reuniões de mobilização convocadas por entidades, sindicatos, organizações civis foram intensificadas nesta semana, como a palestra sobre a importância dos conselhos, promovida pela OAB na terça-feira (1/10) à noite, em Florianópolis. Debates com os candidatos chamados por entidades em defesa da democracia ocorrem até as vésperas das eleições, como o que o Campo Santo, organização agroecológica e social de mulheres em defesa de meninas e adolescentes realiza na sexta-feira (4/10), às 16 horas, em sua sede no Campeche.
“GENTE QUE DEFENDE ATÉ TORTURA QUER APARELHAR OS CONSELHOS”

Protesto contra o assassinato do adolescente Victor Xavier da Silva Santos, que foi baleado enquanto brincava no quinta de casa por um policial que continua na ativa
Num momento de desmoralização dos direitos humanos e sociais pela direita fundamentalista, mais do que nunca o Brasil precisa de conselheiros tutelares comprometidos com essas políticas nas quais se estabeleceu a sociedade democrática e de direitos, afirma Thaís Lippel, médica do trabalho e integrante do Grupo de Trabalho do Imigrante, da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc). “Cada um de nós que conhece a importância da rede de organização e defesa da sociedade civil formada pelos conselhos democráticos deve se engajar nessa luta crucial para barrar a investidas oportunistas desses lobos vestidos em pele de pastores e cordeiros”, acrescenta ela.
“A sociedade civil nunca deu bola para os conselhos tutelares e isso facilitou um certo nível de aparelhamento pela Igreja Católica, mas nunca algo tão comprometedor como a invasão organizada dos evangélicos”, analisa Simone Curi, coordenadora do Campo Santo, que realiza debate com os candidatos aos conselhos de Florianópolis na sexta-feira à tarde, na sede da entidade, no Campeche. Por outro lado, a eleição de Bolsonaro despertou finalmente uma consciência sobre a importância de estarmos todos atentos à eleição dos conselhos, pondera ela.
Há grupos organizados fazendo campanha para as tendências político-ideológicas mais conservadoras e desumanas e com os interesses mais escusos que se possa imaginar, lembra uma candidata que trabalha há dez anos como conselheira, mas não quer se identificar. “Esses grupos acusam as forças progressistas de fazer aquilo que praticam: eles miram a criança e o adolescente como instrumentos de lavagem cerebral de um Estado autoritário”. A defesa desse público como cidadãos de direito, sujeitos em si mesmos, merecedores de uma formação para a liberdade e para o pensamento crítico, como propugnam as convenções internacionais do setor, tornam-se objeto de repúdio.
Militantes do autoritarismo político e religioso, que defendem absurdos como pena de morte e golpe militar, que se calam ou mesmo aplaudem quando policiais e seguranças praticam tortura contra menores infratores querem fazer desses organismos mais um meio de aliciamento mental, acredita Loureci Ribeiro, arquiteto popular do Movimento de Ocupação Urbana. “Estão avançando sobre os conselhos com o intuito de colocá-los a serviço de políticas ditatoriais e falsomoralistas, que tendem a derrubar direitos das crianças e das suas famílias”, completa Loureci, que critica a desmobilização da Teologia da Libertação nesse processo. “O trabalho dos setores progressistas da Igreja Católica foi fundamental nos anos 90 para alicerçar as bases de uma política de conselhos comprometida com um Estado laico, democrático e pluralista, mas as pastorais se dissolveram ou se acomodaram nos últimos anos.
BAIXA VOTAÇÃO FAVORECE O APARELHAMENTO DO PROCESSO
Nas últimas eleições para conselheiros tutelares nos municípios da Grande Florianópolis (São José, Palhoça, Biguaçu e Florianópolis), 7,6 mil pessoas compareceram às urnas, sendo que a região compreende 319.632 eleitores registrados. Já em Joinville, maior colégio eleitoral do Estado, três mil votos foram computados, em um universo de 372.551 votantes, sempre segundo dados apresentados pela Comissão da Criança e Adolescente da OAB em Santa Catarina divulgados pela Comunicação Social do órgão.
“A adesão ainda é baixa e precisamos atuar na divulgação desse processo, que é fundamental na garantia e proteção da criança e adolescente”, salienta o presidente da Comissão da Criança e Adolescente da OAB/SC, Enio Gentil Vieira Júnior. O município de Florianópolis elege 20 conselheiros tutelares. No Estado, cada município tem um Conselho Tutelar e, cada órgão, por lei, deve ter cinco membros fixos.
COMO VOTAR, ONDE VOTAR
Conselheiros e conselheiras se candidatam à tarefa de defender os direitos das crianças e dos adolescentes por um mandato de quatro anos. Têm a prerrogativa de fiscalizar os serviços de atendimento, recebem denúncias de maus tratos, assédio moral ou sexual, requerem serviços públicos, orientam famílias e comunidades, enfim, sacodem as estruturas públicas, delatam as afrontas ao estatuto e à integridade das crianças e fazem as ações acontecerem na área. Para exercer o cargo, recebem remuneração e, por isso, precisam apresentar experiência e conhecer o Estatuto.
As eleições ocorrem no domingo, 6 de outubro, em todo o país, mas é preciso verificar o funcionamento do pleito em cada município. Pode haver um ou mais locais de votação, que não são os mesmos das eleições gerais para cargos políticos. Todo cidadão que tem título de eleitor está apto a votar. Em processo semelhante às eleições gerais, com urna eletrônica, os eleitores devem comparecer às suas seções de votação portando o título de eleitor e um documento com foto (RG, CNH ou carteira de trabalho).
Em Florianópolis há apenas cinco locais de votação. Cada eleitor vota em apenas um candidato e pela ordem de votação escolhem onde atuarão, já que são três Conselhos Tutelares com cinco conselheiros cada. Um para a região continental, um norte e outro sul da ilha.
Todos os eleitores de cada região precisarão ir até o local indicado:
1) Região Sul da Ilha – Escola de Ensino Médio Vereador Oscar Manoel da Conceição – Endereço: SC-405, S/n – Rio Tavares, Florianópolis – SC. Ao lado do Terminal do Rio Tavares
2) Região Continental – Escola Básica Municipal Almirante Carvalhal – Endereço: Rua Bento Góia, 113 – Coqueiros, Florianópolis – SC.
3) Região Central – Instituto Estadual de Educação – Endereço: Av. Mauro Ramos, 275 – Centro, Florianópolis – SC.
4) Região Leste da Ilha – Escola Básica Municipal Henrique Veras – Endereço: Rua João Pacheco da Costa, 249 – Lagoa da Conceição, Florianópolis – SC.
5) Região Norte da Ilha – Escola de Ensino Médio Jacó Anderle – Endereço: Rua Francisco Faustino Martins, 717 – Vargem Grande, Florianópolis – SC.
ALERTA QUE CIRCULA NAS REDES SOCIAIS
Trabalhamos com Conselhos Tutelares há mais de 10 anos.
Não podemos nos identificar pois o que temos a dizer nos prejudicaria profissionalmente. Mas agora em 2019 estamos preocupados com o rumo que as coisas estão tomando. Estamos assistindo uma onda evangélica/reacionária se aproximando desse órgão com toda a força. Os Conselhos Tutelares nunca foram a quinta maravilha do mundo. Possuem trezentos mil problemas. Mas a partir do que temos visto e ouvido, podemos dizer…se não nos organizarmos vai piorar…E MUITO. Tem uma galera querendo entrar no Conselho pra combater ideologia de gênero. Tem uma galera querendo entrar no Conselho pra levar “Deus” pras escolas. Tem uma galera dizendo que o problema das crianças e adolescentes no Brasil é falta de Deus e que só oração resolve. Só pra começo de conversa.
E por que isso nos preocupa? Porque em eleição de Conselho Tutelar vota quem quer. E essa galera tem o apoio de igrejas inteiras. Que vão votar em massa. Ou seja, enquanto estamos simplesmente alheios a essa eleição, eles estão se organizando.
Então, sugerimos duas coisas:
- Que comecemos a nos organizar e falar sobre a eleição do Conselho (06 de Outubro de 2019)
- Que quando sair a lista de candidatos em seu município, escolha um que defenda no mínimo, o estado laico, e faça campanha. Mobilize-se. Porque senão, teremos Conselhos Tutelares que funcionarão como escritórios pastorais.
- E antes que nos acusem de perseguição religiosa, são cristãos que escrevem esse texto. O Conselho Tutelar é pra defender os direitos da criança e do adolescente e não pra ser espaço de evangelização. Enfim, se possível repassem essa mensagem e mais do que isso, se organizem pra votar e sensibilizar as pessoas sobre a importância dessa articulação/enfrentamento nesse momento histórico.
Por um Conselho Tutelar laico.
DEBATE COM OS CANDIDATOS NO CAMPO SANTO

Campo Santo, entidade que faz um trabalho geracional com mulheres, encadeando mães, filhas adolescentes e avós em cadeias produtivas de economia e cultura solidária
O Coletivo Campo Santo convida os candidatos a representantes do Conselho Tutelar a uma conversa e apresentação às comunidades do sul da ilha. A acontecer no dia 4 de outubro às 16 horas, na nossa sede, no Campeche.
Somos uma organização que tem como principal missão o apoio e o empoderamento de jovens da nossa região. Desejamos que com essa conversa a comunidade conheça cada um dos candidatos e que tome consciência da máxima importância dessa eleição, no dia 6 de outubro próximo.
Contamos com a participação dos candidatos para uma conversa com pais, professores, representantes da comunidade e seus jovens.
Servidão Germano Honorato Vidal, n. 200 – Campeche
OAB PROMOVE ENCONTRO COM ESPECIALISTAS
Neste ano, ocorre a eleição para o Conselho Tutelar em todo o Brasil e os escolhidos serão encarregados de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e dos adolescentes durante o período de 2020 a 2024. Para o presidente da OAB/SC, Rafael Horn, o evento surgiu a partir da necessidade de promover o papel dos conselheiros tutelares, que são eleitos pela população para fiscalizar e garantir os direitos das crianças e adolescentes. “É necessária a participação da sociedade nesse debate, pois esses representantes atenderão casos de crianças ou adolescentes que tiverem seus direitos violados”, justificou.
Com o objetivo de despertar na sociedade o debate e informá-la sobre seus direitos, a OAB/SC, por meio da Comissão da Criança e Adolescente, realizou na terça-feira (1/10) à noite, na sede da Seccional, a palestra ‘Vamos Votar pelos Direitos das Crianças e Adolescentes? O presidente da Comissão da Criança e Adolescente da OAB/SC, Enio Gentil Vieira Júnior, reforçou a importância do debate. “O Conselho Tutelar foi a grande inovação trazida há quase 30 anos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, quando se atribuiu à sociedade, por meio de processo democrático de escolha, a tarefa de definir os principais responsáveis pela promoção dos direitos de crianças e adolescentes de suas localidades. Por isso, é importante o envolvimento de todos no processo e fundamental que tenhamos o compromisso de ir às urnas”, destacou.
Apesar da importância do Conselho Tutelar, o poder público não tem garantido as verbas necessárias para o funcionamento do órgão nos estados e municípios. “O investimento ainda tem sido muito tímido, o que dificulta a realização da sua tarefa de promoção dos direitos da criança e do adolescente”, pontuou. “Por isso, é nosso papel, como casa da cidadania, trazer essa discussão e conscientizar a sociedade para a importância que o setor tem na construção de um país melhor, uma vez que as nossas crianças e adolescentes são o futuro do nosso país”, destacou.
O encontro, em parceria com a Escola Superior de Advocacia, foi dividido em três palestras seguidas de debate com as temáticas: “Vamos votar?”, “A importância dos Conselhos Tutelares para a Promoção dos Direitos das Crianças e Adolescentes” e “O Processo de Escolha Unificado do Conselho Tutelar: Desafios e Potenciais na Experiência de Santa Catarina”. Os candidatos à função de conselheiro tutelar que estiverem presentes também se manifestaram.
Entre os palestrantes estavam João Luiz de Carvalho Botega (mestre em Ciência Jurídica, pós-graduado em Direito Penal e Criminologia, professor da Disciplina Direito da Criança e Adolescente da Escola do Ministério Público e promotor de Justiça no MPE/SC) e Enio Gentil Vieira Junior (mestre em Direito, especialista em Direito da Criança e do Adolescente, advogado da infância e juventude e professor da Escola Superior de Magistratura e da Escola Superior de Advocacia – ESA).
Com informações da Assessoria de Comunicação da OAB/SC
PARA ENTENDER A IMPORTÂNCIA DOS CONSELHOS TUTELARES
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Ágatha Felix, oito anos, assassinada com um tiro nas costas por um policial no Rio de Janeiro
O Conselho Tutelar foi criado conjuntamente ao ECA, instituído pela Lei 8.069 no dia 13 de julho de 1990. Órgão municipal responsável por zelar pelos direitos da criança e do adolescente, deve ser estabelecido por lei municipal que determine seu funcionamento tendo em vista os artigos 131 a 140 do ECA.
- Formado por membros eleitos pela comunidade para mandato de três anos, o Conselho Tutelar é um órgão permanente (uma vez criado não pode ser extinto), possui autonomia funcional, ou seja, não é subordinado a qualquer outro órgão estatal.
- A quantidade de conselhos varia de acordo com a necessidade de cada município, mas é obrigatória a existência de, pelo menos, um Conselho Tutelar por cidade, constituído por cinco membros.
- Segundo consta no artigo 136 do ECA, são atribuições do Conselho Tutelar e, consequentemente, do conselheiro tutelar, atender não só as crianças e adolescentes, como também atender e aconselhar pais ou responsáveis.
- O Conselho Tutelar deve ser acionado sempre que se perceba abuso ou situações de risco contra a criança ou o adolescente, como por exemplo, em casos de violência física ou emocional. Cabe ao Conselho Tutelar aplicar medidas que zelem pela proteção dos direitos da criança e do adolescente. Para informações completas das atribuições do Conselho Tutelar, acesse o ECA completo.
- Apesar de muitas pessoas acharem o contrário, o Conselho Tutelar não tem competência para aplicar medidas judiciais, ou seja, ele não é jurisdicional e não pode julgar nenhum caso. Exemplificando: quando um adolescente (12 à 18 anos) comete um ato infracional (crime), quem deve ser acionado para o atendimento é a Polícia Militar, e não o conselho tutelar. Este sim deve ser chamado quando o mesmo ato infracional for cometido por uma criança (com até 12 anos de idade incompletos).
- Por se tratar de um órgão, parte do aparato de segurança pública municipal, não pode agir como órgão correcional. Em resumo, é um órgão ‘zelador’ dos direitos da criança e do adolescente. Não é função do Conselho Tutelar fazer busca e apreensão de crianças e/ou adolescentes, expedir autorização para viagens ou desfiles, determinar a guarda legal da criança.
- O conselheiro tutelar deve sempre ouvir e entender as situações que lhe são apresentadas por aquele que procura o Conselho Tutelar. Somente após a análise das situações específicas de cada caso é que o conselheiro deve aplicar as medidas necessárias à proteção dos direitos da criança e/ou adolescente. Cabe ressaltar que, assim como o juiz, o conselheiro aplica medidas, ele não as executa. Portanto, o interessado deve buscar os poderes necessários para execução dessas medidas, ou seja, poder público, famílias e sociedade.
- O processo de escolha dos conselheiros tutelares deve ser conduzido pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (órgão que deve ser criado e estar funcionando antes do Conselho Tutelar).
- Para ser conselheiro tutelar é necessário ter 21 anos completos ou mais, morar na cidade onde se localiza o Conselho Tutelar e ser de reconhecida idoneidade moral. Outros requisitos podem e devem ser elaborados pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. É indispensável que o processo de escolha do conselheiro tutelar busque pessoas com um perfil adequado ao desenvolvimento da função, ou seja, alguém com disposição para o trabalho, aptidão para a causa pública, e que já tenha trabalhado com crianças e adolescentes.
- É imprescindível que o conselheiro tutelar seja capaz de manter diálogo com pais ou responsáveis legais, comunidade, poder judiciário e executivo e com as crianças e adolescentes. Para isso é de extrema importância que os eleitos para a função de conselheiro tutelar sejam pessoas comunicativas, competentes e com capacidade para mediar conflitos.
O caso Mariana Ferrer, por Honoré de Balzac
Enfim, “de todas as mercadorias deste mundo, a mais cara é sem dúvida a justiça”.
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5 anos atrásem
07/11/20
O caso Mariana Ferrer por Honoré de Balzac
Por Dirce Waltrick do Amarante*
Quando o escritor francês Honoré de Balzac teve acesso ao vídeo da audiência de Mariana Ferrer, ele decidiu escrever o Código dos homens honestos, isso nos idos de 1875, mas só agora estou tornando públicas suas palavras, que estavam sob segredo de justiça.
Em uma análise bastante rigorosa, Balzac lembra, em primeiro lugar, que sabemos perfeitamente bem que “em princípio, ficou estabelecido que a justiça seria para todos, mas […]” . A tradução é de Léa Novaes, pois Balzac tinha dificuldade em escrever em português.
Dito isso, ele fala da figura do procurador. Em tempos idos, diz Balzac, os procuradores “levavam tão a sério o interesse de um cliente que chegavam a morrer por eles”. Além disso, eles “nunca frequentavam a sociedade”, e se a frequentassem eram vistos como “monstros”, mas hoje, “hoje tudo está monetarizado: já não se diz que Fulano foi nomeado procurador-geral, vai defender os interesses de sua província […]. Não, nada disso; o senhor Fulano acaba de conquistar um belo posto, procurador-geral, o que equivale a honorários de vinte mil francos […]”.
Balzac ia falar da figura do juiz e do defensor público, mas depois de tudo que assistiu ficou sem as palavras justas para descrevê-los.
Então, o escritor francês decidiu se debruçar sobre o papel do advogado, que “frequenta bailes, festas […] despreza tudo o que não é elegante”. E, diz Balzac, “Justiça seja feita aos advogados […]! São os decanos, os chefes, os santos, os deuses da arte de fazer fortuna com rapidez e com uma sagacidade que os torna merecedores de muitos elogios”.
Enfim, “de todas as mercadorias deste mundo, a mais cara é sem dúvida a justiça”.
Não citei na íntegra o texto do Balzac, porque foram esses os únicos fragmentos aos quais tive acesso, os outros foram apagados.
*Formada em Direito, em 1992, na Universidade Federal de Santa Catarina
O show de Trump: renovação ou cancelamento?
A eleição nos EUA e o destino da democracia na condição atualista
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5 anos atrásem
06/11/20por
Aloisio Morais
Nos EUA voto popular não significa vitória. Biden terá mais votos do que Trump e ainda assim o resultado da eleição continuará indefinido por algum tempo. Apesar dos descalabros que marcaram a gestão Trump antes e durante a pandemia, o seu desempenho na atual corrida eleitoral será muito forte.
Mateus Pereira, Valdei Araujo e Walderez Ramalho, professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana, MG
A disputa está sendo muito mais acirrada do que era inicialmente previsto pela maior parte dos institutos de pesquisa e da mídia americana, embora a cautela e o medo nunca deixaram de estar presentes. Sob esse ponto de vista, as eleições deste ano são como uma repetição do que vimos em 2016, ainda que o resultado possa ser a derrota eleitoral para Trump. Em 2016 foram os democratas que denunciaram a interferência russa, agora é o presidente-agitador que se apressa em questionar a legitimidade do pleito, sem mostrar nenhuma prova. Sabemos que no ambiente do atualismo provas têm como base apenas convicções.
Um sistema eleitoral que sobreviveu por séculos, sem grandes mudanças, pode ter se tornado obsoleto desde a eleição de Bush, em 2000. Um lembrete do possível declínio da democracia americana: das últimas oito eleições presidenciais desde 1992, os democratas venceram no voto popular as últimas sete, mas em apenas quatro ocasiões ganharam o colégio eleitoral e fizeram o presidente.

Acreditamos que as eleições nos EUA são um exemplo do confronto entre duas estratégias e duas concepções sobre fazer política: de um lado, Trump e sua promessa de eterna atualização da atualidade em modo nostálgico; e Biden, com sua aposta moderada no cansaço na agitação atualista que seu adversário republicano encarna e radicaliza, e a retomada da política em moldes liberais. Essa retomada é feita sem uma crítica efetiva ao modelo neoliberal abraçado pela cúpula do partido democrata. Uma aposta radical, como Sanders, teria se saído melhor? É difícil dizer, mas tudo leva a crer que não, tendo em vista o complicado xadrez do voto estado a estado.
A escolha entre as duas estratégias/concepções se mostrou muito mais difícil e apertada do que se imaginava. A tal “onda azul” anunciada por parte da imprensa estadunidense esteve longe de acontecer. De fato, Trump se mostrou eleitoralmente muito mais forte do que os analistas supunham. Considerando que esta não é a primeira vez que os institutos de pesquisa falharam em captar esse movimento no eleitorado americano, e considerando também que fenômeno semelhante ocorreu no Brasil em 2018, coloca-se a questão de saber se as tradicionais pesquisas de opinião tornaram-se de alguma forma obsoletas em um mundo atualista. Esse quadro muda pouco, mesmo com uma eventual vitória de Biden ou pior, com uma inconveniente reeleição de Trump.
São vários fatores que devem ser considerados para avaliar essa questão. Os próprios institutos se apressaram a ensaiar algumas explicações ao público. O diretor da Trafalgar Group, Robert Cahaly, afirmou que muitos eleitores “esconderam”, como já havia acontecido, sua preferência por Trump por algum receio ou constrangimento social.[1] Não podemos desconsiderar algum tipo de boicote/sabotagem dos eleitores republicanos, já que na retórica do trumpismo as pesquisas de opinião fazem parte da mídia vendida. Outros recorreram à justificativa de que as pesquisas anteriores representavam apenas fotografias do momento específico em que as entrevistas foram feitas, e não o que se poderia esperar na eleição propriamente dita. Isso poderia ter sido de fato observado pela tendência de redução da vantagem de Biden nos últimos 15 dias. Afinal, o episódio da contaminação de Trump e sua rápida recuperação pode ter tido um saldo positivo, ao menos na mobilização de sua base, como já havíamos especulado em coluna anterior.
Aceite-se ou não essas justificativas, fato é que os institutos de pesquisa sairão dessas eleições com sua credibilidade e imagem pública mais arranhadas, sobretudo diante das especificidades do sistema eleitoral americano. Como afirmamos, muitos fatores concorrem para esse desgaste. Um deles está relacionado à condição atualista que caracteriza o nosso presente e como cada um dos candidatos se coloca frente a tal condição.

Trump é um político bastante sintonizado com o ambiente da comunicação atualista onde as provas dispensam comprovação factual. Seja nas redes sociais, seja em seus concorridos comícios, o presidente se revela um comunicador difícil de ser batido. Dentre os aspectos associados à condição atualista, destacamos a intensidade e velocidade sem precedentes do fluxo de notícias, em detrimento dos protocolos de verificação e checagem da informação veiculada. Esse ambiente infodêmico[2] é particularmente fértil para a produção de desinformação e sua disseminação como misinformação.[3] Além das informações imprecisas, para não dizer apenas falsas, que a infodemia trumpista ajuda a difundir, é preciso levar em consideração a agitação/ativação que produz. É como se a oposição se agitasse confusamente e a base trumpista se ativasse a cada um de seus comentários polêmicos. Assim, o uso constante das redes sociais para disseminar fake news ou comentários faz com que, seja de modo positivo ou negativo, o presidente esteja sempre no foco da mídia. O acúmulo de notícias sobre suas falas ou atos inconsequentes faz com que seja difícil recuperar qual foi o absurdo dito ou feito na semana anterior. Na condição atualista há um valor excepcional em estar mais atualizado (e exposto) que o seu adversário.
Ainda assim, a manipulação das fake news como ferramenta política supõe uma linguagem organizada para se tornar eficaz. Essa afirmação pode soar chocante à primeira vista: como podemos atribuir coerência a um discurso fundamentado em desinformação e que frequentemente e sem o menor pudor afirma hoje o contrário do que disse ontem, como o exemplo do uso de máscaras na pandemia?[4] O ponto aqui é que a condição atualista coloca muitos obstáculos para que o passado, mesmo o mais recente, seja trazido à reflexão. Assim, quando confrontados com suas próprias contradições, políticos atualistas como Trump e Bolsonaro simplesmente atualizam suas narrativas e afirmações quando as anteriores se tornam insustentáveis. Com muita frequência, os seus discursos mudam em função da conveniência da atualidade, sem a mínima necessidade de se prestar conta da contradição com o que eles mesmos diziam no dia anterior.
Essa estrutura atualista do discurso político só se torna eficaz, porém, no interior de uma linguagem organizada e facilmente identificável pelo público que a compartilha, no interior de uma condição material de reorganização do mundo do trabalho e do capital. A crise de 2008, concentração de renda, neoliberalismo, capitalismo de vigilância e a formação do atual “precariado” são elementos, dentre outros, fundamentais para entender a emergência de líderes que governam e são eleitos por pequenas maiorias mobilizadas pela historicidade e ideologia atualista. Só assim podemos entender a força de Trump na eleição independente do resultado final, ainda que sua derrota interesse a todos os democratas do mundo.

Trump lança mão de artifícios retóricos quando confrontado com suas afirmações evidentemente baseadas em mentiras e contradições, de tal maneira que ele consegue, mesmo em tais situações, transmitir e reforçar o código entre o seu público. O código se estrutura em uma lógica antagonista, na qual o portador é sempre vítima de perseguição por parte do establishment e da imprensa vendida para a “esquerda corrupta” ou as corporações globalistas.
O ponto principal a ser considerado é que para ser politicamente eficaz não é necessário que o código seja compartilhado por todos; mas que seja continuamente ativado junto aqueles que já o compartilham. Por mais que esteja sustentado em desinformações, o fato é que o código é bastante poderoso na ativação de afetos políticos centrais como o medo, ódio e ansiedade, vetores de forte engajamento e agitação política que Trump e Bolsonaro sabem tão bem promover.
O sucesso dessa estratégia se coaduna com a popularização das redes sociais e dos smartphones, bem como das novas tecnologias de processamento de dados manipulados para fins políticos. Nesse contexto, tornou-se possível criar e difundir mensagens sob medida para cada tipo de público, cada indivíduo ou grupo formula suas próprias percepções sobre o mundo a partir de narrativas (códigos) que não mais precisam ser expostos publicamente a todos para serem eficazes. Após alguns reconhecimentos iniciais, os algoritmos se encarregam de abastecer-nos das notícias que nos mobilizam, sempre com o mesmo teor e formato. Reforça-se, assim, o fenômeno das “bolhas”.[5] Esses códigos podem circular de forma subterrânea, de tal modo que o que parece absurdo e chocante para uns, é perfeitamente aceitável e normalizado para outros.
Esse ambiente de circulação de notícias e códigos é condizente com a ordem atualista de nosso tempo e, ao nosso ver, é um fator importante a ser considerado no desempenho surpreendente de Trump nestas eleições. E um dos preços a se pagar para tal sucesso é a radicalização do clima de agitação que tem marcado a nossa época. Esse quadro tem resultado inclusive em distúrbios psicológicos cada vez mais comuns, como o “transtorno do estresse eleitoral”, que segundo estimativas afeta sete em cada dez cidadãos estadunidenses.[6]

Os políticos atualistas claramente não se importam em pagar esse preço, na verdade eles têm lucrado com isso. Mas, ao fim e ao cabo, eles não podem evitar completamente os efeitos colaterais de suas apostas. Agitação e dispersão geram também cansaço no eleitorado. Biden e os democratas tomaram esse efeito como vetor de suas estratégias para estas eleições. Frente à irrefreável agitação de Trump, Biden se vendeu como a opção mais “centrista”, de moderação e convergência. A divergência entre as duas estratégias foi mais uma vez demonstrada logo após o fechamento da votação: enquanto Trump se apressou em declarar-se vencedor e dizer que irá judicializar a eleição em caso de derrota, Biden classificou tal postura como “ultrajante” e pregou calma aos seus apoiadores[7].
Mesmo que a vitória do democrata seja confirmada, é inegável que o preço desse lance foi bastante alto. A imprensa americana noticiou como parcelas importantes do eleitorado negro, que o próprio Biden afirmou ser “a chave para a vitória”, relataram estarem pouco motivados a votarem no candidato democrata.[8] O mesmo ocorreu entre parte do eleitorado hispânico, em especial na Flórida e no Texas. O conservadorismo nos costumes, a adesão a denominações evangélicas que tem crescido entre hispânicos e a tradição anticomunista dos cubanos, e agora também venezuelanos, na Flórida, são fenômenos a serem considerados. Enquanto fechamos essa coluna Trump ainda lidera na Pensilvânia, estado no qual o operariado branco migrou dos democratas para o trumpismo. No último debate, Biden acabou por reconhecer que teria que acabar com a exploração do altamente poluente gás de xisto, o que foi imediatamente explorado por Trump: “Eis uma declaração importante”, ironizou o presidente. Caso perca por margem apertada na Pensilvânia, onde os trabalhadores dessa indústria são amplamente sensíveis ao tema, talvez essa declaração tenha custado a eleição.
Para entender melhor essas flutuações teríamos que fazer algo pouco praticado durante a campanha, uma avaliação retrospectiva fundada em boa informação acerca das políticas públicas implementadas por democratas e republicanos, em especial nos governos Obama e Trump. O apoio ao republicano não é apenas resultado da mágica da comunicação, deriva também da tibieza das políticas democratas e dos acertos de Trump. Reforma do sistema criminal, política externa menos intervencionista, foco na economia e na criação de empregos, com bons resultados, ao menos até a pandemia.
A decisão das eleições primárias do Partido Democrata em nomear um candidato “centrista” para concorrer nessas eleições – ao contrário de uma opção mais radical do populismo de esquerda como Bernie Sanders – foi importante para unificar o partido (em especial o seu establishment) e angariar o apoio do eleitorado “cansado” da agitação radicalizada. Por outro lado, a figura moderada de Biden não se mostrou capaz de promover um grau de engajamento e mobilização do público à altura do seu adversário agitador, nem está claro ainda se seu discurso de união nacional conseguiu atrair eleitores de Trump. Essa diferença é importante em um contexto onde o voto não é obrigatório e, no caso particular das eleições deste ano, ainda mais desencorajado pela pandemia do coronavírus.
Mesmo assim, a moderação pode ter sido eficaz para para derrotar a agitação, mas não para desativá-la. E ainda não podemos assegurar como os EUA sairá dessas eleições, pois Trump continua sendo quem é. Há ainda o risco de o agitador perder e não aceitar sair, e as consequências disso poderão ser catastróficas. E mesmo que ele saia, o trumpismo – o negacionismo, o anti-esquerdismo, o desejo de retorno a um passado glorioso e mítico – ainda permanecerá em parcelas consideráveis da população.

O que tudo isso ensina para o campo democrático brasileiro, que tem de enfrentar a sua própria versão de agitador atualista? Desde o início da votação nos EUA, Bolsonaro disparou freneticamente uma série de tweets ressoando as alegações infundadas de seu ídolo sobre as eleições serem “fraudadas” a favor dos democratas, o que seria um risco para a “liberdade” e para o Brasil. Afinal, nosso agitador atualista tupiniquim sabe bem que a permanência de Trump é uma força de sustentação fundamental para ele. As relações entre EUA e Brasil deixaram de ser uma relação entre Estados, mas sim uma relação de “amizade” (leia-se emulação e, do nosso ponto de vista, subserviência) entre os chefes de turno da Casa Branca e do Palácio do Planalto.
Assim, e seguindo o estilo atualista de fazer política, Bolsonaro ressoa as afirmações sem fundamento de Trump, sem se preocupar com a veracidade e desprezando o princípio diplomático básico da impessoalidade. Mas Bolsonaro também tem seu próprio código “alternativo”, cujo enfrentamento é a tarefa prioritária das forças democráticas no Brasil, que deverá avaliar e tomar suas próprias escolhas para vencer o confronto. Assim como o trumpismo, nos Estados Unidos, o bolsonarismo é um fenômeno que não necessariamente depende da permanência de Bolsonaro no poder: ele mobiliza parcelas consideráveis da população através de seus discursos, que defendem o conservadorismo nos costumes, o liberalismo na economia, a luta contra “o sistema”, a religião e a admiração pelo militarismo.
Será que a aposta moderada e centrista será suficiente para derrotar o bolsonarismo aqui? Mesmo que por pouco? Ou, em nosso contexto particular, faz-se necessário redobrar a aposta na radicalização pela via da esquerda? Mesmo que a vitória de Biden seja confirmada, ainda não está claro qual das duas vias parece a mais indicada para o Brasil. Enfim, tudo indica um destino trágico da democracia liberal de “pequenas maiorias” em tempos de agitação atualista. Sem negar a nossa atual realidade, cabe a nós pensar e imaginar alternativas, por mais difícil que pareça ser em nosso atual nevoeiro e impregnados por uma sensação de asfixia. Além disso, a lentidão com que a apuração avança em alguns estados decisivos promete nos deixar hipnotizados pelos mapas eleitorais na expectativa da atualização decisiva.
(*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Ambos são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto, em Mariana (MG). Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição. Agradecemos à Márcia Motta e ao grupo Proprietas pelo apoio e interlocução nesse projeto.
[1] https://noticias.uol.com.br/colunas/thais-oyama/2020/11/04/o-eleitor-oculto-de-trump-e-o-novo-erro-dos-institutos-de-pesquisa.htm
[2] PEREIRA, Mateus; MARQUES, Mayra; ARAUJO, Valdei. Almanaque da COVID-19: 150 dias para não esquecer, ou a história do encontro entre um presidente fake e um vírus real. Vitória: Editora Milfontes, 2020.
[3] Usamos aqui um neologismo para dar conta da diferença que em inglês é mais clara entre a produção deliberada de notícias falsas (disinformation) e sua disseminação involuntária (misinformation).
[4] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/07/20/trump-muda-discurso-e-agora-diz-que-usar-mascara-e-patriotico.htm
[5] EMPOLI, Giuliano Da. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algorítimos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo: Vestígio, 2019.
[6] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/10/quase-sete-em-cada-dez-americanos-relatam-transtorno-do-estresse-eleitoral.shtml
[7] https://br.noticias.yahoo.com/em-pronunciamentos-biden-prega-calma-e-trump-faz-acusacao-de-roubo-065922289.html
[8] https://www.aljazeera.com/news/2020/9/12/biden-battles-trump-lack-of-enthusiasm-among-black-voters
Feminismo
Que tal ajudar Mariana Ferrer a obter Justiça?
Não basta lacrar. Um chamamento a todas as feministas e a todas as mulheres para que enfrentemos a misoginia dos tribunais brasileiros
Publicadoo
5 anos atrásem
05/11/20
A reportagem do Intercept Brasil sobre a denúncia de estupro da influencer Mariana Ferrer tornou-se viral nas redes. Sob o título JULGAMENTO DE INFLUENCER MARIANA FERRER TERMINA COM SENTENÇA INÉDITA DE ‘ESTUPRO CULPOSO’ E ADVOGADO HUMILHANDO JOVEM, o texto da repórter Schirlei Alves serviu de base para milhares e milhares de postagens sobre a excrescência jurídica que teria embasado a absolvição do empresário André de Camargo Aranha. Até as 15h30 de ontem (4/11), o Google devolvia 781.000 resultados, quando se procurava pela expressão “estupro culposo”. Memes, charges, textões e textinhos foram produzidos em escala industrial para provar que um estuprador havia conseguido sentença absolutória graças a uma invencionice jurídica obrada pela Justiça, com vistas a proteger um macho branco, amigo de poderosos e, ele mesmo, “filho do advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, que já representou a rede Globo em processos judiciais”, segundo a reportagem do Intercept.
Lida toda a sentença de 51 páginas do juiz do caso, Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, entretanto, constata-se que, em nenhum momento da sentença é dito que houve “estupro culposo” contra a jovem. Ao contrário, é dito que não existe essa tipificação e que o estupro é necessariamente doloso. Portanto, está errada a formulação do título do Intercept Brasil.
Está tão errada que o próprio site The Intercept Brasil foi obrigado, às 21h54, nada menos do que 19 horas e 50 minutos depois de publicada a história, a fazer uma “atualização” que diz assim:
“A expressão ‘estupro culposo’ foi usada pelo Intercept para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo. O artíficio é usual ao jornalismo. Em nenhum momento o Intercept declarou que a expressão foi usada no processo.”
O Intercept faz como a música de Tom Zé: “Eu tô te explicando pra te confundir. Eu tô te confundindo pra te esclarecer.” Uma explicação que confunde. E, sim, o Intercept disse que a sentença inédita baseou-se no “estupro culposo”.
É só ler o título indigitado de novo:
JULGAMENTO DE INFLUENCER MARIANA FERRER TERMINA COM SENTENÇA INÉDITA DE ‘ESTUPRO CULPOSO’ E ADVOGADO HUMILHANDO JOVEM
Com as redes ajudando a espalhar a bobagem, todo mundo louco atrás de cliques, de “bombar”, da lacração, poucos deram-se ao trabalho de ler a sentença que, sim, absolveu o réu André de Camargo Aranha por “falta de provas”.
Uma pena.
Se, em vez da lacração, tivessem mirado no fato em si da absolvição do crime de estupro “por falta de provas”, talvez tivessem ajudado muito mais. Sabe-se que a cada 8 minutos uma mulher ou menina é estuprada no Brasil. Mas a maior parte desses crimes jamais será nem sequer investigada pela falta de indícios e elementos probatórios, já que ocorrem escondidos e, preferencialmente, sem testemunhas.
Mariana Ferrer, diz a sentença, não conseguiu provar a acusação que fez contra André de Camargo Aranha. Será? Está na sentença que o exame toxicológico não apontou o consumo de substâncias estupefacientes, como seria de se esperar se ela tivesse ingerido involuntariamente alguma droga do tipo “Boa Noite Cinderela”. A maioria das testemunhas ouvidas, várias mulheres inclusive, disse que a vítima não cambaleava e que não parecia dopada. As câmeras internas do Café de la Musique, onde teria ocorrido o estupro, mostram Mariana Ferrer subindo para um camarote e descendo, seis minutos depois, sem necessidade de ajuda (e de salto!!!!, como faz questão de ressaltar a sentença). Teria transcorrido nesses seis minutos o crime de estupro, de que Mariana Ferrer não tem memória.
Mas Mariana Ferrer diz ter inúmeras provas irrefutáveis do estupro e que nem sequer foram levadas em consideração pelo julgador.
E, no entanto, todas as mulheres sabem da dificuldade de “provar” a violência sexual, quando ela ocorre entre quatro paredes, sem testemunhas. Mariana Ferrer não seria exceção. Nos trechos da vídeo-conferência que foi o julgamento, assombra a solidão da menina que denuncia, vítima de outros homens violentos, que a acusam de ser (ela sim), um monstro querendo prejudicar a reputação de um “pobre milionário”.
Como sempre acontece, a vítima deixa de ser vítima para se transformar no monstro sensual e ardiloso que precisa ser contido. A qualquer custo.
A verdade é que Mariana Ferrer estava sozinha.
Desde o dia em que alega ter sido estuprada (15/dezembro/2018), Mariana Ferrer tem pedido ajuda pelas redes sociais e tem narrado todo o sofrimento e a depressão que a assolam em decorrência do fato.
Quem foi ajudá-la a reunir provas? Quem foi ajudá-la a colher testemunhos que aumentassem a credibilidade de sua acusação? Quem foi ao Café de la Musique, onde ocorreram os fatos julgados, procurar indícios de que ali funcionaria um “abatedouro” de meninas destinadas ao gozo masturbatório de machos alfa? Quem?
Ou achamos razoável condenar alguém sem elementos probatórios que apoiem a denúncia?
Não, não é razoável.
Apenas a voz da vítima não pode embasar uma condenação. E quem defende isso precisa saber que abdicar de provas é apenas a reedição do velho punitivismo, é vingança. Não é Justiça. Pior, resultará na condenação sem provas dos mesmos criminalizados de sempre: os pretos, pobres e periféricos.
A única forma de evitar a perpetuação desse ciclo perverso requer de nós nós, feministas, que encaremos o estupro, cada estupro, como um problema nosso!
Temos de ajudar as vítimas a robustecer as provas da violência que sofreram. Temos de afrontar a Justiça machista, exigindo a presença de mulheres no julgamento. Tem de ser um trabalho nosso enfrentar a misoginia cuspida e escarrada de gente como Cláudio Gastão da Rosa Filho, o advogado de defesa de André de Camargo Aranha, que humilhou e ofendeu Mariana Ferrer enquanto exibia fotos dela que nada tinham a ver com o processo! Que nenhuma mulher mais tenha de enfrentar um julgamento de estupro apenas diante de homens, na solidão absoluta, como acontecia com as antigas feiticeiras.
Temos de incentivar a solidariedade entre nós, mulheres, para que acolhamos as vítimas, em vez de fingir que se trata de um problema só delas. Não há mulher ou menina que não tenha sido atacada ao menos uma vez em sua vida pela violência sexual. E nós sabemos disso em nossos próprios corpos!
É o pai, é o tio, é o avô, é o tarado que mostra o pinto para a adolescente, é o abusador que se acha no direito de ejacular na mulher dentro do trem lotado…
Temos de organizar o “Socorro Feminista”, para apoiar as mulheres que decidem denunciar a violência sexual.
Os tribunais brasileiros são câmaras de tortura contra mulheres, negros, indígenas e pobres em geral. As cenas de humilhação de Mariana Ferrer não são, infelizmente, exceções. São a regra.
É preciso atuar sobre esse front.
Então, precisamos entender que não se trata de um problema privado de Mariana Ferrer o desenlace de sua denúncia. É de todas nós!
Lembro da França, em 1971, quando uma mulher foi presa e julgada pelo crime de aborto, na época punível com a pena de morte pela guilhotina!
Em vez de “solidariedades”, textões de repúdio, e essas lacrações inúteis, 343 mulheres, entre elas as atrizes Catherine Deneuve e Jeanne Moreau, assinaram o manifesto escrito por Simone de Beauvoir, e assumindo que haviam feito, elas também, um aborto. A força desse texto e a coragem das signatárias empolgaram intelectuais como Françoise Sagan e Annie Leclerc, jornalistas conhecidas, de muitas feministas, a começar por Antoinette Fouque, da advogada Gisèle Halimi ou ainda da deputada socialista Yvette Roudy. Todas declararam ter realizado um aborto, como forma de quebrar o tabu de uma injustiça social.
A Justiça no Brasil é machista, é racista e é classista. Só incidindo juntas sobre ela será possível mudar esse regramento que sempre condena a vítima e libera o agressor.
Mariana Ferrer deve recorrer da sentença em primeira instância. Agora, é organizar a luta para mudar o rumo da História. Quem se dispõe?
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Beatriz
03/10/19 at 21:08
Incrível mesmo como o projeto de apropriação dos espaços de poder na esfera política esteja se alastrando velozmente, aproveitando todas as brechas, todos os segmentos que de uma forma ou outra e no decorrer do tempo foram sendo negligenciados, seja pelo trabalho de base da esquerda ou até mesmo as pastorais da Igreja Católica que tinham tanta força de atuação num passado nem tão distante e respaldados pela Teologia da Libertação, como bem mencionou o Loureci Ribeiro.
“Estão avançando sobre os conselhos com o intuito de colocá-los a serviço de políticas ditatoriais e falsomoralistas, que tendem a derrubar direitos das crianças e das suas famílias”, completa Loureci, que critica a desmobilização da Teologia da Libertação nesse processo. “O trabalho dos setores progressistas da Igreja Católica foi fundamental nos anos 90 para alicerçar as bases de uma política de conselhos comprometida com um Estado laico, democrático e pluralista, mas as pastorais se dissolveram ou se acomodaram nos últimos anos.”
As igrejas evangélicas fundamentalistas souberam aproveitar como ninguém essa proximidade estratégica com um povo privado de toda a assistência e que vê nesses pastores oportunistas a possibilidade de algum amparo. Daí a angariar votos de um rebanho de milhares de crentes espalhados por todo o território nacional, é mel na chupeta, como se diz.
Adriano Casseli
04/10/19 at 11:17
Deus acima de tudo é Jesus acima de todos o Brasil é nosso agora
Andre Dutra
04/10/19 at 12:20
Acho que o texto deveria conter nomes de candidatos contrário a essa praga chamada universal, facilitaria para quem quer votar mas não conhece os candidatos.
Berenice Silva de Miranda
04/10/19 at 21:25
Tô ciente preocupada e tentando divulgar ao máximo. Muitas pessoas querem acessar as listas para a escolha e não estão encontrando na internet
ISSO dificulta MUUUITO.
Que situação vivemos
Se fala de tudo, menos a lista.
Se alguém tiver um link de lista de candidatos de Belém, informe.
Valeu a REPORTAGEM
Vera Lúcia
05/10/19 at 9:02
Parabéns pela matéria bem explicativa. Vamos conversar sobre o assunto em todas as redes sociais.
Alvaro
06/10/19 at 0:31
FALTAm detalhes! Ainda não descobri na minha região o candidato(a) com currículo progressista, do movimento popular para votar. Amanhã irei à prefeitura para verificar caso não consiga ainda hoje.
ELIAS FAJARDO DA FONSECA
06/10/19 at 4:15
Procure junto a seus amigos e grupos organizados candidatos que se comprometem a cuidar verdadeiranenre de crianças e adolescentes. Evitem candidatos que querem fazer dos conselhos tutelares veiculos para suas ideias e crencas religiosas.
Elias
ELIZABETH PEPICON LOURENCO
06/10/19 at 16:18
Creio que o coiso e macedo ganharão a causa. A IGNORÂNCIA do povo brasileiro é imensamente maior do que o bom senso.
Maria Elizabete Figueira
07/10/19 at 5:19
Onde este artigo estava retido que só apareceu hoje (5) na minha TL?
Jossemar Santos de Oliveira
07/10/19 at 15:20
Parabenizo a reportagem no tocante ao papel do Conselho Tutelar.
Quanto ao aparelamento faltaram detalhes,no tocante a Florianópolis.
1. Dos 24 candidatos, apenas um se declarou evangélico publicamente. (Eu).
2. A Palestra da OAB foi prestigiada apenas por alguns candidatos e membros do MP. Menos de 40 pessoas.
3. Nos dois debates ocorridos, um na Escola Marista e outro no Campo Santo a presença não chegou a 10 pessoas que não estivessem envolvidas com os candidatos ou com a organização.
Acredito que não é atacando os que pensam diferente que construiremos uma sociedade melhor.
Sobre a conduta da Silva Igreja Universal, ela é legítima, entretanto, devemos reprovar, coibir e denunciar práticas que são vedadas na lei eleitoral, Tais como o campanha nos cultos religiosos, transporte de eleitores e patrocínio financeiro. Estes atos tiram a igualdade de chances entre os candidatos.
Uma simples verificação nos resultados permitirá uma avaliação para sabermos se houve uso de estruturas religiosas, partidárias e sociais para captar votos. Assim denunciarem os os 3 segmentos que mais utilizam-se de práticas ilegais para elegerem seus candidatos.
Jossemar – Florianópolis