por Felipe Milanez
Na sexta-feira, 1º de novembro, Laercio Rodrigues Guajajara e Paulo Paulino Guajajara, o “Lobo Mau”, saíram da aldeia Lagoa Comprida, na Terra Indígena Arariboia, Maranhão, e foram caçar. Na floresta , entre a aldeia Jenipapo e a Lagoa Comprida, pararam para se limpar numa cacimba de água, tiraram botas e colete. Mal deu tempo de perceberem o cerco. Os madeireiros exigiram que a dupla entregasse os arcos e flechas e começaram a atirar. Paulino foi atingido no rosto e caiu morto. Rodrigues acabou baleado no braço e nas costas, mas conseguiu escapar. Andou 10 quilômetros até a aldeia.
O ataque covarde teve repercussão internacional imediata, amplificada com a presença de oito representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil na Europa. Em nota, a APIB denunciou: Ö governo Bolsonaro tem sangue indígena em suas mãos, , o aumento da violência nos territórios indígenas é reflexo direto de seu discurso de ódio”. Uma linha de fogo de mais de 50 quilômetros de extensão invadiu a Arariboia na sequência da emboscada e colocou em risco a sobrevivência do povo Awa Guajá, que vive em isolamento voluntário.
A nota da APIB apenas registra a realidade. Desde a posse de Bolsonaro, em janeiro, as invasões de territórios indígenas deram um salto: 160 casos nos primeiros seis meses do ano, contra 109 em 2018 e 96 em 2017. No Vale do Javari, no Amazonas, uma base da Funai foi atacada nos dias 31 de outubro e 3 de novembro por caçadores ilegais. Em dois anos, foram sete atentados contra estruturas da fundação. Relata uma funcionária da Funai que pediu para não se identificar: “Agora, quando o refletor de vigilância se ascende automaticamente, eles começam a atirar em nossa direção”.
A última sequência de ataques no Javari aconteceu depois do assassinato do indigenista Maxciel Pereira, ocorrido em 7 de setembro, em Tabatinga. Pereira trabalhou 12 anos na fiscalização da região. ëles entram porque sabem que a Funai está fragilizada neste governo, que o órgão não tem mais estrutura de proteção. Pode acontecer uma tragédia e vamos responsabilizar as autoridades por omissão”, afirmou Manuel Chorimpa, liderança do povo Marubo ao site Amazônia Real. O coordenador substituto da Funai na região, Francisco Ribeiro Gouvea, pediu exoneração por causa das ameaças e do assassinato do colega, cotado para assumir a coordenação antes de sua morte.
Na segunda-feira, 4, a onda de ataques continuou. Em Mato Grosso do Sul, palco de uma das maiores tragédias em curso, o martírio dos Kaiowa e Guarani, uma comunidade em Dourados foi atacada por pistoleiros com tiros de bala de borracha, técnica de terror frequentemente usada pelos agricultores. Aumentou ainda o risco aos índios isolados ou de recente contato, com maior vulnerabilidade epidêmica: 16 grupos no Vale do Javari, a maioria da etnia Korubo, estão ameaçados por caçadores, madeireiros e garimpeiros. Uma aldeia do povo Moxihatetea, na terra Yanomami, sofre constante pressão. No ano passado, ao menos um indígena foi morto em confronto, enquanto mais de 20 mil garimpeiros invadiram a área em 2019. Os Awa Guajá, que vivem em Arariboia, estão na mira dos mesmos madeireiros que emboscaram seus vizinhos Guajajara. E os Zo’é e outros povos isolados que habitam a calha norte do Rio Amazonas vivem cercados por missionários e pelo Projeto Barão do Rio Branco, encampado pela ala militar bolsonarista.
A aliança entre militares e ruralistas, engendrada na disputa pela Raposa Serra do Sol, fez emergir os piores fantasmas da ditadura. Um deles ;e o Projeto Barão do Rio Branco, impulsionado pelo general Maynard Marques de Santa Rosa, que pediu exoneração da Secretaria de Assuntos Estratégicos na segunda-feira, 4. Santa Rosa sonhava com a construção de obras de infraestrutura na região, entre elas uma hidrelétrica no Rio Trombetas, redes de estrada e expansão da mineração, sobretudo bauxita.
Os atuais sertanistas da Funai, indigenistas que trabalham na área de proteção aos povos isolados, lançaram uma carta aberta na qual alertam para a crescente onda de violência contra indígenas e servidores da fundação e aos riscos de genocídio por conta dos incentivos à exploração desenfreada e à omissão de Brasília. “Trabalhamos onde nenhuma outra presença do Estado está, somos a única representação do Estado onde os povos isolados vivem e estamos à mercê de sermos atacados, sem apoio institucional, sem forças de segurança”, afirma Guilherme Daltro Siviero. A Frente chefiada por Siviero havia identificado um garimpo próximo da área dos Zo’é, que foi fechado numa operação, em agosto de 2016, levando ao desmantelamento de uma rede criminosa que envolvia lavagem de dinheiro, tráfico e grilagem. O garimpo ao lado do território dos Zo’é, mostram imagens de satélites, acabou reaberto no primeiro semestre deste ano.
O ministro da Justiça, Sérgio Moro, prometeu que a Polícia Federal iria investigar o assassinato de Paulino. A ver. O Palácio do Planalto tem outras preocupações. Na terça-feira, 5, Bolsonaro recebeu uma comitiva de garimpeiros que foi a Brasília reclamar de uma operação que colocou fogo em máquinas usadas em um garimpo ilegal na Terra Indígena Apyterewa, no Pará, nas cercanias de Ourilândia do norte e São felix do Xingu. O ex-capitão não titubeou, para gaúdio dos reclamantes. “Quem é o cara do Ibama que está fazendo os estragos lá?”, perguntou. “É o delegado Federal de Redenção, respondeu o garimpeiro. “Se me der as informações, eu tenho como…”
O resto o leitor deduz.
*imagens por Adi Spezia/Cimi e Tiago Miotto/Cimi, Vania Fernandes e Helio Carlos Mello