A ideia de discutir sobre sustentabilidade não é tão nova; na década de 1970, a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano — United Nations Conference on the Human Environment (UNCHE), em Estocolmo, as questões ambientais e ecológicas ganharam maior destaque em alguns países.
No início, sustentabilidade resumia-se em meio ambiente e cuidados com ele; após estudos e problematizações, em 1987, a partir do Relatório Brundtland (disponível em: http://www.un-documents.net/our-common-future.pdf), a sustentabilidade começou a ser trabalhada comodesenvolvimento sustentável, o qual analisa não só o meio ambiente, mas o contexto social e econômico dos países.
É o chamado tripé da sustentabilidade.
A partir desse debate sobre desenvolvimento, mudou-se a noção de sustentável e levou-se em consideração não apenas o meio ambiente, como separar o lixo, cuidar dos rios, não poluir as matas e diversas outras atitudes de extrema importância, mas que não podem estar isoladas de outras. Ser sustentável é planejar, pensar além — e também no agora –, sonhar e organizar; mas acima de tudo é estar disposto à mudança. Hoje, pensar o consumo e as formas dele é essencial para sustentação do tripé; além disso, como pensar nisso e não levar em consideração a fome, a miséria, o trabalho escravo e as condições sub-humanas de vida em diversas regiões do mundo? Sustentabilidade é pensar no todo.
Foto: Amanda Souza
O debate é essencial para compreender que não se deve pensar somente no meio ambiente, mas problematizar diversos outros fatores, sejam políticos, econômicos, sociais e relacionais e a Universidade tem papel fundamental em meio a isso. De acordo com Luciede Ribeiro, professora responsável pelo NIS — Núcleo Interdisciplinar de Sustentabilidade da PUCPR, “a Universidade contribui com debates e novidades que acontecem no mundo sobre como viver melhor, como lidar com o consumismo que obriga a sociedade a consumir mais e mais e quais são as consequências disto para a vida como um todo. Adotamos a sustentabilidade como tema central dos nossos debates por acreditarmos que ações simples do cotidiano podem tornar o ambiente que nos cerca muito melhor para se viver”, explica.
A terra como forma natural de subsistência e saúde
Os problemas e desafios ainda são latentes na sociedade, mas há (muitas) atitudes sendo criadas para começar esse processo de mudança. Aos poucos, algumas pessoas tornam-se protagonistas da transformação e da fuga dos padrões de consumo e de vida e, além disso, também se tornam multiplicadores dessas ações.
Uma delas é a Carolina Veiga, de Curitiba; ela é artista, cantora e microempreendedora e a cada dia tem uma nova ideia para modificar a sua vida e a vida de outras pessoas com práticas sustentáveis. “Tudo começou em casa. Meu vô era muito simples e prezava muito o reaproveitamento de tudo que fosse possível. A nossa casa, por exemplo, é uma antiga casa que estava em estado de demolição. Madeiras excelentes e ainda em perfeito estado seriam destruídas, então resolvemos aproveitar tudo e construir a nossa casa”, relata Carolina. Ela participa do coletivo MUP — Minifúndios Urbanos Produtivos há dois anos; um coletivo de hortas urbanas que foi iniciado por um grupo de amigos e hoje se expandiu para diversos lugares.
“O coletivo surgiu com a ideia de utilizarmos espaços para o plantio do nosso próprio alimento. Tudo começou na minha casa, um grupo veio e fizemos um plantio coletivo; depois da colheita, dividimos todos os alimentos entre nós. Essa ideia foi crescendo e agora, hora ou outra, vem alguém querendo fazer a sua hortinha. Então nós vamos lá, levamos nossas ferramentas, cada um leva um conjunto de mudinhas e botamos a mão na massa”.
A artista também é produtora da Ghee, uma manteiga clarificada, muito utilizada na culinária indiana e na medicina ayurvédica. “A ideia de produzir o próprio alimento é incrível. Você assistir todo o processo, ter o cuidado e a atenção com aquilo que você vai consumir e principalmente a atenção à saúde, pois as manteigas comuns têm altos índices de toxina; na produção da Ghee, as toxinas vão embora e consumimos somente a manteiga natural e saudável”.
Foto: Amanda Souza
Curitiba, mesmo com inúmeros problemas ambientais e uma metrópole que ainda não valoriza as opções sustentáveis que vem sendo implantadas pelos moradores, tem algumas iniciativas que se preocupam com essa discussão e também proporcionam a integração e atuação direta da comunidade. As hortas urbanas, que fazem parte do projeto de Agricultura Urbana em Curitiba, da Secretaria Municipal de Abastecimento, são espaços utilizados pela comunidade, em parceria com a Prefeitura e associações de moradores, que visam o plantio de alimentos pela própria população, “cada família possui uma horta e ela é responsável pelo cuidado, irrigação e plantio. A Prefeitura disponibiliza as mudas, o adubo, o espaço, a terra e o apoio técnico; as famílias realizam o trabalho com o alimento”, explica o chefe da Unidade de Agricultura Urbana, Rodolfo Queiroz.
Enormes pés de alface, cheiro verde, couve, morangos, manjericão e diversos outros alimentos fazem de dona Rose Mari Szkulny uma figura conhecida na horta comunitária da Vitória Régia, no bairro CIC. Cuidadosa, perfeccionista e muito deliciada, Rose diz que aquele espaço é onde ela é feliz. Produz alimentos, consome e doa a toda família; até mesmo flores ela planta para decorar o ambiente. “Todos os dias eu acordo e venho aqui, cuido das minhas plantinhas e dou muitas risadas com minhas amigas. É uma comunidade, como se fossemos todas irmãs”, conta dona Rose. Durante todo ano, ela recolhe mais de 100 garrafas pet e, no Natal, constrói uma grande árvore decorada que é colocada em meio à horta. “Todo mundo que passa por aqui tira fotos. Fico muito feliz com isso! Em janeiro eu desmonto e dou o material para os catadores de material reciclável”. Um grande ciclo de reaproveitamento.
Logo ao lado da horta de dona Rose, uma senhora muito alegre e espontânea distribui pés de alface a duas crianças que a observam. Cenoura, mais de quatro tipos de alface, repolho, brócolis e é claro, o coentro, fazem parte da horta da paraibana Maria Ana da Conceição. Amante da terra e da roça, ela mora em Curitiba desde a década de 1990, mas não dispensa as origens que a criaram. “A terra para mim é tudo. Ela me tira o stress, me anima e eu amo ficar aqui. Por mim, eu ficava o dia todo. Não consigo mais comer as verduras do mercado, parece papel! Aqui é tudo fresco e sem veneno”, conta dona Maria.
Foto: Amanda Souza
De acordo com a Prefeitura, o objetivo inicial do projeto era o plantio de alimentos; no entanto, os benefícios foram muito maiores do que esse. A maioria dos moradores relaciona o cuidado com a horta com a atividade terapêutica e o relaxamento. Há alguns quilômetros da horta do bairro CIC, se encontra uma das hortas do bairro Tatuquara; lá mora Rosimere Rocha Santos, enfermeira que há alguns anos foi diagnosticada com depressão grave. Foi internada durante sete meses em uma clínica psiquiátrica, mas, segundo ela, foi a atividade do plantio que a curou. “Eu fui curada pela terra”, diz.
Criatividade sustentável
Iniciar uma prática sustentável em si mesmo é fundamental, mas em coletividade o resultado é muito mais satisfatório e fortifica as relações humanas. Desde que a astróloga Adriana Beltrame resolveu modificar suas atitudes em prol ao desenvolvimento econômico e social colaborativo, diversas pessoas foram, aos poucos, aderindo à sua ideia. Ela e uma amiga criaram a Casa Terracanto, uma casa aberta que tem a intenção de movimentar a economia criativa e colaborativa e “colaborar com a criatividade, fazer parcerias, experimentar ser responsável por um espaço que não tem um dono específico e também ter um refúgio de tranquilidade no meio da vida urbana com muita simplicidade”, explica Adriana, que é starter da Casa. A casa possui projetos permanentes abertos à comunidade: atendimentos com Astrologia, o Reiki, a Gineterapia, o grupo de estudos e prática de Comunicação Não Violenta, o trabalho com a horta e as PANC´s (Plantas Alimentícias Não Convencionais). “Recentemente iniciamos um Bazar que será mensal e estamos organizando palestras na área da saúde, alimentação, gestão de rotina, psicologia feminina”, conta. Todo dinheiro arrecadado com essas atividades — as quais são oferecidas com preços acessíveis –, mais as contribuições espontâneas e o dinheiro que também sai do bolso, voltam para a manutenção do espaço e para a criação de projetos.
A decoração, a horta, móveis e vários espaços da casa são de materiais reaproveitáveis doados por amigos, empresas, familiares e simpatizantes da ideia. Para Adriana, “pensar na sustentabilidade é uma necessidade vital para a gente, não pensar nela é que seria estranho”.
Também é possível entrar no grande mercado e trabalhar de forma consciente e diferente do que é proposto pelas grandes empresas. O Flamingos Garden Hair, salão de cabeleireiros que fica na Rua São Francisco, em Curitiba, iniciou com um propósito diferente. “A ideia inicial do salão era trabalhar com uma marca que seja sustentável para shampoos, produtos em geral, com preocupação voltada para essa área. Trabalhamos com as tendências do “Happy”, do “Eco” e Sustentável. Quase tudo no espaço físico do Flamingos foi construído com materiais reutilizados, muitos encontrados na rua, ou com peças selecionadas, restauradas, devido a suas histórias”, conta Aline Marchese, uma das gerentes e fundadoras do salão. O salão começou com uma antiga sala comercial, toda repaginada e modificada de acordo com a criatividade do casal Aline e Vinícius. Os móveis foram restaurados e reconstruídos à mão por eles próprios: a parede com tijolos aparentes, o piso, a pintura; tudo foi construído sem a ajuda de profissionais.
“A indústria da beleza polui muito a água com as químicas e consome muita água para os serviços, além de estimular essa necessidade nas pessoas de quererem sempre algo novo, o cabelo mais bonito, o corte mais perfeito”, relata Aline. Além disso, outra iniciativa muito avaliada pelos frequentadores do salão é a possibilidade de doar o cabelo para produção de perucas para crianças com câncer.
O monopólio midiático, que é financiado por grandes marcas, reproduz a ideia de que consumir o que deseja é a melhor forma de encontrar a felicidade. Atitude ilusória é claro. O consumo desenfreado é uma das principais causas dos grandes problemas ambientais e sociais. Não basta separar o lixo entre reciclável e orgânico e continuar produzindo toneladas de lixos todos os dias. O lixo sai da sua casa, mas continua no Planeta. Discutir o consumo e, principalmente, o consumo consciente é uma tarefa que ousa estremecer interesses políticos e econômicos.
Tomar partido de uma prática sustentável é um ato revolucionário!