Haddad chama de “oportunista” quem relaciona as mortes de moradores de rua à ação da GCM

A morte do menino Waldick Gabriel Silva Chagas, de 11 anos, causada por um tiro na nuca disparado por um guarda civil metropolitano da cidade de São Paulo, colocou o prefeito Fernando Haddad (PT) em xeque. Defensor dos direitos humanos e da desmilitarização da Polícia Militar, ele é, em última análise, o chefe máximo do homem que apertou o gatilho. Haddad também foi acusado de acobertar agentes da guarda civil que estariam maltratando a população de rua, durante a recente onda de frio que baixou sobre a cidade.

Nesse período, e com a situação política conflagrada, as mortes de seis moradores de rua em São Paulo foram imediatamente imputadas à ação da guarda.

Para comentar essas acusações, os Jornalistas Livres procuraram o prefeito Fernando Haddad, pré-candidato do PT às eleições municipais deste ano. Segundo ele, o caso do menino Waldick é uma “tragédia tristíssima”, “irreparável”, mas trata-se de um fato isolado. Ele admite a validade de discutir o desarmamento da GCM.

Quanto às mortes dos moradores de rua, Haddad entende que vinculá-las a uma ação da GCM ou da Prefeitura é puro “oportunismo”, comprado imediatamente pela imprensa tradicional. “Eu não quero proteger ninguém que errou. Se a pessoa errou, que pague na medida do seu erro. Na primeira semana de governo, nós demitimos um guarda civil metropolitano porque ele deu uma gravata em um skatista na praça Roosevelt. Ora, se uma pessoa que deu uma gravata num skatista, a gente pôs pra fora, porque seríamos coniventes com uma pessoa que violou o direito de um morador em situação de rua, que é muito mais vulnerável?

Abaixo, os principais trechos da entrevista, em que Haddad, que também é cientista político e professor da USP, comenta as mobilizações de junho de 2013, contra o aumento das tarifas dos transportes, e analisa a situação política aberta com o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

 

JORNALISTAS LIVRES – A Guarda Civil Metropolitana está fora de controle?

FERNANDO HADDAD – Não, absolutamente.

JORNALISTAS LIVRES – O senhor vai substituir o comando da Guarda Civil Metropolitana?

FERNANDO HADDAD – Em função do quê?

JORNALISTAS LIVRES – Da morte do menino Waldik Gabriel Silva Chagas, de 11 anos.

FERNANDO HADDAD – Nós vamos apurar de maneira rigorosa as responsabilidades. E, como tudo leva a crer que o guarda não seguiu os protocolos básicos, ele vai ser desligado do serviço público e provavelmente responderá a inquérito por homicídio culposo. Agora, se fosse para substituir o comando da GCM em função dessa ocorrência, o Comando da Polícia Militar teria de ter sido substituído 191 vezes, já que a PM esteve envolvida na morte de 191 adolescentes nos últimos seis anos. Digo isso só para seguir o mesmo critério. Mas ninguém está falando das 191 mortes de adolescentes que ocorreram nos últimos seis anos em decorrência de ação da PM (e não estou entrando no mérito de cada ocorrência, porque não tenho conhecimento). Por que então imaginar que se vá trocar o comando da GCM por causa desse trágico caso, tristíssimo, irreparável, mas isolado (foi um caso em três anos e meio)? Eu acho que a Guarda faz um bom trabalho. Eu gosto da Guarda, acho que o contingente, o efetivo, é muito comprometido com a cidade. Agora, se você tem um ou outro indivíduo que está passando do limite, é chegar ao conhecimento da administração que ela toma providência.

JORNALISTAS LIVRES – No seu governo, quantos adultos morreram em decorrência da ação da GCM?

FERNANDO HADDAD – São 15 ações da GCM em que houve tiros. E dez pessoas que morreram em decorrência dessas ações, todas investigadas.

JORNALISTAS LIVRES – Por que não desarmar a Guarda Civil Metropolitana, já que a função dela é zeladoria?

FERNANDO HADDAD – Esse debate está surgindo agora, em função deste episódio. Eu, como cidadão favorável à desmilitarização da Polícia Militar, acho a tese do desarmamento da GCM discutível. Tem de ver as condições que os agentes terão de dar segurança aos equipamentos públicos, uma vez desarmados. A sensação que eu tenho é de que talvez eles não tenham condições de fazer isso em determinadas localidades. Existe muito roubo a equipamentos públicos. Eu não sei se seria possível segurar um roubo estando desarmado.

JORNALISTAS LIVRES – Mas aí se chamaria o 190, a Polícia Militar.

FERNANDO HADDAD – É uma questão a ser discutida. Como sou a favor de desmilitarização, é um debate que tem de ser feito com a sociedade de maneira sóbria.

JORNALISTAS LIVRES – Mas houve também denúncias contra guardas civis metropolitanos por sua intervenção contra moradores de rua.

FERNANDO HADDAD – Em primeiro lugar, dentre as muitas atribuições da GCM, que tá em parques, em UBS, em escolas, está a atuação na segurança urbana para evitar problemas que podem causar vulnerabilidade nas pessoas. Um dos trabalhos dela, por exemplo, é evitar que pessoas vulneráveis fiquem em canteiros centrais de grandes avenidas. Estou citando um trabalho que nunca é comentado. Qualquer cidadão que se posicione em um canteiro central de grande avenida tem de ser abordado em função do programa de redução de mortes no trânsito. A guarda vai lá e fica o tempo que for necessário para que a pessoa deixe aquele local.

JORNALISTAS LIVRES – Por quê?

FERNANDO HADDAD – Porque muita gente é atropelada quando acorda. Por enfermidade, por não ter agilidade em atravessar a rua. Esse trabalho acontece no mini-anel, na avenida do Estado, avenida dos Bandeirantes, marginais, alças das marginais. Eu já ouvi gente dizer que esse trabalho é higienismo, por exemplo. Mas eu vou deixar a pessoa no canteiro central, naquelas condições? Ela vai morrer. O índice de mortos por atropelamento nessas condições é enorme…

JORNALISTAS LIVRES – Mas não é higienismo dizer, como o senhor disse, que é contrário à favelização das praças da cidade?

FERNANDO HADDAD – Quando aglomera muitos barracos em uma praça ou num logradouro, tipo largo de São Francisco, parque Dom Pedro… O que invariavelmente acontece? Vira uma biqueira [local de venda de drogas]. A consequência é que os agentes públicos não conseguem mais entrar no local. Não se consegue mais convencer uma assistente social a entrar. Não se consegue mais convencer um agente comunitário de saúde a entrar. Não se consegue mais que um guarda civil metropolitano entre. Encerra o assunto. Isso acontecia na praça Princesa Isabel, na praça da Sé, na praça Marechal Deodoro. Em todos os lugares que a imprensa chamava de “mini-cracolândias”. E na verdade não eram mini-cracolândias. Eram assentamentos precários que juntavam 20, 30, 40 barracos e aí aquilo virava uma biqueira em função do biombo que se criava por aquela conformação. Pois bem: tudo isso foi desmobilizado em diálogo com os beneficiários, com os moradores de rua, que foram levados para hotéis, para o programa “Família em Foco”. Na Luz, também havia uma aglomeração de barracos, que a “Folha de S.Paulo” chamava de “favelinha” – foi por isso que eu usei o termo “favelização”. Foi uma palavra equivocada em função da pergunta que me foi feita. E o que fizemos? Chamamos os usuários aqui, construímos o programa “De Braços Abertos” com eles, alugamos os hotéis que serviam ao tráfico e à prostituição e os transformamos em abrigos.

JORNALISTAS LIVRES – A qualidade desses hotéis, entretanto, é bastante criticada pelos usuários.

FERNANDO HADDAD – Não é ideal. Mas é melhor do que a rua. E foi feito um acordo com os usuários pelo qual a prefeitura provê alojamento, alimentação e acompanhamento médico. Trabalha nas frentes de trabalho [de coleta de lixo e limpeza] quem tem condições de trabalhar. Trabalha quando quer e só ganha quando trabalha. São R$ 15 por dia. Quem trabalha três dias, ganha o sábado. Trabalhando cinco dias, ganha o domingo. Resultado: não existe mais a tal “favelinha” da Cracolândia, que os próprios usuários desmobilizaram. Eles mesmos fizeram questão de carregar os caminhões que ajudaram a desmontar.

JORNALISTAS LIVRES – Mas a Cracolândia ainda está cheia…

FERNANDO HADDAD – Aquela aglomeração é a aglomeração do tráfico. São cem quilos, segundo estimativa da imprensa, que bate com a nossa. Cem quilos de droga por mês. O que dá mais ou menos a nossa estimativa de 3.000 pedras por dia, comercializadas só na região da Luz. Falam em controlar as fronteiras brasileiras, mas eu gostaria muito que controlassem só aquele quarteirão. Já seria um salto de qualidade incrível.

JORNALISTAS LIVRES – Pesquisa da Open Society, ong bancada pelo George Soros, divulgada recentemente, revela que 65% dos usuários atendidos pelo Programa De Braços Abertos disseram ter diminuído ou interrompido o consumo de crack…

FERNANDO HADDAD – Só que eu estou há dois anos e meio tentando convencer a mídia local de que não tem como tirar os usuários e dependentes de droga da rua, sem uma atuação como a do [programa] De Braços Abertos. E estamos há dois anos e meio com crítica em cima de crítica, sendo que esta foi a única administração municipal que ousou intervir na região. A cracolândia tem vinte anos e nunca um prefeito ousou intervir naquele local. Sempre foi a PM… O que a GCM faz em relação à população de rua, então, é isso…. Evitar que a pessoa fique nos canteiros centrais das avenidas movimentadas, e evitar assentamentos precários que permitam ao tráfico atuar no sentido de impedir a ação dos agentes públicos.

JORNALISTAS LIVRES – O que o senhor diz em relação às denúncias de abusos de agentes da Guarda Civil Metropolitana contra os moradores de rua?

FERNANDO HADDAD – Eu não descarto que exista tensão na rua, durante as ações de zeladoria. Mas dizer que aconteceu alguma coisa grave a ponto de ser um ato de violência contra um morador de rua? Isso nunca me chegou ao conhecimento. É até possível que tenha havido uma ou outra discussão mais acalorada sobre uma desobstrução, para que a zeladoria aconteça, mas dizer que houve um gesto de violência, como se comenta…

JORNALISTAS LIVRES – Mas arrancar os cobertores de manhã… Eu entrevistei muitos moradores de rua que testemunharam terem sido abordados por agentes da GCM logo de manhã, que lhes tomaram os cobertores.

FERNANDO HADDAD – Cobertor? Eu sinceramente…

JORNALISTAS LIVRES – Sim, vários me falaram.

FERNANDO HADDAD – Estamos falando de 16 mil pessoas vivendo em situação de rua, segundo o censo realizado pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), das quais de 10 a 11 mil são assistidos nos vários programas de acolhimento. Agora, entre 5.000 e 6.000 pessoas não vão para abrigos. Quando tem a Operação Baixas Temperaturas, você abre 2.000 leitos a mais e não preenche. Para que se entenda: trata-se de uma ação de Defesa Civil e, nessas situações emergenciais, não tem horário de entrada e nem de saída; pode entrar e pode sair a qualquer hora. E mesmo assim, com frio a 2ºC, dos 6.000, no máximo 2.000 se abrigam. E isso é considerado bom. É considerado um feito conseguir trazer um terço destas pessoas que não têm nenhum costume de ser abrigado.

JORNALISTAS LIVRES – Qual foi a especificidade de São Paulo para terem ocorrido essas seis mortes? Porque em outras cidades onde faz até mais frio a gente não teve o registro de mortes?

FERNANDO HADDAD – Teve sim. Em Porto Alegre a gente teve.

JORNALISTAS LIVRES – Mas por que em São Paulo este problema tornou-se escandaloso e, em outras cidades, não?

FERNANDO HADDAD – Porque houve uma politização do tema. Claramente, se resolveu politizar um tema.

JORNALISTAS LIVRES – Quem resolveu politizar?

FERNANDO HADDAD – Teve uma conjunção de oportunismo. Oportunismo é uma coisa que está na rua. Apareceu quando se vinculou as mortes a uma ação da Prefeitura. E alguém comprou essa tese. Aconteceu o mesmo quando a mídia comprou a tese do atropelamento do zelador, supostamente acontecida na ciclovia do minhocão. Dizia-se que ele tinha sido atropelado na ciclovia, por causa da ciclovia. Ficou provado que o zelador foi atropelado na faixa de ônibus e que o ciclista estava trafegando pela faixa de ônibus… E, no entanto, se você perguntar para 10 paulistanos: Onde o zelador morreu? Nove vão responder que foi na ciclovia, na faixa de pedestre. Então, a prefeitura tem de trabalhar muito. Não pode descansar enquanto houver uma pessoa na rua com 2ºC de temperatura… Isso tudo é verdade. Agora, vincular a ação da guarda às mortes, só mesmo na base de um imenso oportunismo. A única preocupação é em causar um desgaste para o governo. Só isso. E com informações inverídicas.

JORNALISTAS LIVRES – Então, o sr. acha que existe uma indignação seletiva?

FERNANDO HADDAD – Eu acho que existe oportunismo. Como existiu oportunismo no caso da ciclovia do Minhocão. Eu me senti igual. Eu sei que aquilo não aconteceu da forma como está sendo narrado. Todo mundo acha que aconteceu daquele jeito, contado pela imprensa. E isso vira o que aconteceu. Eu não quero proteger ninguém que errou. Se a pessoa errou, que pague na medida do seu erro. Na primeira semana de governo, nós demitimos um guarda civil metropolitano porque ele deu uma gravata em um skatista na praça Roosevelt. Ora, se uma pessoa que deu uma gravata num skatista, a gente pôs pra fora, porque seríamos coniventes com uma pessoa que violou o direito de um morador em situação de rua, que é muito mais vulnerável? Aqui, o que a gente apura que está errado, nós é que damos publicidade. Não pedimos para ninguém dar. Se houver evidências de que um guarda extrapolou em suas funções, eu serei o primeiro a pedir o afastamento dele.

JORNALISTAS LIVRES – Como o senhor se informa sobre o que acontece no relacionamento entre a população de rua e a GCM?

FERNANDO HADDAD – Nós montamos o primeiro comitê população de rua da cidade que é paritário, com membros eleitos pelos moradores em situação de rua, que se reúne e define a política pública. Tem dois anos isso. Essas pessoas vieram aqui. Se estivesse acontecendo esse tipo de abuso, na escala que está sendo falada, sem excluir eventuais abusos pontuais, desentendimentos, tensões, esses representantes do comitê de população de rua seriam os primeiros a denunciar.

JORNALISTAS LIVRES – Como o senhor prova que a guarda não é culpada pelas mortes?

FERNANDO HADDAD – Passamos três dias pegando a rota da guarda e os locais em que ocorreram os óbitos de moradores de rua, para ver se havia algum cruzamento desses dados. Não havia. E esperamos os laudos do IML sobre as causas das mortes. O diretor do Instituto Médico Legal disse com todas as letras que ninguém morreu de hipotermia, mas sim de AVC, pancreatite, hepatite C e infarto. Embora, ele próprio tenha dito que o frio agrava qualquer doença. Por isso é que é importante acolher as pessoas. Por isso é que é errado você romantizar a permanência da pessoa na rua, como um ato de liberdade, quando a vida dela está correndo risco.

JORNALISTAS LIVRES – Não faltou o senhor demonstrar mais a sua solidariedade aos moradores de rua? Àqueles que sofrem nas ruas?

FERNANDO HADDAD – Eu passei seis meses indo de madrugada para a Luz, quando implantamos o programa De Braços Abertos. Eu fui várias vezes à Cracolândia às duas da manhã. Às vezes, eu saía de um jantar e ia para a cracolândia para entender. Pergunta para os meus ajudantes de ordem. Aquela população é a população em situação de rua mais vulnerável da cidade. E, depois que eu fiz isso, lancei o programa. Bem, estou colhendo os resultados no plano internacional antes de isso ocorrer no plano nacional. E eu não vi ninguém se manifestar a favor disso. Tem um tipo de pensamento na cidade que é anti-estatal, é contra o poder público. Faça o que fizer, o poder público está errado. E, deste ponto de vista, eu não vejo grande distinção entre a esquerda e a direita.

JORNALISTAS LIVRES – Como assim?

FERNANDO HADDAD – Não é à toa que houve uma sinergia entre a direita e os movimentos anárquicos e de negação do poder público em 2013. Isso não foi por acaso. Todo mundo está confuso até agora com o que houve em 2013 e sabe por quê? Se olhassem para a forma anti-estatal veriam que há mais identidade do que diversidade. O viés anti-estatal estava presente em todas aquelas manifestações. Um viés anti-estatal contra qualquer membro da classe política, não importando sua trajetória pregressa, não importando seu histórico de serviços prestados. O Alckmin tem uma trajetória, o Fernando Haddad tem outra? Mas são dois governantes e, segundo essa lógica, todo político é igual.

JORNALISTAS LIVRES – O sr. é candidato?

FERNANDO HADDAD – Sou pré-candidato.

JORNALISTAS LIVRES – Como o sr. vê o seu horizonte político, da cidade e do país?

FERNANDO HADDAD – É difícil. As pessoas só se ligam na eleição na época da eleição. Eu vivi isso em 2012. Mas, diante do quadro que está armado no país, o grau de imprevisibilidade é ainda maior. Eu tomei uma decisão em 2013, quando eu acho que tive um bom palpite sobre o que estava acontecendo. Eu leio as minhas entrevistas da época e acho que eu estava bem situado do ponto de vista conceitual. Na minha opinião, a onda conservadora vem desde a reeleição do Lula. Na primeira eleição do Lula, houve um certo conformismo das elites de que elas teriam de passar pelo Lula. O governo de plantão não estava bem, o Lula vinha na quarta campanha presidencial, com muito prestígio, agregando. Ninguém, entretanto, confiava na capacidade dele de governar, e muito menos de se reeleger. A reeleição do Lula não estava na conta de ninguém. E ali começou a se gestar a contra-ofensiva. Não foi um raio em céu azul, 2013. Foram sete anos para eclodir 2013.

JORNALISTAS LIVRES – Como essa contra-ofensiva teria se organizado?

FERNANDO HADDAD – Foi um trabalho bastante minucioso de rede, de temas… temas que surgiam não se sabe de onde… De repente, na eleição de 2010, o aborto era o tema central. Não se sabia de onde vinha. Em 2012, foi central o tema LGBT e a polêmica em torno do chamado “kit gay”. Em 2014 foi a maioridade penal. E a questão da meritocracia, para atacar as cotas; da vadiagem, para atacar com o Bolsa Família. Eram temas que foram sendo introduzidos na agenda política de forma muito orquestrada. Mas, como o governo tinha pauta própria, foi-se superando. É um erro, contudo, imaginar que não estivessem causando efeito. Não estavam causando efeito eleitoral. Mas, na psique das pessoas, aquilo estava fermentando. Essa intolerância toda a que estamos assistindo hoje, essas aberrações que estamos presenciando em todo canto são decorrência de um movimento que começou naquele período. “O subterrâneo está se mexendo”, eu dizia. A gente está com uma aprovação alta, estamos governando, mas as placas tectônicas estão se mexendo. Uma hora isso vai eclodir. Então, quando apareceu 2013, de certa maneira, eu esperava… Não aquilo e nem naquela dimensão, nem por causa dos 6% de reajuste nas tarifas do transporte público. Mas alguém ia riscar o fósforo.

JORNALISTAS LIVRES – Quem?

FERNANDO HADDAD – Eu não sei se tem um cérebro. Não sei se esse tipo de movimento tem patrocinador, se tem dinheiro. Há estudos mostrando que o comportamento das redes sociais foi anômalo naquele período, com hubs específicos, centros de inteligência, mas eu não sei. Gente entendida no assunto diz que aquilo não foi tão espontâneo quanto parecia. Acho que nem isso é o mais relevante. O mais relevante é entender que existe uma trajetória de 2006 a 2013 que precisa ser compreendida e que ganhava impulso a cada dois anos nos processos eleitorais… Como se crescesse e mudasse de patamar na eleição. Crescesse um pouco mais e mudasse de patamar. Foi tendo um acúmulo. E a crise se abriu em 2013 e 2014, quando o governo federal se desorientou, o que foi muito bem aproveitado pela oposição.

JORNALISTAS LIVRES – Agora, com o golpe contra a presidenta Dilma, como ficam suas chances na disputa pela reeleição?

FERNANDO HADDAD – Difícil prever. Desde 2013, quando eclodiu o movimento que foi muito bem preparado, contra o poder público, contra o Estado, contra a política e a representação, eu decidi que ia governar durante quatro anos, comprometido com o que eu falei na campanha. Mesmo! Eu decidi executar um plano de trabalho que foi legitimado pelas urnas, sabendo que é difícil ser amigo de um governo de esquerda. Todo o resto é fácil. Ser de esquerda fora do governo é fácil. Ser de direita no governo é fácil. E fizemos de tudo para nos tornamos o governo mais probo de muitos anos. A gente procurou fechar as brechas das possibilidades de [cometimento de] ilicitudes.

JORNALISTAS LIVRES – Por último, prefeito, por que 50 km/hora? Saiu da cabeça de quem?

FERNANDO HADDAD – É um padrão da Organização Mundial da Saúde. É lá que está a lista de medidas para atingir a meta de reduzir em 50% das mortes no trânsito até 2020. Uma delas é difícil de cumprir, porque é impopular, que é a redução da velocidade. E tem de fiscalizar! Se você quer mesmo que a lei vigore, tem de fiscalizar. E tem um efeito incrível que os engenheiros de trânsito descobriram: melhora o trânsito. Por dois efeitos: Menos acidentes e fluxo regular. É que, com menos efeito ondulatório do acelera e breca, aumenta a velocidade média. Eu levei seis meses para tomar essa decisão, que é a certa. Mas em política é sempre melhor fazer o certo. E os resultados estão aí. São 9.000 vítimas a menos por ano. Nós tínhamos 33.000 feridos no trânsito de São Paulo por ano. Fechamos 2015 com 24.000. E com a curva caindo. Você não vê mais as cenas de guerra que se viam em São Paulo. O número de mortos caiu em 247, de um ano para outro. Em média, o paulistano gastava 38% a mais de tempo durante o dia do que nas madrugadas para fazer os mesmos trajetos. Caiu para 29%.

JORNALISTAS LIVRES – E a chamada “indústria de multas”?

FERNANDO HADDAD – De 2011 a 2015, a cidade arrecadou R$ 1 bi por ano com multas. Portanto, isso está estagnado. E sempre é bom saber que 70% das placas não recebem nenhuma multa por ano. E que 5% das placas respondem por 50% das multas. Então tem uma indústria de multas, mas não é minha.

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