Fotomontagem: Joana Brasileiro / Jornalistas Livres
É mesmo de estarrecer. A esquerda passou o final de semana de bode. Minto, não só a esquerda, o povo brasileiro todo está de cara. A justiça resolveu escancarar de vez que, na verdade, só castiga pobre. Não bastasse a “pobre mãe” Adriana Ancelmo, mulher do Sergio Cabral, receber o indulto humanitário para poder criar seus filhos em casa, sem que o mesmo benefício seja dado a milhares de mães encarceradas, longe de seus filhos, e pelo mesmo motivo: foram aviõezinhos dos seus maridos. Não bastasse o Temer caindo aos pedaços, mas agarrado como uma unha encravada ao poder, Aécio volta a ser senador, como se para ser senador não se precisasse mais ser honesto, não se necessitasse de uma vida sem flagrantes delitos, uma pessoa que não esteja sob tanta suspeita. É de vomitar. No país, onde tantos ladrões de galinhas, de celulares, de trouxinhas de maconha estão amargando nas cadeias, enquanto o homem da mala de quinhentos mil reais mais conhecido do mundo, pessoa íntima do presidente, autorizada a soturnas visitas noturnas no Palácio, é liberado para cumprir sua pena em casa, coitado. O que será desse homem preso em sua mansão, cheio de empregados a seu dispor, vendo sua TV, à beira de sua piscina e outros mimos, mas tendo que carregar uma tornozeleira eletrônica?
Ai, meu deus, só falando assim pra ver se meu olhar acha um pouco de graça na podridão da República de agora.
Pois não bastasse tudo isso, no sábado, recebi um convite amoroso do meu amigo, músico, compositor, talentoso demais, pra que fosse vê-lo no Beco do Rato, como faço sempre que posso, e em tal onda deliciosa sempre sou convidada a curtir e dar canja de poesias e canções. O evento é mensal, e é uma roda de samba da melhor qualidade, de repertório e de som, produzido pelo meu amado Diogo Rodrigues. Como estava no teatro assistindo a um espetáculo imperdível também, “O Reino de Suassuna”, do grupo a Barca dos Corações Partidos, que bateu no mesmo horário, eu não pude ir ao samba. Perdi. Pois foi neste dia que se deu o ocorrido do vídeo que postei ontem e que está aí nas redes em geral.
Um homem trabalhador, honesto, bonito, pai, cidadão longe de qualquer suspeita, um homem de bem, brasileiro que, a duras penas, neste momento de violentos ataques à cultura, neste momento de desmonte, exercia este seu trabalho mensal no Beco do Rato. Esse homem sofreu brusca e desrespeitosa abordagem policial, na porta deste seu espaço de labor. Inacreditável. Tratado com desrespeito, revistado, humilhado sob os olhares do próprio público! Um achincalhe. Uma porrada. Uma desonra para um ser cujo valor está no “ser” e não no “ter”.
É violento demais. Ofensivo demais. Seu nome é Nêgo Álvaro. Guardem esse nome! Por coincidência, passei a semana ouvindo seu disco que ganhei do próprio de presente,“Cria do Samba”, lançado pela Coqueiro Verde Records (aconselho, é agradável, inteligente, inspirado, muito bom de se ouvir). Um cara pacífico, que foi aviltado, “pesquisado” grosseiramente, questionado asperamente por policiais que não encontraram nada de ilícito que ele portasse, e que, mesmo assim, numa sequência de erros sem limites, nossa vítima, a que recebe a indevida ação, foi arbitrariamente conduzida à delegacia. Sem dever nada. E tudo sendo filmado, tanto pela polícia quanto pelos amigos do Álvaro. Isso não é filme não, gente. Isso acontece aqui, todo dia, no nosso chão.
Lendo ontem a nota de “Escurecimento” publicada por esse querido artista, somada a outro artigo que também li hoje do fabuloso Henrique Sousa sobre as questões que envolvem o homem negro num mundo de domínio branco, me vi envolta na teia de pensamentos do que mais me assola, entre tantos problemas deste país: a dificuldade, o sacrifício, a verdadeira gincana com provas cobertas de cacos de vidro, que significa construir-se como um ser negro, como uma mulher negra, com divindade neste Brasil. Houve uma hora em que um dos policiais, na infeliz abordagem, afirma que o Nêgo Álvaro estava sendo vitimista, quando o mesmo lhe perguntou se estava sendo preso porque era preto. Ora ora, se existe uma coisa que o povo negro não precisa é de se fazer de vítima Não precisa. Já está posto. Tratava-se justamente da vítima de uma ação que não acontece com um rapaz de 28 anos branco. Não rola.
É muito difícil você ser negro e se constituir numa sociedade com uma boa auto-estima num país que não considera um homem como o Nêgo Álvaro um príncipe. Não tem beleza ariana, não serve para esse papel. Para muitos ele pode ter, só por ser preto, cara de bandido. Esse modelo torto é o que se vende e se impõe às nossas crianças, nos livros de histórias, nos filmes, nas telenovelas. Parece que estou batendo na mesma tecla, mas é preciso abrir os olhos para que a gente não se omita nessa luta que é de todos e que tanto empobrece o país, dá merda no final. A injustiça gera ódio. É perigosa. O que são as cadeias senão grandes senzalas? Enquanto escrevo a juventude negra está sendo assassinada sem sair no jornal. Sem nome. É só número. “Qualquer coisa a gente diz que estava envolvido com drogas, e fica pairando um certo ar de ‘justiça’ sobre o genocídio.”
Tudo isso que digo agora vem cheio de sede da justiça que acho possível nesse momento em que venho trazer aos que me leem esclarecimentos a partir de uma realidade, que a maioria dos meus amigos brancos não vive. São notícias de um inferno, do que poderíamos chamar de porões da cidadania. Nos trabalhos que passo e por onde ando, inclusive dentro das instituições sócio-educativas, farejo tantos Djavans, Seus Jorges, Emicidas, Lázaros Ramos, Camilinhas Pitangas, Taisinhas Araújos, Miltons Nascimentos, Caetanos e Gils, todos anônimos, sem falar de bailarinas, tenistas, golfistas, pianistas, maestros, artistas plásticos, grandes desenhistas que muitas vezes não chegam a conhecer seus dons porque não têm as mesmas oportunidades. Enquanto não juntarmos isso, enquanto não diminuirmos a distância dessa desigualdade, nosso processo de paz ficará adiado, creiam-me. Estou, mais uma vez, chamando à luta os humanistas, os que clamam pelos direitos humanos e dedicam grande parte de sua batalha diária, compondo narrativas a partir de seu parlamento, seja ele qual for: as salas de aula, os palcos, as mídias, as telas. Atenção, jovens roteiristas, em suas equipes há quantos negros escrevendo a nova história? Podemos ser todos o que estou chamando de abolicionistas modernos!
Por outro lado, estive agorinha na Flup, a Festa Literária das Favelas, bravamente empunhada por Julio Ludemir e Ecio Salles, e foi na Mangueira, estava lotado, e era de tarde, e era sábado, o encontro esplendoroso revelando que os movimentos sociais estão bombando nas periferias, nas favelas. Não somos mais o mesmo país, repito galera, há uma esquerda invisível aos olhos da Casa Grande, que está em suas comunidades atuando de modo diferente. Muitos puderam ir à universidade nos últimos governos, antes do golpe, e muitos são educados pela cultura do rap, que cresceu na mesma medida em que o silêncio não é mais possível.
Estou dizendo para não ficarmos só em casa vendo Netflix. Sem meter a mão na massa, sem falar no difícil assunto, sem perguntar a si mesmo se você seria capaz de namorar uma mulher ou um homem negro. E se seria, por que não rolou até agora? Será só questão de gosto ou não estava no escopo dos que te educaram? E não lhe foi permitido sonhar? É como costumo parodiar: “Precisamos falar sobre Kevin”, ou seja, assunto amargo, remédio difícil de tomar, mas depois a gente melhora, creiam-me. A gente se torna um ser humano melhor, mais coerente com o nosso discurso.
Meu filho, Juliano Gomes, o sarará do qual muito me orgulho e que também já foi abordado pela polícia quando tinha o cabelo black grande, e teve que ouvir do policial que ele tinha aspecto suspeito, pois é, esse cara está promovendo uma sessão amanhã, dia 06 de julho, no Instituto Moreira Salles- RJ, às 19 horas, onde exibirá o clássico “Adivinhe quem vem pra Jantar”, logo depois da sessão de Corra. Tudo será seguido de debate com esse crítico, linkando as duas obras e seus papéis dentro do tempo. Um programa imperdível para quem quer já ampliar o seu olhar sobre o tema do qual falamos aqui. Fica a sugestão.
Bom, essas palavras querem beijar o rosto do meu querido amigo, ofendido no sábado passado, tratado como sub-cidadão, ferindo a Constituição que o presume inocente, a princípio. Mas a boa notícia é que ele é articulado, tem público, visibilidade, advogado, e a ação não ficou invisível exatamente para que não fique impune. Mas o mais pedagógico é que essa cena explícita mostra para muitos o que acontece nas favelas e em todos os lugares que a gente não vê, onde a justiça não alcança.
Através dessa injustiça ocorrida na Lapa, coração carioca, podemos ver o crime que acontece no escuro dos “quartos de despejos” da cidade, que raramente importam às primeiras páginas dos jornais. Uma mostra trágica das notícias do que estamos trazendo na poesia que fazemos, nas canções resistentes, nas narrativas que armamos. Enquanto vilões graúdos praticamente secaram as veias da nação, uma multidão chamada povo vive um ultraje diário, inclusive os policiais. Mal pagos, trabalhando em péssimas condições, com uma formação desatualizada dos caminhos conceituais da segurança contemporânea, formada para não ser uma polícia comunitária, esses profissionais, muitas vezes negros e pobres também, morrem na mesma guerra. Gente que queria ser alguém na vida e que pudesse lutar pelo seu semelhante, mas foi massacrada ali. É verdade. Há grandes policiais nas corporações, homens sensíveis, corajosos, honestos. Mas o nosso sistema está cupinizado.
Bem, esse assunto é sem fim, mas tudo isso é para beijar o Nêgo Álvaro, chamar à luta meu semelhante, os que apreciam meus pensamentos, os que me ensinam com os seus. É preciso que toda a sociedade se envolva para cuidar de cada criança que vai compor a nação de amanhã. Seja o que for o futuro, a população negra não pode seguir sendo o alvo, o lugar que existe para ser machucado por todos. Seja mulher, seja homem, seja menino. O negro parece um endereço certo para os desprezos sociais de um país marcado por quatro séculos de escravidão.
Triste, o nome é alvo, mas de branco não tem nada. É quase não-humano nosso povo negro. É visto como um ponto preto, um lugar para se atirar. Apenas um alvo.
Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.
O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.
É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.
A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.
São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.
É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.
Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.
Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.
Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.
Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações
Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke
O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.
Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.
Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.
Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.
Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?
A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.
Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.
Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.
Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.
Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.
Rodrigo Janot
Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.
Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.
26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.
A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.
Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.
Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.
Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.
Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.
Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?
Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.
Rogério Favreto
Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.
“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.
Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.
Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.
Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.
Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.
Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.
Marco Aurélio Mello
Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.
1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.
É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.
Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.
Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.
Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.
2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.
Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.
A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.
Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!
*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.
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