Gestores estaduais assumem competências diante de incompetência do Governo Federal

Historiador e ativista antirracista Marcos Rezende, Coordenador de Relações Internacionais do Coletivo de Entidades Negras, será o representante da instituição na agenda das Nações Unidas. Fundador do CEN, Ogã de Ewá e Ojuobá do Ilê Axé Oxumarê, Rezende tem longa atuação em defesa dos povos e comunidades tradicionais de terreiros de candomblé no Brasil.

Por Marcos Rezende*

Proibição de transportes interestaduais e implementação de barreiras sanitárias relacionadas a vôos originários de países ou estados brasileiros com transmissão comunitária do COVID-19 foram algumas das medidas tomadas por governadores de estados como Bahia e Rio de Janeiro. Num momento de normalidade se poderia questionar se tais medidas extrapolam a competência dos gestores estaduais. Porém, no contexto de pandemia do COVID-19 e com o crescente número de pessoas que testam positivo para o vírus no Brasil, a pergunta é: diante da omissão e irresponsabilidade do presidente Jair Bolsonaro perante a crise do Coronavírus, o que os gestores estaduais devem fazer, senão assumir a competência de quem se demonstra incompetente?

O mundo passa por uma situação de anormalidade. Um vírus destrói diversos países, matando milhares de pessoas e extrapolando todos os limites de capacidade de atendimento dos respectivos sistemas de saúde. Dos governos mais conservadores àqueles mais progressistas, todos entendem a dimensão da pandemia do COVID-19 e tentam, em alguma dimensão, se antecipar ao vírus para diminuir seus efeitos e/ou remedia-los da melhor forma possível, colocando a vida das pessoas em primeiro lugar. Somente Bolsonaro, seguindo tudo que vê Donald Trump fazer, como se fosse incapaz de tomar decisões da própria cabeça, entendeu diferente e defende que existe uma “histeria” na forma como se está tratando o COVID-19.

Somente da comitiva que foi aos EUA com o Presidente Jair Bolsonaro, 22 pessoas estão com Coronavírus. No Brasil, há um ditado popular em alusão ao Santo Católico – São Tomé – que duvidou de seus companheiros, quando disseram ter visto Jesus ressuscitado, e só acreditou após ver com os próprios olhos, que diz: “Fulano é igual a São Tomé, precisa ver para crer”. Poderíamos dizer que Bolsonaro é igual a São Tomé, precisa ver para crer. Mas o problema é quando não se crer naquilo que se apresenta diante dos olhos. E é isso que tem acontecido na gestão de Bolsonaro em relação ao COVID-19. Mesmo que já se tenham mais de 1.000 casos confirmados no Brasil e ao menos 18 mortos, Bolsonaro trata a pandemia como histeria coletiva.

Em todas as suas aparições, Bolsonaro demonstra uma única preocupação, a de não deixar a economia desandar. O que o presidente se esquece é que a economia é impulsionada por pessoas e que se não for garantida a vida destas pessoas, antes de qualquer outra coisa, não existe economia para se cuidar, não existe país, não existe nação. Enquanto todos os países do mundo que estão enfrentando a crise do Coronavírus apontam que o isolamento social é imprescindível para o controle do avanço do COVID-19, Bolsonaro brinca de controlar uma economia e parece não querer economizar defuntos.

É necessário apontar os bons exemplos e ressaltar os esforços que o governador da Bahia e o prefeito de Salvador, apesar de adversários políticos, têm demonstrado. Rui Costa (PT) e ACM Neto (DEM) fecharam escolas, shoppings centers, proibiram circulação nas praias e reduziram transportes públicos. O governador ainda colocou barreiras sanitárias no Aeroporto de Salvador (apesar dos embargos presidenciais) e proibiu o trânsito entre alguns municípios e entre os estados com contaminação comunitária e a Bahia. Rui Costa, enquanto presidente do Consórcio dos Estados do Nordeste, ainda enviou carta aberta ao Embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, para pedir apoio com respiradores e para estruturar mais leitos de UTI, ao que recebeu o compromissos de esforços da Embaixada em relação ao pleito.

Sem se importar com os brasileiros, Bolsonaro resolveu “brincar de casinha”, editando Medida Provisória (MP 926/2020) para mostrar o poder de império do governo federal e desfazer de algumas destas ações, o que continua a colocar a população em risco. Difunde fakenews sobre uma cura que, infelizmente, ainda não existe. Na contramão de outros líderes mundiais, inclusive da extrema-direita, Bolsonaro corta salário dos trabalhadores ao invés de apoiá-los em meio à pandemia mundial, desrespeita o isolamento necessário e faz papel de bobo da corte em meio a uma entrevista coletiva, enquanto o seu filho e um ministro desrespeitam o povo chinês, mesmo sendo a China a nossa maior parceira comercial e o primeiro país a enfrentar o Coronavírus no mundo, detendo, portanto, o maior número de informações sobre o vírus.

É aí, diante desses fatos, que queremos que cada cidadão brasileiro responda ao questionamento que foi feito no início deste texto: o que os gestores estaduais devem fazer, senão assumir a competência de quem se demonstra incompetente? Será Bolsonaro, realmente, o “Messias” que a população brasileira merece? Das janelas de diversos estados do nosso país, as panelas que ecoaram nos últimos dias respondem a essa pergunta e conclamam uma nova ordem nacional? Com a palavra, o povo brasileiro.

 

Marcos Rezende é historiador, mestre em Gestão e Desenvolvimento Social pela Faculdade de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ativista do movimento social negro brasileiro, sendo um dos fundadores do Coletivo de Entidades Negras (CEN)

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS

Revolução das consciências

“A democracia precisa ser libertada de seus vícios conservadores e emancipada da apropriação burguesa. A comunicação é questão de saúde pública”

Sobre a crise na UERJ

Por RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de História na UFBA Ao longo das últimas semanas, vimos acontecer aquela que talvez tenha sido a maior crise em