A vida é cheia de sonho e fúria

Ser periférico é um destino. É uma marca no coração e na testa. É um passaporte para uma viagem sem volta. Sempre serei periférico. Por mais que minha cara, minhas vestes, meus gostos gastronômicos sejam contaminados pela classe média à qual hoje pertenço, eu carrego esta minha história. Sou periférico. O caminho é mais longo, é duvidoso, é sinuoso e cheio de atalhos mentirosos e desvios temporais.

Ser periférico moldou meu espírito. Sei disso. E hoje agradeço por ter essa marca em meu coração e em minha testa. O meu caráter foi formado no campinho da Praça dos Pneus, na minha querida Padre Roser e seus carrinhos de rolimã, na Jean Buff, no Horto Florestal, no quase Quilombo de Dona Maria do Rosário, nos caminhos dos matagais adjacentes, nas comunidades pobres do Jardim Paraíso, Chácara do Encosto, Jardim Peri, nas pinguelas do Córrego Água Fria, no recreio do Crispim.

Crispim. Minha escola. Almirante Visconde de Inhaúma. Escola pública. Lembro de vários professores, dos bróders, dos campeonatos de salão, da educação física no frio de junho, as aulas perdidas apertando campainhas, as ruas dos outros, as ovadas de aniversário, o bafo, a copa de 82. Eu era o rei das colas, das pipas feitos com bambu, do rolimã. Lembro de uma professora de história, que deu como leitura “As veias abertas da América Latina”. Uma professora que simplesmente, num dia qualquer, não era mais nossa professora. Depois fui me ligar que ainda era a senhora ditadura. Por onde andará essa professora? “As veias abertas da América Latina”. Não só li, engoli, mastiguei, degluti, fiz a mais completa digestão.

Eu quero conquistar esta cidade. Ela será a minha cidade. E depois, esse meu país. E depois, essa América Latina, e depois, esse mundinho aí.

Crispim. Também moldou meu espírito. Meu pertencimento. Minha pertinência. Meu primeiro beijo de verdade. Meu primeiro time. Equipe. Convivência. Aprendizado. Trocar segredos de confiança, estabelecer limites a serem atravessados, procurar espaços não-reconhecidos, inventar plataformas de lançamento. E se jogar pra frente, sempre.

Depois, Escola Técnica Federal de São Paulo. Antigo colegial. Também pública. Profissão, realidade, sistema. E a leve certeza de sonhos suspensos. Aqui, uma escola de toda a cidade. Gente de todos os cantos da Pauliceia. Conhecer Vila Sonia, Aclimação, Parelheiros, Planalto Paulista, Rudge Ramos, Campo Limpo, Tatuapé, Grajaú, que Itaim Paulista não é Itaim Bibi. Aprendi mais sobre minha cidade do que a serventia de um relê, de um capacitor (além de dar choques), de um circuito integrado, das aulas do curso de eletrônica. Dois festivais de música por ano, primeiro mural de grafite, oficinas de música, teatro, artes plásticas, da qual fui assistente por 6 meses, também ajudaram na escolha dos meus caminhos dali pra frente.

Esses tempos de catapultas imensas, problemas gigantescos, tristezas epidêmicas, máquinas do tempo engrenadas, formaram meu balão de oxigênio proto-futurista. Desprendendo do cordão umbilical familiar e avançando sobre o planeta diário de tags, descobertas e as forças do acaso, cheguei na estação involuntária temporária. O centro, o meio. A cidade.

Crispim, Federal e Mandaqui. Tudo o que veio depois, na interminável procura, teve origem nesses três pontos cardeais da minha vida. Tudo. O que quero desse mundo, o que entendo de identidade, formação e referência. O que procuro na insanidade diária da responsabilidade, o que penso e faço sobre caráter, dignidade, fidelidade às minhas palavras, o que berro, o que silencio. Nunca esquecerei em cantos obscuros da lembrança. Nunca.

Hoje, já tenho essa cidade em mim. Aqui dentro. Trespassada, pisoteada, mastigada, reconhecida. Já faz muito tempo desde o primeiro lusco-fusco. Às vezes a visão turvou, nublou, a voz sumiu, silenciou, as mãos se esconderam nos bolsos ou socaram o vácuo, os ouvidos se fecharam, e o jantar não foi servido. A proposta sempre foi mudar o mundo. Mas o tempo vai e vem, e você vai e trabalha um tanto, projeta riscos e linhas e se perde nelas, o tempo vem e vai e você degusta o sabor amoroso de uma conquista, o tempo se inunda e você, quietinho, espera a tempestade passar. Não é medo, não é traição, não é desistência. É apenas… o tempo. E vai. E vem.

E nesse passar do tempo, a velhice chega voando. Não que o tempo seja o medidor da velhice. Não é isso. Velhice não é marca do tempo. Velhice é uma contemplação preguiçosa da memória. Podemos ser velhos, jovens. E sermos jovens, bem velhos. Mas ainda assim, enquanto você se pendura na rede e deixa o vento escaldar sua vivacidade, algumas vezes você é atingido por uma bomba de gases libertários, você é empurrado por um abismo de cordilheiras, você é engolido por uma baleia estratosférica, você é banhado por sprays poderosos de juventude, e você se olha no espelho, e tá lá, aquela madita espinha no meio do teu nariz, a te conferir a adolescência de seus destinos.

Fotos: E.E. Diadema — Por Sato do Brasil

Escolas em luta.

Esse dias fui atropelado por essa porra de sentimento. Em dias de ruas em manifesto, enfrentamentos quase ingênuos, hinos revoltosos. Os primeiros nomes de uma subversão cheia de frescor foram chegando lacerando os ouvidos. Sabóia, Kopke, Orestes, Raul Fonseca. Outra manifestação como muitas outras tentaram? De repente, esse meu preconceito foi sendo quebrado. Acompanhando pela cobertura dos Jornalistas Livres, fui sendo levado, em moto perpétuo, a um universo real de destempero, de raiva, de arrebatamento ingênuo, de vontade represada, de gritos que cabem na boca, de causa e gesto.

O óbvio ululante, seu Nelson. A polícia começou a resenha descendo a porrada. No seu mais confortável estigma. Porrada nesses vândalos. Porrada nesses vagabundos. E se for fotógrafo querendo só um clique mais favorável, porrada também. E se escorregar, e você estiver na minha frente, mais porrada. Com gosto.

Mas algo nessa fórmula deu errado. Não sei se foi o sol, a mandinga juvenil, a leveza das danças. Algo saiu do eterno controle. Algo escapou pela fenda inesgotável da rebeldia. Uma pequena gota. Uma só. E tudo ficou fora da ordem. E tudo ficou sem lugar. E tudo ficou estranho no espelho. Não são vagabundos, afinal, os esforços desses soldados são exatamente pra destronar a estatística e empatar o jogo. Querem estudar, estudar em escolas que lhes desafiem, que deem possibilidades de virar o jogo. Não são vândalos, por mais que queiram os constantinos, azevedos, jabores em devaneio. Eles não quebram carteiras, aplicam atividades, fazem seu rango, lavam os pratos, limpam os banheiros, varrem o chão. Vocês podem não lembrar, mas esses meninos e meninas da rede pública aprenderam muito cedo, no cerne de seus lares, ajudando suas famílias, cuidando de seus irmãos, primos e vizinhos.

Mas nenhuma autoridade do governo ousou conversar com esses estudantes, ninguém quis entender suas reivindicações, ninguém quis partilhar seus medos e desejos, nada. O outro lado da linha sempre silenciosa. Alguém deve ter falado: deixa quieto, que eles já já cansam e vão embora, ou também: nem responde, tem Brasileiro, Copa do Brasil e Brasil x Argentina, relaxa.

Mais um erro. Um erro estratégico imperdoável. Perdeu playboy! Quando recusam o diálogo, quando a prepotência reina, quando pensam apenas no controle e repressão. Não existe espaço para esse tipo de raciocínio ultrapassado. O mundo cabe dentro do zap. Em velocidade de cruzeiro. Essa molecada deu um banho de inteligência, coletividade, convivência e vizinhança. Deram mais um passo à frente e o abismo se modelou num voo interminável. Vocês permitiram o voo desse exército de brancaleones jovem e solene. Peter Pan e a meninada. Com a vantagem de saber que estão crescendo e mudando essa cidade, esse Estado, esse País.

Fotos: Paulo Ermantino

Segue o voo.

Sem respostas, sem conversas, sem explicações de uma re(des)organização autoritária e unilateral, o caldo entornou. Porque minha escola vai ser fechada? Porque vão acabar com o ensino médio? Porque vão separar os cursos médios e fundamentais? Porque? Não quiseram saber que na E. E. João Kopke, no bairro da Luz, os alunos mais velhos acompanham os alunos mais novos por uma região em completo litígio. Não quiseram entender que na E. E. Fernão Dias Paes e em outras escolas mais centrais, quem está matriculado são estudantes que moram longe dali, em bairros periféricos, mas que almejam um nível de estudo melhor e que muitos deles trabalham na região, e por isso, resolveram estudar ali? Nem passou pela cabecinha deles que a E. E. Padre Saboia de Medeiros ensina permacultura, reutilização de água, horta urbana, teatro e muitas outras atividades extra-curriculares que tentam achar alternativas comunitárias para o enriquecimento social de seus alunos? Nem quiseram conhecer a E. E. Diadema, onde os alunos passam boa parte da vida e constroem uma relação de confiança e empoderamento, levando para o campo lado a lado com os professores, verdadeiras noções de cidadania, que transformam-na em um modelo de educação em toda a região? E tantas outras experiências inovadoras e coletivizadas nas outras escolas reféns dessa medida descuidada e arrogante do governo do Estado de São Paulo?

O que se quer ver está a nossa frente. Fechando escolas públicas nos bairros “nobres” de São Paulo, você empurra os jovens pobres, pretos e periféricos para as bordas invisíveis da cidade. Somando a atuação repressora e agressiva da polícia na periferia, o barato vai ser louco e sangrento. Esses meninos e meninas que ousaram sacudir o marasmo institucional, que ousaram atravessar o grande muro das marginais, que ousaram querer ser grandes, que ousaram andar por onde a classe média branca apenas passa com seus tanques de guerra com vidros fechados e ar condicionados ligados. Que ousaram lutar por uma vida simplesmente melhor. Que ousaram sonhar.

Dividindo os estudantes dos fundamentais I, II e do curso médio, você rouba a referência, o pertencimento, o exemplo. Você não tem mais o atrito, as diferenças de trajeto, os ajuntamentos intencionais, e assim, suas resoluções, seus impactos, suas descobertas sobre tolerância, diversidade e igualdade no centro explosivo diário da convivência. Isso é cidadania, porra!

Mais. Separando o ensino médio, em conjunto com a redução da maioridade penal, você constrói um painel delicioso para as hordas repressoras da Polícia Militar, Civil e Tropa de Choque do Estado. Junta uma base da polícia na esquina e as escolas serão transformadas em engradados de vândalos registrados. Prontos para o abate.

Última. A falta de diálogo, a prepotência ferrenha, o franco desdém com o futuro dessa garotada, parece coisa de criança. Aquela dona da bola, que não quer mais brincar se todas as regras não forem criadas por ela. Uma criança mimada, vingativa e birrenta. Xilique de chefe. Então, essa escola é progressista? Fora. Quer dizer que esses professores fizeram greve? Fora. De novo essa diretora exigindo mudanças? Fora. O que? Horta comunitária, participação dos pais, participação política? Comunistas… Foraaaaaaaaaaa!

E.E. Fernão Dias — Foto: Sato do Brasil

Quem não pode com a formiga, não assanha o formigueiro.

Quando o silêncio zomba desse exército com corações em pólvora, a razão se junta ao espírito, e o próprio caminho aponta a direção. Tomarão de volta o que é deles por direito. Seu primeiro time. Seu primeiro beijo de verdade. Sua referência. Seu pertencimento. Equipe. Convivência. Aprendizado. E assim foi feito. As escolas se tornaram seus castelos de convívio. Ocupação. Invasão? Não se invade quando já está dentro. Não se invade algo que já é seu. Não se invade onde se gosta, se cuida.

Diadema. Fernão. Salvador. Castro Alves, Valdomiro, Ana Rosa, Pio Telles,

Carlos Gomes, Heloisa, Tancredo, Silvio Xavier, Antonio Manuel, Oscavo, Melega

Cenário de Guerra. Força Tática, Rocam, Tropa de Choque, Ronda Escolar. Um efetivo de quase 300 policiais nas cercanias da E. E. Fernão Dias Paes, em Pinheiros. 50 sirenes nervosas, armas em punho, capacetes, escudos, cassetetes. Tudo brilhando. Você quase consegue ver um sorriso maroto junto com aquela saliva empoçada, no canto da boca. Meu Buda querido. Meu gordinho. Me explica o porque isso? Desde quando decidir sobre educação, um dos direitos básicos, que é conferida à população, virou um complexo caso de polícia? E de muita polícia? 300 policiais x 30 estudantes. Moral da história. 10 cassetetes para cada estudante menor de 18 anos. Algo descomunal. Davi x Golias, coisa assim. Os 300 de Esparta contra os centenas de milhares do Exército Otomano. Ou mais próximo, Canudos.

Miguel Maluhi, Elizete, Godofredo, Adib Chammas, José Lins, Cohab Inacio, Mary Moraes,

Negrini, Solitto, Kopke, Souza Cunha, Saboia, Sinhá Pantoja, Demy

E lá vem as notícias globais do movimento. “Estudantes invadem escolas”. Já disse antes, como invadir se já está dentro do que é seu? “Vândalos quebram…” Engraçado falar nisso, se nenhuma carteira foi sequer amassada, quando as imagens mostram meninos e meninas limpando os banheiros, cozinhando sua comida, lavando seus pratos, com sorriso no rosto e vontade nas mãos. Ah, pais, como vocês devem ter orgulho desses seus filhos! É quase piada pronta falar em vândalos. Ok, cobriram a cabeça do bandeirante sanguinário com um plástico preto, dando apoio à questão indígena. Mas isso não é bem vandalismo, isso é coerência de pensamento de País.

“Vagas ociosas…” Todas as escolas que estão na lista de reorganização e que visitei, não têm vagas ociosas. Ociosas pra quem? Quem sabe sobre quantidade x qualidade? Autoridades que nunca entram em escolas a não ser em reintegração de posse? A maioria das escolas tem quase 40 alunos por classe. Você jura que esse número é satisfatório? 40 alunos na mesma sala? Só pode ser brincadeira. Você já participou de alguma reunião com 40 pessoas? Aquelas reuniões que não se chega a lugar nenhum na imensa maioria da vezes?

Coronel Sampaio, Avesani, Godofredo, Suely, Astrogildo, Marilsa, Stela Machado,

Colonia, Santinho, Carvalho Mange, Américo, Azevedo, Vilas Boas, Eloy

E quanto às escolas de lata? Deveriam ser as primeiras na lista de uma provável reorganização. O Governo do Estado, através de reformas ridículas em que apenas abraçam as paredes com pré-moldados mantendo a estrutura de zinco, mentem ao dizer que não existem mais. Essa reforma apenas mudou o nome de “escolas de lata” para “escolas padrão Nakamura”. A maioria delas ainda resiste na região do Grajaú, extremo sul da cidade. Essas escolas fazem parte da reorganização? Pelo que eu saiba, projeto de construção de novas escolas para substituir essas, não existe. O que vão fazer? Transferir essas centenas de estudantes para outras escolas da região, deixando em cada classe, 50, 60 alunos? Que coerência, hein?

Raul Fonseca, Carlos Gomes, Josefa, Galeão, Pedro Fonseca, Wilma Flor, Benedita,

Mocam, Guaracy, Caetano, Alexandrino, Aracati, Chuery, Saint Exupéry

Mas como o homem de camisa branca que parou os tanques na Praça da Paz Celestial, na China, essa molecada parou a polícia, parou a reintegração de posse, parou o Governo de SP. As reintegrações de posse, que no próprio nome carregam um trocadilho infame, foram barradas pelo próprio juiz que as pediu. Ouvi pelas redes, um salve para esse juiz. Parem com isso, ele que assinou as reintegrações, demorou dias para se colocar, e devido à pressão que os estudantes, professores, imprensa alternativa, direitos humanos, Apeoesp, movimentos sociais como o MTST, advogados ativistas, pensadores, aí sim, canetou a paralisação das reintegrações.

Augusto Cesar, Magalhães, Agari, Viana de Souza, Eulália, Naked, Cotrim,

Homero, Lauro, Cleóbulo, Silvia Ribeiro, João Batista, Di Cavalcanti, Miss Brownie

Como disse Seu Bezerra:

Aaaah, meu bom juiz, (meu bom juiz) Não bata este martelo nem dê a sentença/

Antes de ouvir o que o meu samba diz/

Pois este homem (menino) não é tão ruim/

Quanto o senhor pensa

Clybas, Alayde, Petronila, 21 de Abril, Francisca, Ede Wilson, Fidelino, 8 de Abril,

Cotolendo, Tito, Honório, Glicério, Maria de Lourdes, Damo, Joaquim Leme.

Fotos: Sato do Brasil

Trila, seu juiz! Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo.

A porteira foi aberta. O vespeiro foi cutucado. O formigueiro foi pisoteado. A caravana então passa. A boiada passa. As vespas mandarinas picam. As formigas traçam seu caminho. No mapa das ocupações desse google territorial, os pins vão pululando como pipocas em cio. Uma na Zona Norte, duas no ABC, outras na Sul 1, Extremo Leste, centro, Zona Oeste, e mais e mais, a cidade toda florescendo pins. 10, 13, agora são 15. Tem mais? Tem mais esse! Outras 4. Esse já deu? 20. 20? Não, agora já são 23. 25. 30. Caraca, 30 escolas? Quase 40. E assim vai. Cada número alcançado, uma pitada na revolução.

Malatrasi, Caetano, Ináh de Mello, Marajoara, Giannasi, Nanci Cristina, Pizzotti,

Souza Penna, 16 de Julho, Otoniel, Emigdio, Ayrton Busch, Sapopemba, Ciridião

Comecei esse texto com menos de 40 escolas ocupadas. Nem posso prever quantas estarão ao terminá-lo. Torço, sinceramente, que sejam três dígitos. 100, 200, 300. Um movimento claro em suas reivindicações. Um movimento que sabe donde surgiu, como surgiu e para que surgiu. Um movimento que aceita os esforços de apoio, seja de pais, associações de professores, movimentos sociais, movimentos estudantis, mas que se colocam como artífices da porra toda. Pontas-de-lança nesse tabuleiro de forças e obstáculos institucionais que teimam em domesticar esse delay educacional.

Andronico, Azevedo Junior, Beathris, Rachid Jabur, Capitão Amaral, Jesuíno, Irene,

Julio de Mesquita, Vilela, Eliseu, Cícero, Arlindo, Orville, Renê

E mais. A rede. O zap. A revolução nunca será televisionada. Será zapeada. Será postada. Será compartilhada. E muito mais. Essa rede está se organizando viralmente como nenhum governo soube antever. Escolas em luta. Uma assinatura de lealdade, comunidade, resistência. Troca de ideias pelo whatsapp, imagens da ocupação pelo instagram, notícias pelo facebook, apelos pelo telegram, documentações via periscope, snapchat, tsu. Uma teia gigantesca e inimaginável começa a traçar veias e artérias com informação, templates, documentos, atividades. Cada escola carrega em seus símbolos todas as outras escolas. Nas ruas, faróis, passarelas, vê-se o nome de todas as escolas em luta. E quanto mais resistente, quanto mais comunitário, quanto mais lealdade, mais forte, mais viral. Disparador de uma revolução verdadeiramente popular e continuada.

Crispiniano, Aracy Leme, Etelvina, Moabe Cury, Barão de Jundiaí, Plínio, Riolando,

Jamil Gadia, Humberto de Campos, Notari, Antonio Vieira, Olindo, Estela, José Alfredo

Acompanhei os estudantes na Audiência Pública no Fórum João Mendes. Frente a frente com o secretário estadual de educação, Sr. Herman Voorwald. Representantes de várias escolas que estão movimentando essa placa tectônica invisível resistente e autoritária, estiveram presentes. E, sinceramente, deram um baile na presunção do Governo do Estado. Primeiro, não aceitaram uma proposta tacanha do Senhor Secretário, onde se dizia que a partir da desocupação das escolas e da leitura do regulamento de reintegração, e posterior envio das demandas dos estudantes, seria aberto um possível diálogo. Depois, trouxeram a sua carta de intenções. Clara e objetiva:

“A reorganização suspensa por todo o ano de 2016. O debate sobre o tema deve incluir toda a comunidade escolar, pais, professores, associações e ainda alunos que concluirão o ensino médio em 2015. Nenhum estudante, funcionário, professor, diretor que tenha apoiado o movimento será punido. A premissa principal para que os estudantes iniciem o diálogo é a garantia de que nenhuma escola será fechada.”

Vila Any, Tullio, João XXIII, Faggin, Décio, Maria Zilda, Benedita Lino, Augusto Meireles

Rodrigues Bueno, Maria José, Adelaide Rosa, Conte, Arthur Chagas, Mignoni

A partir desse momento, o movimento só se fortaleceu. Transformando a tecnologia de rede na tecnologia de encontro. Assembleias, encontros, troca de saberes e experiências. Horizontalidade. Parafraseando a Marcha das Mulheres, mexeu com uma escola, mexeu com todas. Todas as escolas, escolas de luta. Nunca antes na história. A última cartada do Alckmin e do Governo de São Paulo é criar uma milícia extra-curricular, onde diretores regionais, diretores de escolas, professores antiquados, pais desinformados e alunos enganados são os soldados armados de violência e intransigência, mentiras e ameaças rasas sobre perda de ano letivo, castigos infames e perseguições prováveis, com a salvaguarda do efetivo da Polícia Militar como escudo e brasão. Talvez o movimento mais forte e saudável desde a luta contra a ditadura, recebendo o ataque de um governo nos moldes dessa mesma ditadura.

Virgília, Jardim Angela, Firmino, Alves Cruz, Salim, Casimiro, Monsenhor Maggi,

Antônio Aggio, Castanho, Dom Barreto, Gonçalves Vieira, Ivani, Marta Teresinha

Meus tempos de Crispim e de Federal não voltam mais. Sei disso, mas acompanhar de perto essa chama inflamável de rebeldia, traz de volta aqueles sonhos suspensos. O oxigênio entra mais forte. O sangue corre mais rápido. Os olhos vasculham incessantemente. Chegamos junto, levamos conosco pavios de outros tempos que se acendem novamente. O que aprendemos passamos como testamento para essa nova geração. Conceitos, ideias, palavras, ações, documentos da revolução. Tudo exposto. O que foi nosso agora já é do tempo. Meu buda, já são 200.

Wanda, Leico Akaishi, Alvaro, Bruno Pieroni, Gaspar, Georgina, Helio del Cistia,

Julio Prestes, Madureira, Otília, Gregório, Monsenhor Bicudo, Maria do Carmo, Oswald

Eu vejo os primeiros dias do resto de nossas vidas. O Exército de Brancaleones está sabendo recontar a história, está recontando, experimentando, tentando, errando e acertando. Não se deixem levar por pequenos obstáculos, desvios de passagem, intimidações toscas e mentiras arquitetadas em mesas de marfim. Vocês estão aprendendo na vida, cidadania e identidade. Fazendo política. Entenderam que somos seres políticos. Lacem o destino e se coloquem à frente da parada. O arco e a flecha. As esperanças de um movimento esquecido. Aquele cidadão que dirige essa cidade. Que se comove, que escuta, que aprende, que pratica, que transforma. Um cidadão que constrói esse País, que continua grande no coração dessa rapaziada. Tamojunto de verdade.

Dagoberto, Bonilha, Senador Vergueiro, Genésio, Cordeiro, Martinho, Zulmira, Guiomar, Poletto, Pastor Cicero, Wilfredo, Maria Ramos, Procópio, Antonio Caio, Jethro, Romeu, Cavalcanti, DeGaulle, Funaro, Cepam, Toufic, Norberto, Hugo, Ezequiel, Ossis, Lysanias, Clotilde, Ferreira de Menezes, CEDOM, Iracema Crem, Savino, Sebastiana, Ferrucio, Galhiego, Asa Branca, Prisciliana, Anhanguera, Colonia dos Pescadores, Justina, Maria de Lourdes, Zacarias, Lacava, Apparecido, José Ermírio, Maria Osório, Brotero, da Ré…

… e que venham mais…

Eu acredito na fúria. Eu acredito no sonho. Eu acredito em corações cheios de sonho e fúria.

Queremos conquistar esta cidade. Porque esta é a nossa cidade. É aqui o nosso lugar. A partir daqui, na incessante busca desse lugar, aqui estaremos.

E.E. Fernão Dias — Fotos: Sato do Brasil

P.S.: Antes desse meu depoimento chegar a vocês estive cobrindo a manifestação dos estudantes na Avenida Nove de Julho, no dia 01 de dezembro, pelos Jornalistas Livres. Essa ação que chamo de “Carteirada”. Já que não existe o mínimo diálogo entre o governador do Estado, Geraldo Alckmin, ou do seu secretário da educação, Hermann Vorwald, os estudantes estão promovendo a “Carteirada”. Salas de aula nas ruas, parando a cidade para expor suas necessidades e sua luta. Deixo com vocês essa última imagem. Diz muito sobre tudo o que escrevi aqui. Estamos de “luta”.

Lute como uma menina

PS 2: Hoje, dia 4 de dezembro de 2015, o governador Geraldo Alckmin fez um pronunciamento oficial, dizendo que a reorganização escolar está suspensa.

Sossega coração
Ainda não é agora
A confusão prossegue
Sonhos afora
Calma calma
Logo mais a gente goza
Perto do osso
A carne é mais gostosa.
(Paulo Leminski)

Desculpe seu governador. Mas eu só confio, vendo. É ver para crer. No exato momento de seu pronunciamento, a imprensa alternativa (Jornalistas Livres, Carta Capital, Jornal do Professor, entre outros) foi proibida por seguranças truculentos do Palácio do Governo a acompanhar o ato. No exato momento de seu pronunciamento, a Polícia Militar deitava o cassete(te) nos estudantes secundaristas em manifestação no centro da capital. Se a censura faz parte do seu dia-a-dia e a repressão violenta continua como abre-alas de sua instituição, não há como acreditar em suas ações.

A reorganização está suspensa, apenas suspensa. E não, cancelada. Suspensa até quando? Não existem datas nem previsão. Você diz que haverá audiências para discussão sobre a reorganização. Como se darão essas audiências, em que momento e que pessoas participarão delas? As matrículas estão garantidas, é um progresso, mas isso não garante o ano todo. Um decreto, como muitos outros que já foram feitos, pode mudar isso de um dia para o outro, não é mesmo, governador? Aliás, governador, onde está a revogação do decreto anterior, que previa as reorganizações das escolas? Esperemos pelo “Diário Oficial”? E plano, plano mesmo, nada.

Escola por escola. Sério, governador, até hoje de manhã, você não dialogaria com ninguém, agora vai conversar com escola por escola? As 400? Jura mesmo que você quer que a gente acredite nessa ladainha? A força do movimento está na unidade. O senhor sabe disso, né, governador? Mas os estudantes também sabem. Eles construíram esse conceito, essa forma, essa coletivização, essa rede, esse encontro.

Espero, mesmo, que eu esteja errado, pois esta é uma vitória coletiva, horizontal, gigantesca, monumental. Uma vitória de cada escola em luta que, juntas, tornaram-se um organismo só. Forte, pungente, brutal. Nunca mais essa escola será o que já foi. Nunca mais essa escola será um lugar estranho novamente. Vocês, estudantes, reconheceram cada canto, cada armário, cada buraco, cada giz que a vocês pertence. Essa escola agora é de vocês. Pertence a vocês e vocês pertencem a ela. Vocês alimentaram cada espaço, dentro da escola e na rua, no campo, no espaço público, com seus espíritos. Isso é imensurável. Vocês, começaram a revolução educacional que sempre sonhamos. Vocês, agora, são pontas-de-lanças de um novo tempo que está apenas abrindo suas portas.

Lembrem-se de tudo que aprenderam e compreenderam até aqui. Lembrem-se das tretas, do gás, do rango, das noites mal-dormidas, dos abraços. Olhem-se nos espelhos. Hoje não será como antes. As espinhas podem ainda estar lá mas isso não importa mais. Olho para vocês e vejo companheiros de jornada. Companheiros na construção de uma nova ideia, um novo país.

E por fim, insisto: ninguém sai, ninguém sai, ninguém sai.


Menino, não chore!

Menino, cresça e apareça!

Menino, seja homem!

Não, senhores! Serei menino

Serei menino a correr atrás da bola

Meus senhores

Serei menino a correr atrás de ideias

Meus senhores

Serei menino a correr atrás de sonhos

Meus senhores

E mais, meus senhores

Serei menino para errar quando poderia ter acertado

Serei menino para gritar quando poderia escutar

Serei menino para dar uma porrada quando poderia ter soprado

Serei menino para silenciar quando poderia sussurrar

Por isso peço a mim mesmo, meus senhores

Quando for homem crescido que não erra

que não grita, que não dá porrada, que não silencia

Que esse homem crescido não chore

quando o menino que vocês,

meus senhores, chamam de homem

Tenha crescido quando ainda menino.

Foto: Sato do Brasil

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