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ANISTIA INTERNACIONAL LANÇA RELATÓRIO 2015/2016

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Destaques do relatório:
* Sistema internacional de proteção aos direitos humanos corre risco;
* Drama dos refugiados é um tema central no mundo;
* Violência continua e retrocesso no Legislativo é grande ameaça no Brasil.

A Anistia Internacional lançou mundialmente na noite desta terça feira (23) seu Relatório Anual 2015/2016. O relatório apresenta um cenário dramático para os direitos humanos no mundo e no Brasil, com um cenário em grave deterioração.

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Foto por Bruno Miranda

Segundo a Anistia Internacional, são muitos os governos que estão buscando enfraquecer as instituições criadas para proteger os direitos das pessoas. O processo, com características globais, atingiu gravemente a ONU. Segundo Salil Shetty, secretário geral da Anistia Internacional, “a ONU foi criada para ‘ salvar as futuras gerações dos flagelos da guerra’ e ‘reafirmar a fé nos direitos humanos fundamentais’ , mas se encontra no momento mais vulnerável do que nunca diante dos enormes desafios”.
O agravamento da situação em escala mundial ameaça fazer desmoronar o sistema internacional de proteção aos direitos humanos, duramente construído ao longo dos últimos 70 anos, desde a fundação da ONU em 1945. “Não somente nossos direitos estão sendo ameaçados, como também as leis e o sistema que as protegem”, advertiu Shetty. Em 2015, mais de 122 Estados realizaram torturas ou maus-tratos e 30 ou mais países obrigaram refugiados a retornarem a países onde estariam em perigo.
O tema dos refugiados está no centro da abertura do relatório da Anistia Internacional: “O ano passado aplicou um teste rigoroso da capacidade do sistema internacional de responder às crises e aos deslocamentos em massa de pessoas, e seu resultado mostrou que o sistema é lamentavelmente inadequado. Existem hoje mais pessoas desalojadas e em busca de refúgio em todo o mundo do que em qualquer momento desde a Segunda Guerra.”
O encerramento da introdução do relatório é pungente. Salil Shetty reconhece que o documento é insuficiente para retratar o tamanho da ameaça sobre toda a humanidade: “suas páginas não conseguem carregar a profundidade da tragédia que as crises de 2015 imprimiram em cada ser humano –sobretudo a crise dos refugiados, agora agravada pelo inverno no hemisfério Norte. Em situações como essa, proteger e fortalecer os sistemas de proteção civil e de direitos humanos não pode ser considerado uma opção. É literalmente uma questão de vida ou morte.
BRASIL

SERRA - ESPIRITO SANTO - JUNHO 21: ESPECIAL SEGURANCA CAPIXABA. Detentos do presidio da delagacia do bairro de Novo Horizonte municipio de Serra no Espirito Santo, o estado passa por uma grave crise de seguranca publica. 21.06.06 (Foto: Bruno Miranda/Folha Imagem,COTIDIANO)***ESPECIAL***

Foto por Bruno Miranda

O relatório traça um cenário abrangente sobre o Brasil, reunindo as denúncias que foram divulgadas ao longo de 2015 no país pela mídia independente, as organizações de defesa dos direitos humanos e os diferentes movimentos sociais.
Dos homicídios cometidos pela polícia e a consequente impunidade às seguidas repressões e cerceamento ao direito à manifestação; dos violentos conflitos de terra com a morte de dezenas de sem terra e pequenos agricultores; da violência contra jovens negros nas favelas e periferias à cometida contra lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTI) e aos indígenas; das condições prisionais desumanas à prática cotidiana da tortura; da fragilização dos direitos das crianças e jovens à ofensiva contra as mulheres, à perseguição aos defensores dos direitos humanos; até o desastre ambiental de Mariana.
Este cenário acontece num pano de fundo institucional de grave retrocesso no Legislativo; o Congresso Nacional mantém agenda fortemente regressiva contra os direitos humanos.

Leia a seguir a íntegra do relatório da Anistia Internacional sobre o Brasil.

INTEGRA DO RELATÓRIO SOBRE O BRASIL
Graves violações de direitos humanos continuaram sendo denunciadas, como homicídios cometidos pela polícia, tortura e maus-tratos de pessoas presas. Jovens negros moradores de favelas e periferias corriam maiores riscos. As forças de segurança, com frequência, usaram força excessiva ou desnecessária para reprimir manifestações. Conflitos por terras e recursos naturais provocaram a morte de dezenas de pessoas. Comunidades rurais e seus líderes continuaram a sofrer ameaças e ataques de proprietários de terras, principalmente no Norte e Nordeste do país. Lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTI) continuaram a enfrentar discriminação e violência. Intensificou-se a oposição da sociedade civil às novas leis e emendas constitucionais que ameaçavam retroceder direitos sexuais e reprodutivos, bem como direitos das mulheres e das crianças; jovens e mulheres tomaram a frente dessas mobilizações. O Brasil não se candidatou à reeleição para um assento no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Segurança pública
A segurança pública e o alto número de homicídios de jovens negros continuaram entre as maiores preocupações. O governo não apresentou um plano nacional concreto para a redução dos homicídios no país, apesar de ter anunciado em julho que o faria. Segundo um relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública referente a 2014, mais de 58.000 pessoas foram vítimas de homicídios; o número de policiais mortos foi de 398, uma pequena queda de 2,5% com relação ao ano anterior; e mais de 3.000 pessoas foram mortas pela polícia, um aumento de aproximadamente 37% com relação a 2013.

Execuções extrajudiciais
Em 2015, o número de homicídios durante operações policiais permaneceu alto, mas a falta de transparência na maioria dos estados impossibilitou que se calculasse o número exato de pessoas mortas em consequência dessas operações. Nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, a quantidade de pessoas mortas por policiais no cumprimento de suas funções aumentou significativamente, mantendo-se a tendência observada em 2014. Os homicídios cometidos por policiais em serviço raramente foram investigados, e os relatos de que os agentes envolvidos tentavam alterar a cena do crime e criminalizar as vítimas eram frequentes. Policiais muitas vezes tentavam justificar as mortes como atos de legítima defesa, alegando que as vítimas teriam resistido à prisão. Em setembro, um menino de 13 anos foi morto durante uma operação policial em Manguinhos e um adolescente de 16 anos foi morto a tiros na Maré, duas favelas do Rio de Janeiro.
Em fevereiro, 12 pessoas foram mortas a tiros e outras quatro foram feridas por policiais militares durante uma operação no bairro de Cabula, em Salvador, na Bahia. Após as mortes, os moradores relataram que se sentiam ameaçados e que temiam as frequentes visitas que a Polícia Militar começou a fazer ao local. Uma investigação da Polícia Civil concluiu que os policiais militares agiram em legítima defesa. Porém, as organizações que trabalharam sobre o caso encontraram fortes evidências indicando que as 12 pessoas foram vítimas de execuções extrajudiciais. O Ministério Público condenou as ações dos policiais militares envolvidos nas mortes e questionou a imparcialidade da investigação conduzida pela Polícia Civil. Eduardo de Jesus Ferreira, um menino de 10 anos, foi morto por policiais militares diante de sua casa no Complexo do Alemão, conjunto de favelas do Rio de Janeiro, no dia 2 de abril. Os policiais tentaram adulterar a cena do crime e remover seu corpo, mas foram impedidos pelos familiares e vizinhos do menino. Após receberem ameaças de morte, a mãe de Eduardo e outros membros da família tiveram que deixar a cidade. Cinco jovens negros com idades entre 16 e 25 anos foram mortos a tiros no bairro Costa Barros, no Rio de Janeiro, em 29 de novembro, por policiais militares do 41º Batalhão de Polícia Militar. Policiais efetuaram mais de 100 disparos em direção ao automóvel dentro do qual os homens estavam sentados.
Surgiram denúncias de que, em várias cidades, policiais fora de serviço cometeram homicídios como parte de grupos de extermínio. Em Manaus, no Amazonas, 37 pessoas foram mortas num único fim-de-semana de julho. Em Osasco, na região metropolitana de São Paulo, 18 pessoas foram mortas numa única noite, e as investigações iniciais apontavam o envolvimento de policiais militares. Em fevereiro, Vitor Santiago Borges, de 29 anos, foi atingido por disparos feitos por membros das forças armadas na favela da Maré. Em razão dos ferimentos, ele teve ficou paralisado. As autoridades não prestaram a devida assistência a Vitor ou a sua família, nem conduziram uma investigação completa e imparcial sobre as circunstâncias dos disparos. Desde abril de 2014, o Exército vinha desempenhando funções policiais na comunidade. Os soldados foram destacados para atuar na Maré no período que antecedeu a Copa o Mundo e deveriam ter deixado o local logo após o evento. Porém, continuaram a realizar funções de policiamento na comunidade até junho de 2015. Nesse período, os moradores denunciaram um grande número de violações de direitos humanos cometidas pelas forças armadas, como violência física e disparos contra os residentes.

Impunidade
Policiais responsáveis por execuções extrajudiciais desfrutaram de quase total impunidade. Das 220 investigações sobre homicídios cometidos por policiais abertas em 2011 na cidade do Rio de Janeiro, houve, até 2015,somente um caso em que um policial foi indiciado. Em abril de 2015, 183 dessas investigações continuavam abertas. O Congresso Nacional instituiu duas Comissões Parlamentares de Inquérito, uma no Senado e outra na Câmara, para investigar o alto índice de homicídios de jovens negros. Ao mesmo tempo, uma lei que altera o atual Estatuto do Desarmamento para permitir maior acesso às armas de fogo ganhou impulso no Congresso. O Brasil não ratificou o Tratado sobre o Comércio de Armas. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi instalada em outubro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro para investigar homicídios cometidos por policiais e tem sua conclusão prevista para maio de 2016. A Polícia Civil do Rio de Janeiro anunciou que todos os casos de homicídios cometidos pela polícia seriam investigados pela Divisão de Homicídios.

Condições prisionais, tortura e outros maus-tratos
Em março, a Presidente nomeou 11 especialistas para o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. O grupo integra o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, e seu mandato incluirá visitas e inspeções a locais de detenção. Superlotação extrema, condições degradantes, tortura e violência continuaram sendo problemas endêmicos nas prisões brasileiras. Nenhuma medida concreta foi tomada pelas autoridades para resolver o grave problema de superlotação e as condições cruéis da Penitenciária de Pedrinhas no estado do Maranhão. Em outubro, foi revelado que um interno de Pedrinhas havia sido morto e parcialmente canibalizado por outros presos. Rebeliões de presos ocorreram em diversos estados. Em Minas Gerais, três detentos foram mortos durante uma rebelião no presídio de Teófilo Otoni, em outubro, e dois foram mortos em circunstâncias similares no presídio de Governador Valadares em junho. Em outubro, ocorreram distúrbios na penitenciária de Londrina, no Paraná.

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Foto por Bruno Miranda

Direitos das crianças e adolescentes
O sistema de justiça juvenil também apresentou superlotação severa e condições degradantes. Houve grande número de denúncias de tortura e de violência contra meninos e meninas, sendo que vários adolescentes morreram em custódia no decorrer do ano. Em agosto, a Câmara dos Deputados aprovou uma emenda à Constituição reduzindo a idade em que crianças e adolescentes podem ser julgados como adultos de 18 para 16 anos. No fim do ano, a emenda ainda não havia sido aprovada pelo Senado. Caso aprovada, a emenda violará diversas obrigações do Brasil diante da legislação internacional de direitos humanos relativa à proteção dos direitos da criança e do adolescente.

Liberdade de manifestação
No dia 29 de abril, no Paraná, uma manifestação contra as mudanças nas regras que alteram os benefícios de previdência social e aposentadoria dos professores estaduais foi confrontada com uso desnecessário e excessivo da força pela Polícia Militar. Os policiais usaram gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar os manifestantes. Mais de 200 pessoas ficaram feridas e pelo menos sete foram detidas temporariamente. Em consequência do incidente, a Defensoria Pública e o Ministério Público iniciaram ações judiciais contra o governo do estado. No fim do ano, o caso ainda aguardava conclusão. Em outubro, o Senado aprovou um projeto de lei que tipifica o terrorismo como um crime específico no Código Penal. Temia-se que, caso aprovada em sua forma atual, a lei pudesse ser usada para criminalizar manifestantes e classifica-los como “terroristas”. No fim do ano, a lei ainda aguardava aprovação final da Câmara dos Deputados.

Direito à moradia
Desde que o Rio de Janeiro foi escolhido em 2009 para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, milhares de pessoas foram removidas de suas casas para dar lugar às obras de infraestrutura para o evento. Muitas famílias não receberam a devida notificação, nem indenizações suficientes ou reassentamento adequado. A maioria das 600 famílias da comunidade de Vila Autódromo, próxima ao futuro Parque Olímpico, foi removida pela Prefeitura. Em junho, integrantes da guarda municipal agrediram os moradores que permaneceram no local e protestavam pacificamente contra as remoções. Cinco moradores ficaram feridos, entre eles, Maria da Penha Macena, que teve o nariz quebrado. No fim do ano, os residentes que ainda permaneciam no local estavam vivendo em meio aos escombros das demolições e sem acesso a serviços básicos como água e eletricidade. Na cidade do Rio de Janeiro, a maioria dos condomínios que fizeram parte do programa Minha Casa, Minha Vida para famílias de baixa renda estavam sob o controle de milícias (grupos criminosos organizados, formados principalmente por antigos policiais civis e militares ou fora de serviço e bombeiros) ou de outras gangues criminosas organizadas. Essa situação deixou milhares de famílias sujeitas à violência, sendo que muitas delas foram forçadas a abandonar suas casas por causa de intimidações e ameaças.

1284753760897_f (1)Defensores dos Direitos Humanos
O Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH) não foi capaz de oferecer a proteção prometida em suas disposições. A falta de recursos continuou a prejudicar sua implementação e deixou os defensores em perigo, enquanto a ausência de um marco legal para o programa também comprometeu sua eficácia. Um projeto de lei visando à criação de um marco legal para embasar a coordenação dos governos federal e estaduais na proteção dos defensores tramitava no Congresso no fim do ano. Conflitos por terras e recursos naturais continuaram a provocar dezenas de mortes a cada ano. Comunidades rurais e seus líderes foram ameaçadas e atacadas por proprietários de terras, principalmente no Norte e Nordeste do país. Em outubro, cinco pessoas foram mortas em Vilhena, no estado de Rondônia, no contexto dos conflitos por terras naquela área. Raimundo Santos Rodrigues, também conhecido como José dos Santos, foi morto a tiros em 25 de agosto na cidade de Bom Jardim, no Maranhão. Sua esposa, que estava com ele, também foi atingida por tiros. Raimundo Santos Rodrigues era membro do Conselho da Reserva Biológica do Gurupi, uma área de proteção ambiental na floresta Amazônica no estado do Maranhão. Por muitos anos, ele fez denúncias e campanhas contra a exploração ilegal de madeira e o desmatamento na Amazônia, trabalhando para defender os direitos de sua comunidade. Raimundo também era membro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bom Jardim. Ele havia recebido várias ameaças de morte, que foram reiteradamente denunciadas às autoridades pela Comissão Pastoral da Terra e por uma organização local de direitos humanos. No entanto, nada foi feito para protegê-lo.
Casos de ameaças, ataques e assassinatos envolvendo defensores dos direitos humanos raramente eram investigados e permaneciam praticamente impunes. Temia-se que os responsáveis pela morte de Flaviano Pinto Neto, líder da comunidade quilombola do Charco, no Maranhão, em outubro de 2010, não fossem levados à Justiça. Apesar de uma investigação minuciosa ter sido realizada, em outubro os tribunais indeferiram as ações contra os acusados e culparam a vítima por sua própria morte. No fim do ano, não estava claro se o Ministério Público iria recorrer da decisão.
O rompimento de uma barragem da mineradora Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, no estado de Minas Gerais, no dia 5 de novembro, foi considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil. O acidente resultou em mortes e ferimentos, além de outras sérias violações dos direitos humanos, que incluíam privar famílias e comunidades inteiras de acesso suficiente à água potável e a abrigos seguros, bem como a informações confiáveis sobre o que estava acontecendo. A lama tóxica que tomou conta dos cursos d’água também violou o direito aos meios de subsistência dos pescadores e de outros trabalhadores que dependiam direta ou indiretamente das águas do Rio Doce.

Direitos dos povos indígenas
O processo de demarcação das terras indígenas continuou extremamente demorado, apesar de o governo federal contar com a autoridade legal e os meios financeiros para pôr em prática o processo. Vários casos estavam pendentes no fim do ano. Ataques contra membros das comunidades indígenas continuaram sendo praticados de modo generalizado, e os responsáveis raramente foram levados à Justiça. A situação da comunidade Guarani-Kaiowá de Apika ́y,no Mato Grosso do Sul, deteriorou de forma dramática e muito preocupante. Uma ordem de despejo que teria deixado a comunidade sem ter onde viver foi temporariamente suspensa em agosto. No fim do ano, porém, o risco de expulsão permanecia. Em 29 de agosto, fazendeiros locais atacaram a comunidade indígena Ñanderú Marangatú no município de Antonio João, no Mato Grosso do Sul. Um homem, Simião Vilhalva, foi morto e várias mulheres e crianças ficaram feridas. Nenhuma investigação foi aberta sobre o ataque, nem foram tomadas quaisquer medidas para proteger a comunidade contra novos atos de violência.
Uma emenda à Constituição que transfere a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas do Poder Executivo para o Legislativo, onde a frente de pressão do agronegócio tem grande força, foi aprovada por uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados em outubro. No fim do ano, a emenda aguardava aprovação do Plenário da Câmara. Caso aprovada, impactará de forma bastante negativa o acesso à terra para os povos indígenas.

Direitos sexuais e reprodutivos
Novas leis e emendas constitucionais que estavam sendo debatidas no Congresso representaram uma séria ameaça aos direitos sexuais e reprodutivos, assim como aos direitos das mulheres. No fim do ano, tramitavam no Congresso Nacional alguns projetos de lei, como o Estatuto do Nascituro, que propunham criminalizar o aborto em todas as circunstâncias. Outra proposta visava impedir o acesso a abortos seguros e legais no sistema público de saúde, mesmo nos casos atualmente permitidos pela legislação brasileira, como quando a vida da mulher corre risco ou a gravidez resulta de estupro. Caso aprovada, a medida também impediria a assistência de emergência para vítimas de estupro.

Foto de Capa: município de Serra (ES), o mais violento do país com mais de 300 mil habitantes – Bruno Miranda / Jornalistas Livres

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O caso Mariana Ferrer, por Honoré de Balzac

Enfim, “de todas as mercadorias deste mundo, a mais cara é sem dúvida a justiça”.

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O caso Mariana Ferrer por Honoré de Balzac

Por Dirce Waltrick do Amarante*

Quando o escritor francês Honoré de Balzac teve acesso ao vídeo da audiência de Mariana Ferrer, ele decidiu escrever o Código dos homens honestos, isso nos idos de 1875, mas só agora estou tornando públicas suas palavras, que estavam sob segredo de justiça.  

Em uma análise bastante rigorosa, Balzac lembra, em primeiro lugar, que sabemos perfeitamente bem que “em princípio, ficou estabelecido que a justiça seria para todos, mas […]” . A tradução é de Léa Novaes, pois Balzac tinha dificuldade em escrever em português.

Dito isso, ele fala da figura do procurador. Em tempos idos, diz Balzac, os procuradores “levavam tão a sério o interesse de um cliente que chegavam a morrer por eles”. Além disso, eles “nunca frequentavam a sociedade”, e se a frequentassem eram vistos como “monstros”, mas hoje, “hoje tudo está monetarizado: já não se diz que Fulano foi nomeado procurador-geral, vai defender os interesses de sua província […]. Não, nada disso; o senhor Fulano acaba de conquistar um belo posto, procurador-geral, o que equivale a honorários de vinte mil francos […]”.

Balzac ia falar da figura do juiz e do defensor público, mas depois de tudo que assistiu ficou sem as palavras justas para descrevê-los.

Então, o escritor francês decidiu se debruçar sobre o papel do advogado, que “frequenta bailes, festas […] despreza tudo o que não é elegante”. E, diz Balzac, “Justiça seja feita aos advogados […]! São os decanos, os chefes, os santos, os deuses da arte de fazer fortuna com rapidez e com uma sagacidade que os torna merecedores de muitos elogios”.

Enfim, “de todas as mercadorias deste mundo, a mais cara é sem dúvida a justiça”.

Não citei na íntegra o texto do Balzac, porque foram esses os únicos fragmentos aos quais tive acesso, os outros foram apagados.  

*Formada em Direito, em 1992, na Universidade Federal de Santa Catarina

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O show de Trump: renovação ou cancelamento?

A eleição nos EUA e o destino da democracia na condição atualista

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Nos EUA voto popular não significa vitória. Biden terá mais votos do que Trump e ainda assim o resultado da eleição continuará indefinido por algum tempo. Apesar dos descalabros que marcaram a gestão Trump antes e durante a pandemia, o seu desempenho na atual corrida eleitoral será muito forte.

Mateus Pereira, Valdei Araujo e Walderez Ramalho, professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana, MG

A disputa está sendo muito mais acirrada do que era inicialmente previsto pela maior parte dos institutos de pesquisa e da mídia americana, embora a cautela e o medo nunca deixaram de estar presentes. Sob esse ponto de vista, as eleições deste ano são como uma repetição do que vimos em 2016, ainda que o resultado possa ser a derrota eleitoral para Trump. Em 2016 foram os democratas que denunciaram a interferência russa, agora é o presidente-agitador que se apressa em questionar a legitimidade do pleito, sem mostrar nenhuma prova. Sabemos que no ambiente do atualismo provas têm como base apenas convicções.

Um sistema eleitoral que sobreviveu por séculos, sem grandes mudanças, pode ter se tornado obsoleto desde a eleição de Bush, em 2000. Um lembrete do possível declínio da democracia americana: das últimas oito eleições presidenciais desde 1992, os democratas venceram no voto popular as últimas sete, mas em apenas quatro ocasiões ganharam o colégio eleitoral e fizeram o presidente.

Acreditamos que as eleições nos EUA são um exemplo do confronto entre duas estratégias e duas concepções sobre fazer política: de um lado, Trump e sua promessa de eterna atualização da atualidade em modo nostálgico; e Biden, com sua aposta moderada no cansaço na agitação atualista que seu adversário republicano encarna e radicaliza, e a retomada da política em moldes liberais. Essa retomada é feita sem uma crítica efetiva ao modelo neoliberal abraçado pela cúpula do partido democrata. Uma aposta radical, como Sanders, teria se saído melhor? É difícil dizer, mas tudo leva a crer que não, tendo em vista o complicado xadrez do voto estado a estado.

A escolha entre as duas estratégias/concepções se mostrou muito mais difícil e apertada do que se imaginava. A tal “onda azul” anunciada por parte da imprensa estadunidense esteve longe de acontecer. De fato, Trump se mostrou eleitoralmente muito mais forte do que os analistas supunham. Considerando que esta não é a primeira vez que os institutos de pesquisa falharam em captar esse movimento no eleitorado americano, e considerando também que fenômeno semelhante ocorreu no Brasil em 2018, coloca-se a questão de saber se as tradicionais pesquisas de opinião tornaram-se de alguma forma obsoletas em um mundo atualista. Esse quadro muda pouco, mesmo com uma  eventual vitória de Biden ou pior, com uma inconveniente reeleição de Trump.

São vários fatores que devem ser considerados para avaliar essa questão. Os próprios institutos se apressaram a ensaiar algumas explicações ao público. O diretor da Trafalgar Group, Robert Cahaly, afirmou que muitos eleitores “esconderam”, como já havia acontecido, sua preferência por Trump por algum receio ou constrangimento social.[1] Não podemos desconsiderar algum tipo de boicote/sabotagem dos eleitores republicanos, já que na retórica do trumpismo as pesquisas de opinião fazem parte da mídia vendida. Outros recorreram à justificativa de que as pesquisas anteriores representavam apenas fotografias do momento específico em que as entrevistas foram feitas, e não o que se poderia esperar na eleição propriamente dita. Isso poderia ter sido de fato observado pela tendência de redução da vantagem de Biden nos últimos 15 dias. Afinal, o episódio da contaminação de Trump e sua rápida recuperação pode ter tido um saldo positivo, ao menos na mobilização de sua base, como já havíamos especulado em coluna anterior.

Aceite-se ou não essas justificativas, fato é que os institutos de pesquisa sairão dessas eleições com sua credibilidade e imagem pública mais arranhadas, sobretudo diante das especificidades do sistema eleitoral americano. Como afirmamos, muitos fatores concorrem para esse desgaste. Um deles está relacionado à condição atualista que caracteriza o nosso presente e como cada um dos candidatos se coloca frente a tal condição.

Trump é um político bastante sintonizado com o ambiente da comunicação atualista onde as provas dispensam comprovação factual. Seja nas redes sociais, seja em seus concorridos comícios, o presidente se revela um comunicador difícil de ser batido. Dentre os aspectos associados à condição atualista, destacamos a intensidade e velocidade sem precedentes do fluxo de notícias, em detrimento dos protocolos de verificação e checagem da informação veiculada. Esse ambiente infodêmico[2] é particularmente fértil para a produção de desinformação e sua disseminação como misinformação.[3] Além das informações imprecisas, para não dizer apenas falsas, que a infodemia trumpista ajuda a difundir, é preciso levar em consideração a agitação/ativação que produz. É como se a oposição se agitasse confusamente e a base trumpista se ativasse a cada um de seus comentários polêmicos. Assim, o uso constante das redes sociais para disseminar fake news ou comentários faz com que, seja de modo positivo ou negativo, o presidente esteja sempre no foco da mídia. O acúmulo de notícias sobre suas falas ou atos inconsequentes faz com que seja difícil recuperar qual foi o absurdo dito ou feito na semana anterior. Na condição atualista há um valor excepcional em estar mais atualizado (e exposto) que o seu adversário. 

Ainda assim, a manipulação das fake news como ferramenta política supõe uma linguagem organizada para se tornar eficaz. Essa afirmação pode soar chocante à primeira vista: como podemos atribuir coerência a um discurso fundamentado em desinformação e que frequentemente e sem o menor pudor afirma hoje o contrário do que disse ontem, como o exemplo do uso de máscaras na pandemia?[4] O ponto aqui é que a condição atualista coloca muitos obstáculos para que o passado, mesmo o mais recente, seja trazido à reflexão. Assim, quando confrontados com suas próprias contradições, políticos atualistas como Trump e Bolsonaro simplesmente atualizam suas narrativas e afirmações quando as anteriores se tornam insustentáveis. Com muita frequência, os seus discursos mudam em função da conveniência da atualidade, sem a mínima necessidade de se prestar conta da contradição com o que eles mesmos diziam no dia anterior.

Essa estrutura atualista do discurso político só se torna eficaz, porém, no interior de uma linguagem organizada e facilmente identificável pelo público que a compartilha, no interior de uma condição material de reorganização do mundo do trabalho e do capital. A crise de 2008, concentração de renda, neoliberalismo, capitalismo de vigilância e a formação do atual “precariado” são elementos, dentre outros, fundamentais para entender a emergência de líderes que governam e são eleitos por pequenas maiorias mobilizadas pela historicidade e ideologia atualista. Só assim podemos entender a força de Trump na eleição independente do resultado final, ainda que sua derrota  interesse a todos os democratas do mundo.

Trump lança mão de artifícios retóricos quando confrontado com suas afirmações evidentemente baseadas em mentiras e contradições, de tal maneira que ele consegue, mesmo em tais situações, transmitir e reforçar o código entre o seu público. O código se estrutura em uma lógica antagonista, na qual o portador é sempre vítima de perseguição por parte do establishment e da imprensa vendida para a “esquerda corrupta” ou as corporações globalistas.

O ponto principal a ser considerado é que para ser politicamente eficaz não é necessário que o código seja compartilhado por todos; mas que seja continuamente ativado junto aqueles que já o compartilham. Por mais que esteja sustentado em desinformações, o fato é que o código é bastante poderoso na ativação de afetos políticos centrais como o medo, ódio e ansiedade, vetores de forte engajamento e agitação política que Trump e Bolsonaro sabem tão bem promover.

O sucesso dessa estratégia se coaduna com a popularização das redes sociais e dos smartphones, bem como das novas tecnologias de processamento de dados manipulados para fins políticos. Nesse contexto, tornou-se possível criar e difundir mensagens sob medida para cada tipo de público, cada indivíduo ou grupo formula suas próprias percepções sobre o mundo a partir de narrativas (códigos) que não mais precisam ser expostos publicamente a todos para serem eficazes. Após alguns reconhecimentos iniciais, os algoritmos se encarregam de abastecer-nos das notícias que nos mobilizam, sempre com o mesmo teor e formato. Reforça-se, assim, o fenômeno das “bolhas”.[5] Esses códigos podem circular de forma subterrânea, de tal modo que o que parece absurdo e chocante para uns, é perfeitamente aceitável e normalizado para outros.

Esse ambiente de circulação de notícias e códigos é condizente com a ordem atualista de nosso tempo e, ao nosso ver, é um fator importante a ser considerado no desempenho surpreendente de Trump nestas eleições. E um dos preços a se pagar para tal sucesso é a radicalização do clima de agitação que tem marcado a nossa época. Esse quadro tem resultado inclusive em distúrbios psicológicos cada vez mais comuns, como o “transtorno do estresse eleitoral”, que segundo estimativas afeta sete em cada dez cidadãos estadunidenses.[6]

Os políticos atualistas claramente não se importam em pagar esse preço, na verdade eles têm lucrado com isso. Mas, ao fim e ao cabo, eles não podem evitar completamente os efeitos colaterais de suas apostas. Agitação e dispersão geram também cansaço no eleitorado. Biden e os democratas tomaram esse efeito como vetor de suas estratégias para estas eleições. Frente à irrefreável agitação de Trump, Biden se vendeu como a opção mais “centrista”, de moderação e convergência. A divergência entre as duas estratégias foi mais uma vez demonstrada logo após o fechamento da votação: enquanto Trump se apressou em declarar-se vencedor e dizer que irá judicializar a eleição em caso de derrota, Biden classificou tal postura como “ultrajante” e pregou calma aos seus apoiadores[7].

Mesmo que a vitória do democrata seja confirmada, é inegável que o preço desse lance foi bastante alto. A imprensa americana noticiou como parcelas importantes do eleitorado negro, que o próprio Biden afirmou ser “a chave para a vitória”, relataram estarem pouco motivados a votarem no candidato democrata.[8] O mesmo ocorreu entre parte do eleitorado hispânico, em especial na Flórida e no Texas. O conservadorismo nos costumes, a adesão a denominações evangélicas que tem crescido entre hispânicos e a tradição anticomunista dos cubanos, e agora também venezuelanos, na Flórida, são fenômenos a serem considerados. Enquanto fechamos essa coluna Trump ainda lidera na Pensilvânia, estado no qual o operariado branco migrou dos democratas para o trumpismo. No último debate, Biden acabou por reconhecer que teria que acabar com a exploração do altamente poluente gás de xisto, o que foi imediatamente explorado por Trump: “Eis uma declaração importante”, ironizou o presidente. Caso perca por margem apertada na Pensilvânia, onde os trabalhadores dessa indústria são amplamente sensíveis ao tema, talvez essa declaração tenha custado a eleição.

Para entender melhor essas flutuações teríamos que fazer algo pouco praticado durante a campanha, uma avaliação retrospectiva fundada em boa informação acerca das políticas públicas implementadas por democratas e republicanos, em especial nos governos Obama e Trump. O apoio ao republicano não é apenas resultado da mágica da comunicação, deriva também da tibieza das políticas democratas e dos acertos de Trump. Reforma do sistema criminal, política externa menos intervencionista, foco na economia e na criação de empregos, com bons resultados, ao menos até a pandemia.

A decisão das eleições primárias do Partido Democrata em nomear um candidato “centrista” para concorrer nessas eleições – ao contrário de uma opção mais radical do populismo de esquerda como Bernie Sanders – foi importante para unificar o partido (em especial o seu establishment) e angariar o apoio do eleitorado “cansado” da agitação radicalizada. Por outro lado, a figura moderada de Biden não se mostrou capaz de promover um grau de engajamento e mobilização do público à altura do seu adversário agitador, nem está claro ainda se seu discurso de união nacional conseguiu atrair eleitores de Trump. Essa diferença é importante em um contexto onde o voto não é obrigatório e, no caso particular das eleições deste ano, ainda mais desencorajado pela pandemia do coronavírus.

Mesmo assim, a moderação pode ter sido eficaz para para derrotar a agitação, mas não para desativá-la. E ainda não podemos assegurar como os EUA sairá dessas eleições, pois Trump continua sendo quem é. Há ainda o risco de o agitador perder e não aceitar sair, e as consequências disso poderão ser catastróficas. E mesmo que ele saia, o trumpismo – o negacionismo, o anti-esquerdismo, o desejo de retorno a um passado glorioso e mítico – ainda permanecerá em parcelas consideráveis da população.

O que tudo isso ensina para o campo democrático brasileiro, que tem de enfrentar a sua própria versão de agitador atualista? Desde o início da votação nos EUA, Bolsonaro disparou freneticamente uma série de tweets ressoando as alegações infundadas de seu ídolo sobre as eleições serem “fraudadas” a favor dos democratas, o que seria um risco para a “liberdade” e para o Brasil. Afinal, nosso agitador atualista tupiniquim sabe bem que a permanência de Trump é uma força de sustentação fundamental para ele. As relações entre EUA e Brasil deixaram de ser uma relação entre Estados, mas sim uma relação de “amizade” (leia-se emulação e, do nosso ponto de vista, subserviência) entre os chefes de turno da Casa Branca e do Palácio do Planalto.

Assim, e seguindo o estilo atualista de fazer política, Bolsonaro ressoa as afirmações sem fundamento de Trump, sem se preocupar com a veracidade e desprezando o princípio diplomático básico da impessoalidade. Mas Bolsonaro também tem seu próprio código “alternativo”, cujo enfrentamento é a tarefa prioritária das forças democráticas no Brasil, que deverá avaliar e tomar suas próprias escolhas para vencer o confronto. Assim como o trumpismo, nos Estados Unidos, o bolsonarismo é um fenômeno que não necessariamente depende da permanência de Bolsonaro no poder: ele mobiliza parcelas consideráveis da população através de seus discursos, que defendem o conservadorismo nos costumes, o liberalismo na economia, a luta contra “o sistema”, a religião e a admiração pelo militarismo.

Será que a aposta moderada e centrista será suficiente para derrotar o bolsonarismo aqui? Mesmo que por pouco? Ou, em nosso contexto particular, faz-se necessário redobrar a aposta na radicalização pela via da esquerda? Mesmo que a vitória de Biden seja confirmada, ainda não está claro qual das duas vias parece a mais indicada para o Brasil. Enfim, tudo indica um destino trágico da democracia liberal de “pequenas maiorias” em tempos de agitação atualista. Sem negar a nossa atual realidade, cabe a nós pensar e imaginar alternativas, por mais difícil que pareça ser em nosso atual nevoeiro e impregnados por uma sensação de asfixia. Além disso, a lentidão com que a apuração avança em alguns estados decisivos promete nos deixar hipnotizados pelos mapas eleitorais na expectativa da atualização decisiva.

(*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Ambos são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto, em Mariana (MG). Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição. Agradecemos à Márcia Motta e ao grupo Proprietas pelo apoio e interlocução nesse projeto.


[1] https://noticias.uol.com.br/colunas/thais-oyama/2020/11/04/o-eleitor-oculto-de-trump-e-o-novo-erro-dos-institutos-de-pesquisa.htm

[2] PEREIRA, Mateus; MARQUES, Mayra; ARAUJO, Valdei. Almanaque da COVID-19: 150 dias para não esquecer, ou a história do encontro entre um presidente fake e um vírus real. Vitória: Editora Milfontes, 2020.

[3] Usamos aqui um neologismo para dar conta da diferença que em inglês é mais clara entre a produção deliberada de notícias falsas (disinformation) e sua disseminação involuntária (misinformation).

[4] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/07/20/trump-muda-discurso-e-agora-diz-que-usar-mascara-e-patriotico.htm

[5] EMPOLI, Giuliano Da. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algorítimos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo: Vestígio, 2019.

[6] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/10/quase-sete-em-cada-dez-americanos-relatam-transtorno-do-estresse-eleitoral.shtml

[7] https://br.noticias.yahoo.com/em-pronunciamentos-biden-prega-calma-e-trump-faz-acusacao-de-roubo-065922289.html

[8] https://www.aljazeera.com/news/2020/9/12/biden-battles-trump-lack-of-enthusiasm-among-black-voters

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Geral

Mulheres candidatas discutem violência jurídica e estupro em Florianópolis

Julgamento que humilhou vítima de estupro na capital está no foco do “Democracia e cidades: eleições 2020 em Santa Catarina” desta sexta-feira, 6, às 20 horas, que entrevista mulheres.

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Julgamento que humilhou vítima de estupro na capital está no foco do “Democracia e cidades: eleições 2020 em Santa Catarina” desta sexta-feira, 6, às 20 horas, que entrevista mulheres.

Quatro mulheres candidatas pela Frente Democrática por Florianópolis a uma vaga na Câmara Municipal são as entrevistadas desta sexta-feira, 6 de novembro, às 20 horas, no quadro “Democracia e cidades: eleições em Santa Catarina”. Na quarta rodada da série, Jornalistas Livres enfocam especialmente o tema da violência jurídica contra a mulher a partir da denúncia do julgamento (assista aqui o júri completo) que absolveu André de Camargo Aranha, acusado de estuprar Mariana Ferrer na festa de abertura do verão do Café de la Musique, em Jurerê Internacional, onde ela teria sido dopada. Discutem ainda a reação da denúncia de estupro e assédio sexual apresentada por umaex-servidora contra o prefeito Gean Loureiro, candidato favorito à reeleição.Acompanhe as entrevistas pelas plataformas dos Jornalistas Livres no Youtube, Facebook, Instagram e Twitter.

Participam da entrevista quatro mulheres, as candidatas feministas, Cirene Cândido, militante em defesa dos direitos da mulher negra pelo PT; Elaine Sallas, professora e artivista negra e lésbica, militante popular do PSoL; Fafá Capela, socióloga e cientista política da UFSC, militante do PCdoB e Júlia Andrade, psicóloga, jovem integrante do Movimento pela Moradia e presidenta da Unidade Popular (UP).Dois fatos tornaram a capital o epicentro das discussões feministas: há uma semana, o prefeito Gean Loureiro, candidato favorito à reeleição, foi denunciado por sua ex-subalterna, a servidora Rosana Ferrari por estupro e assédio sexual. Nesta semana, viralizou em todo o Brasil o vídeo completo com o julgamento em primeira instância de André Aranha, 43 anos, empresário paulista do ramo de esporte, acusado de estupro de incapaz. O júri ocorreu em setembro passado, mas só agora o conteúdo misógino da sessão saiu do âmbito da imprensa local, depois de reportagem de Shirlei Alves publicada pelo The Intercept .

Manifestação da Fetafri – MG – Federação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro de Minas Gerais

Enfrentada por um júri formado por quatro homens, o promotor do Ministério Público, o juiz, o advogado de defesa eo réu, Mariana Ferrer viu seu acusado ser absolvido pelo juiz Hudson Marcos, sob a alegação sem precedentes de que “se houve estupro foi sem a intenção de estuprar”, embora as perícias tenham comprovado a sêmen de Aranha na vítima. O réu Aranhafoi tratado com toda deferência pelo júri, tendo tempo livre para lançar suposições não provadas contra Mariana e lamentar livremente as consequências da denúncia em sua vida profissional e pessoal. Enquanto isso, Mariana Ferrer, 23 anos, foi psicologicamente torturada, intimidada, insultada e humilhada pelo advogadode defesa Carlos Gastão da Rosa Filhoe proibida de fazer avaliações subjetivas pelo juizRudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis.

Foto: reprodução do julgamento por teleconferência em que André Aranha, acusado de estuprar Mariana Ferrer, foi absolvido sob a alegação de estupro sem intenção

Entidades de defesa dos direitos humanos assinalaram a conivência do juiz e do próprio promotor público Thiago Carriço de Oliveira, que deveria defendê-la e não tentou impedimento do advogado nem mesmo quando ele a tratou como uma vagabunda fingida e golpista, mostrando fotos sensuais que justificariam o estupro e foram apagadas do seu Instagram. Diversas autoridades jurídicas do país, como o ministro Gilmar Mendes do STF do país, CNJ, OAB, Conselho Nacional do Ministério Público e até o Ministério da Cidadania, se manifestaram pela anulação do júri e pediram esclarecimentos ao Ministério Público. Uma das sentenças do advogado não impedidas pelo juiz que barbarizaram a opinião pública foram: “Deus me livre ter uma filha do seu nível”. Ele também implorou a deus que nunca seu filho se envolva com alguém da laia dela.

Enquanto o caso de Mariana Ferrer, que era virgem e tinha 21 anos quando foi estuprada, ganhou ampla comoção nacional, com engajamento de mulheres em atos públicos que começam a se espalhar por todoo país, a denúncia de Rosana Ferrari se voltou contra ela. Fotos e vídeo do flagrante, que deveriam ser mantidas em sigilo, vazaram da Delegacia da Mulher, onde a queixa foi apresentada, expondo a mulher e o acusado no encontro com o prefeito durante o erário público e no gabinete da Prefeitura.

Em vez de prevalecer a falta de decoro no exercício de cargo público, que seria motivo para impeachment, as cenas viraram alvo de um coliseu que não cessa de apedrejar a servidora. Nas redes sociais, Rosana éxingada moralmente, difamada e agredida pelos defensores do prefeito Gean Loureiro e acusada de golpe por ter flagrado com o celular o que seria o próprio estupro. Até mesmo opositores do prefeito consideram que as fotos demonstram que houve relação sexual com o seu consentimento. Em seu depoimento à delegacia, aex-servidoraargumenta que fez o flagrante porque já era assediada há dois anos e armou a câmera quando foi avisada de que o prefeito estava chegando ao gabinete da Secretaria de Turismo, onde estava encarregada de fazer a arrumação da sala.

A diferença de repercussão entre os dois casos na opinião pública de Santa Catarina, o primeiro da vítima perfeita, da menina virginal, o segundo da mulher de meia idade, casada, que não corresponde ao imaginário coletivo de inocente, será avaliada pelas candidatas feministas. Estão em questão a incidência de crimes de gênero – ou crimes da ordem política do patriarcado, como prefere a socióloga Rita Segatto -, no Estado e na capital e as propostas para combater a violência contra a mulher. Inclusive a avalanche de testemunhos de jovens que sofreram estupro ou ameaças a partir do golpe do Boa noite Cinderela na mesma boate onde Mariana trabalhava como influencer, espécie de promoter que faz a recepção dos convidados.

Com esses quadros de entrevistas que compõem o programa geral “Eleições 2020: o que está em jogo”, os Jornalistas Livres pretendem contribuir para o processo democrático municipal em todo o Brasil.Até o dia 12 de novembro, a equipe de profissionais dos JL de todo o país estará ajudando seu público a ter acesso a informações, posicionamentos ideológicos, projetos para a cidade e perfis políticos que o qualifiquem melhor para exercer o direito de escolha de seus candidatos. Acompanhe as entrevistas pelas plataformas dos Jornalistas Livres no Youtube, Facebook, Instagram e Twitter.

CANDIDATOS ENTREVISTADOS NESTA SEXTA-FEIRA (6de novembro)

CIRENE CÂNDIDO, candidata a vereadora pelo PT, número 13456, é formada em Gestão Ambiental, técnica em Segurança do Trabalho e militante feminista pelos direitos das mulheres negras. Já atuou como assessora parlamentar, agente comunitária de saúde, empregada doméstica, trabalhadora rural (boia fria), atendente de loja e telefonista. É empreendedora, colunista,mãe solo e eventualmente trabalha como diarista.

ELAINE SALLAS, candidata a vereadora pelo PSoL, número 50333, é mestre em teatro pela UDESC e especialista em Arte no Campo, é militante popular, periférica, negra, gorda, a(r)tivista, professora, arte-educadora, lésbica e umbandista. Foi conselheira no Conselho Municipal de Políticas Culturais e tem uma expressiva trajetória de luta pela educação gratuita, pública e de qualidade, pela cultura, por políticas públicas que são nossas por direito.

FAFÁ CAPELA, candidata a vereadora pelo PCdoB, número 65650, tem 28 anos, nasceu e cresceu em Florianópolis. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Sociologia e Ciência Política e doutoranda em Ciência Política, também pela UFSC. O feminismo abriu seus olhos para a necessidade de mudança: em quase 300 anos de existência da Câmara Municipal, apenas 7 mulheres foram eleitas. Por isso se dispôs a ser candidata a vereadora e a apresentar perspectivas que sorriam para todas e todos.

JÚLIA ANDRADE écandidataa vereadora pela Unidade Popular em Florianópolis (UP), número 80.000.Psicóloga formada pela UFSC, militante popular em organizações como o Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB) e o Movimento de Mulheres Olga Benario.Júlia é Presidenta Estadual da UP, o partido mais jovem registrado no TRE, que trabalha com os movimentos populares em período eleitoral ou fora dele.

#JustiçaParaMariFerrer

MANIFESTAÇÃO POR ESTADO:

Em reunião virtual organizada pelo 8M Santa Catarina, uma rede nacional de mulheres definiu o desencadeamento de atos #JustiçaParaMarianaFerrer em todo o país sob o lema do “Fim da Cultura do Estupro” e “A culpa não é da vítima”. Em Florianópolis, vários atos já foram realizados e o próximo está marcado para o dia 7 de novembro, sábado, às 14 horas, no Centro de Florianópolis.

SÃO PAULO – SP

  • 08/11 (domingo)
  • 13hrs
  • Vão Livre do MASP

BRASÍLIA – DF

  • 04/11 (quarta-feira)
  • 19h
  • Praça dos 3 poderes

RIO DE JANEIRO – RJ

  • 08/11 (DOMINGO)
  • 14 horas
  • Cinelandia

BELÉM DO PARÁ – PA

  • 08/11 (domingo)
    -14 hrs
    -Can (em frente a basílica de Nazaré)

BELO HORIZONTE – MG

  • 07/11 (Sábado)
  • 15:00
  • Praça 7 de Setembro

MANAUS- AM

  • 08/11 (domingo)
  • 13:00
  • TEATRO AMAZONAS

RIBEIRÃO PRETO /SP

  • 06/11 (sexta-feira)
  • 13:00
  • TEATRO PEDRO II

UBERLÂNDIA – MG

  • 08/11 (domingo)
  • 13:00
  • PRAÇA TUBAL VILELA

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP

  • 07/11 (sábado)
  • 10h
    Praça Afonso Pena

PORTO ALEGRE – RS

  • 08/11 (domingo)
  • 15h
    Redenção

CURITIBA – PR

  • 07/11 (sábado)
  • 14:30
  • Santos Andrade

FLORIANÓPOLIS – SC

  • -04/11 (quarta-feira) -17h -Em frente ao Tribunal de Justiça de SC e
  • dia 07/11 (sábado)
  • 15h
  • Beira mar

BALNEÁRIO CAMBORIÚ – SC

  • 08/11 (domingo)
  • 13h
  • Ponto de encontro R. 1500 esquina com a praia, saída até a praça Tamandaré

CRICIÚMA – SC

07/11 (sábado) – 10h – Pça Nereu Ramos -08/11 (domingo) -14:30 -Forum

ITAJAÍ – SC
Local: Igreja Matriz de Itajaí
Data: 08/11/2020
Horário : 13hrs

SALVADOR – BA

  • 07/11 (sábado)
  • 15h
  • OAB BA, rua portão da piededade

FORTALEZA – CE

  • 07/11 (sábado)
  • 15h
  • Praça da OAB/CE

JUIZ DE FORA – MG

  • 07/11 (sábado)
  • 15h
  • Parque halfeld

VITÓRIA – ES

  • 08/11 (domingo)
  • 15h
  • Em frente à Assembleia Legislativaj Teresina – Piauí
    Dia: 07/11
    Local: Parque da Cidadania
    Horário: 16hs Natal- RN*
  • 07/11 (sábado)
  • 15:00h
  • Mydway Mal (shopping)

Veja a nota do 8M Brasil – SC

JUNTAS PELO FIM DA CULTURA DO ESTUPRO!

Chega! Não aceitamos essa cultura que nos explora, oprime e violenta nossos corpos. Não naturalizamos a impunidade seletiva e culpabilização das vítimas!As imagens da audiência que inocentou André de Camargo Aranha com o argumento absurdo de “estupro culposo” alegando falta de provas, são revoltantes. As agressões do advogado, promotor e juiz contra Mari Ferrer, escancaram de que lado está a justiça e por que é tão difícil para as mulheres denunciarem. Sabemos que provas é o que não faltam! Não existe estupro culposo! Repudiamos a exposição e culpabilização das mulheres vítimas de violência sexual. Como no caso da denúncia contra o Prefeito Gean Loureiro por estupro. Para ele, a consequência até agora foi zero, não foi afastado do cargo até que o caso seja julgado e segue na corrida pela reeleição, condenando a vítima publicamente.Chega! Queremos dignidade e respeito!Vamos pra rua!Próximo sábado, dia 07/11 #JustiçaPorMariFerrer e por todas nós!Exigimos a anulação dessa sentença e punição a todos os agressores.#DeuPraTiGeanA culpa nunca é da vítima!É pelo fim da cultura do estupro!#EleNão#ForaBolsonaro#NossasVidasImportam

Evento no FB do ato dia 07/11:
https://fb.me/e/1CH1B9k56

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