Conecte-se conosco

Destaques

VISIBILIDADE TRANS

Publicadoo

em

Reportagem de Marcela Marcos, especial para os Jornalistas Livres

Evento em São Paulo discute – e ressignifica – o conceito de ‘família’

 

No último dia 29 de janeiro de 2017,  foi celebrado o Dia da Visibilidade Trans e uma série de eventos aconteceu pelo país, antes e depois da data, para marcar sua importância. Os Jornalistas Livres estiveram em um deles, intitulado “Família Trans”, um debate que ocorreu no centro da capital paulista, articulado pelo organizativo Transidentidades. O ato, marcado para discutir o conceito de “família”, deu voz à vivência de pessoas homossexuais, transgênero e intersexo (termo que abrange condições variadas em que uma pessoa nasce com determinadas características, reprodutivas ou sexuais, que não se encaixam na definição típica de sexo masculino ou feminino).

A mesa teve a mediação de Amiel Modesto, intersexo, de família evangélica, que nasceu com sexo misto, chegou a ser registrado com identidade masculina, mas, por intenção dos médicos e de seus pais, foi “corrigido” para o sexo feminino. “Durante muitos anos eu tive um questionamento interno por não saber discernir quem eu era. Quando eu falei pra minha família que tinha tendências bissexuais, ouvi: ‘Eu não te criei pra isso. Te criei para casar, ter filhos, constituir família”. Ao decidir assumir a identidade masculina, aos 34 anos, Amiel sofreu com a rejeição dos parentes, precisou sair de casa e só não sucumbiu ao abandono completo porque contou com a ajuda do que considera sua verdadeira família, aquela que ele escolheu: seus amigos. “Aquela casa não me compreendia, eu me sentia oprimido naquele lugar. Era como se estivessem, todo dia, me acusando. Quem me acolheu e me aceitou foram os meus amigos”.


Assim como Amiel (que, entre tantas lutas diárias, também enfrenta o desemprego), o pedagogo transexual Lênin Viana encontrou forças nas amizades que construiu para se desconstruir e se reconstruir como homem trans, após ter sido casado e ter dado à luz três filhos (que o apoiam incondicionalmente). Nascido em uma cidade pequena, também em berço religioso, atribui à não-aceitação dos familiares, principalmente da mãe, o fato de permanecer por anos “sem poder estar vivo”. “Eu abomino essa ‘instituição família’. Quando eu falo a palavra ‘família’, eu lembro exatamente desse modelo criado a fim de atender o interesse do capital, no sentido patriarcal mesmo, que começa com o controle do corpo da mulher e que estabelece essa relação de poder. Todos os dias, travestis, lésbicas, gays, negros são mortos por pessoas ditas ‘de bem’. Eu não ouço falar que somos nós que matamos”, disse, acompanhado pelos filhos, o educador.

De acordo com a agência internacionalTrans Respect Versus Transphobia Worldwide, mais da metade dos homicídios de transexuais no mundo ocorrem no Brasil. Dentro do país, a realidade é igualmente alarmante: entre janeiro e dezembro do ano passado, foram registradas 343 mortes de LGBTs, tornando o ano de 2016 o mais violento desde 1970, segundo dados do GGB (Grupo Gay da Bahia). As estatísticas preocupantes não param por aí. Uma pesquisa da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) revelou que 90% das travestis e pessoas trans estão se prostituindo no Brasil. Se a discriminação por parte dos empregadores formais não for a única razão pela qual isso acontece, é certamente um dos principais motivos.

Prostituir-se foi a maneira que Anita Silvia, cadeirante, negra e transexual, encontrou para tentar sobreviver.  Abandonada pelos pais assim que decidiu assumir sua identidade feminina, sofreu – e ainda sofre – com a rejeição contínua de uma sociedade que tenta coloca-la, junto a tantas e tantos parceiros de luta, à margem. “Se eu pudesse escolher, eu não teria nascido transexual”.

Graças às redes de fortalecimento e amizade e a pessoas como Ana Luisa de Abreu, que integra o organizativo Mães Pela Diversidade, não vai ser mais tão fácil invisibilizar pessoas trans e calar sua voz. Ela é mãe de Juliana, jovem transexual que sofreu bullying em vários colégios por onde passou, pelo simples fato de ser diferente. “Se eu não fizer por ela, ninguém vai fazer”, afirma a Mãe, assim, com letra maiúscula, que em momento algum deixou de apoiar a filha. “É um amor tão grande que une a gente, que eu penso, como é que pode uma pessoa não aceitar a outra do jeito que ela é?”.

É na luta por aceitação, por um questionamento do conceito de “família tradicional brasileira” que, como tantos outros meros conceitos nos é imposto, que o organizativo Transidentidades promete mais reuniões como essa. E, se dessa vez, foi o centro da megalópole que os acolheu, o centro de São Paulo foi o lar dessa rede de fortalecimento, haverá uma expansão. “Uma das coisas que nos cobramos muito é que essas rodas de conversa vão para a periferia. Essas pessoas (das regiões periféricas) precisam escutar, se libertar, saber que nós existimos e que estamos do lado delas e que elas não estão sozinhas”, diz Elvis Justino, do grupo LGBT Família Stronger.

Nosso desejo é que as mãos estejam dadas, apertadas, porém livres, nessa corrente de família que se escolhe. Como disse Ana Luisa Abreu, a mãe que, apoiando a uma, fortalece a todos e todas a outras, “a sociedade é colorida, mas todo mundo vê cinza”. No centro da selva de pedra e concreto, em meio aos muros cinzentos, um arco-íris se impõe, colorindo as várias nuances: de gente, sexo, gênero, fé. De escolhas, afinal.

#EleNão

Moradores da Maré são bailarinos em espetáculo com temporada na Suiça

Publicadoo

em

Foto: Andi Gantenbein, de Zurique, Suíça, para os Jornalistas Livres

Denúncias sobre os atuais tempos de antidemocracia, assassinatos da população preta, pobre e periférica e o da vereadora Marielle Franco aparecem em cartazes erguidos pelos bailarinos de “Fúria”, espetáculo de Lia Rodrigues, considerada uma das maiores coreógrafas brasileiras da atualidade e uma das mais engajadas na realidade política do país.

A foto é da noite deste sábado (16), durante apresentação do grupo brasileiro no ‘Zürcher Theaterspektakel’, em Zurique, Suíça.

No Brasil, Fúria estreou em Abril, no Festival de Curitiba. A montagem evidencia, de maneira crítica, relações de poder, desigualdades, e as interligações entre racismo e capitalismo.

O espetáculo foi concebido no Centro de Artes da Maré, na Maré, RJ. O local foi inaugurado em 2009, e o projeto nasceu do encontro de Lia Rodrigues Companhia de Danças com a Redes da Maré. Os bailarinos são moradores da favela e de periferias do RJ.

Fruto dessa mesma parceria é a Escola Livre de Dança da Maré que resiste, em meio ao caos do governo violento de Witzel contra as favelas do RJ.

 

Continue Lendo

Destaques

Temer/Kassab preparam ataque ao seu direito à Internet

Publicadoo

em

O método Temer de solapar direitos dos cidadãos brasileiros tem novo alvo: a Internet. Sem qualquer discussão prévia, os golpistas querem mudar a composição do Comitê Gestor da Internet.

A consulta pública determinada pelo governo, sem diálogo prévio com os membros do Comitê e com apenas 30 dias de duração, certamente pretende aumentar o poder e servir apenas aos interesses das empresas privadas. As operadoras de telefonia têm todo o interesse do mundo em abafar as vozes de técnicos, acadêmicos e ativistas que lutam pela neutralidade da rede, por uma Internet livre, plural e aberta.

Veja, abaixo, a nota de repúdio ao atropelo antidemocrático da consulta pública determinada por Temer/Kassab. A nota é da Coalizão Direitos na Rede que exige o cancelamento imediato desta consulta.

Nota de repúdio

Contra os ataques do governo Temer ao Comitê Gestor da Internet no Brasil

A Coalizão Direitos na Rede vem a público repudiar e denunciar a mais recente medida da gestão Temer contra os direitos dos internautas no Brasil. De forma unilateral, o Governo Federal publicou nesta terça-feira, 8 de agosto, no Diário Oficial da União (D.O.U.), uma consulta pública visando alterações na composição, no processo de eleição e nas atribuições do Comitê Gestor da Internet (CGI.br).

Composto por representantes do governo, do setor privado, da sociedade civil e por especialistas técnicos e acadêmicos, o CGI.br é, desde sua criação, em 1995, responsável por estabelecer as normas e procedimentos para o uso e desenvolvimento da rede no Brasil.

Referência internacional de governança multissetorial da Internet,

o Comitê teve seu papel fortalecido após a

promulgação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014)

e de seu decreto regulamentador, que estabelece que cabe ao órgão definir as diretrizes para todos os temas relacionados ao setor. A partir de então, o CGI.br passou a ser alvo de disputa e grande interesse do setor privado.

Ao publicar uma consulta para alterar significativamente o modelo do Comitê Gestor de forma unilateral e sem qualquer diálogo prévio no interior do próprio CGI.br, o Governo passa por cima da lei e quebra com a multissetorialidade que marca os debates sobre a Internet e sua governança no Brasil.

A consulta não foi pauta da última reunião do CGI.br, realizada em maio, e nesta segunda-feira, véspera da publicação no D.O.U., o coordenador do Comitê, Maximiliano Martinhão, apenas enviou um e-mail à lista dos conselheiros relatando que o Governo Federal pretendia debater a questão – sem, no entanto, informar que tudo já estava pronto, em vias de publicação oficial. Vale registrar que, no próximo dia 18 de agosto, ocorre a primeira reunião da nova gestão do CGI.br, e o governo poderia ter aguardado para pautar o tema de forma democrática com os conselheiros/as.

Porém, preferiu agir de forma autocrática.

Desde sua posse à frente do CGI.br, no ano passado, Martinhão – que também é Secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – tem feito declarações públicas defendendo alterações no Comitê Gestor da Internet. Já em junho de 2016, na primeira reunião que presidiu no CGI.br, após a troca no comando do Governo Federal, ele declarou que estava “recebendo demandas de pequenos provedores, de provedores de conteúdos e de investidores” para alterar a composição do órgão.

A pressão para rever a força da sociedade civil no Comitê cresceu,

principalmente por parte das operadoras de telecomunicações,

apoiadoras do governo.

Em dezembro, durante o Fórum de Governança da Internet no México, organizado pelas Nações Unidas, um conjunto de entidades da sociedade civil de mais de 20 países manifestou preocupação e denunciou as tentativas de enfraquecimento do CGI.br por parte da gestão Temer. No primeiro semestre de 2017, o Governo manobrou para impor uma paralisação de atividades em nome de uma questionável “economia de recursos”.

Martinhão e outros integrantes da gestão Kassab/Temer também têm defendido publicamente que sejam revistas conquistas obtidas no Marco Civil da Internet, propondo a flexibilização da neutralidade de rede e criticando a necessidade de consentimento dos usuários para o tratamento de seus dados pessoais. Neste contexto, a composição multissetorial do CGI.br tem sido fundamental para a defesa dos postulados do MCI e de princípios basilares para a garantia de uma internet livre, aberta e plural.

Por isso, esta Coalizão – articulação que reúne pesquisadores, acadêmicos, desenvolvedores, ativistas e entidades de defesa do consumidor e da liberdade de expressão – lançou, durante o último processo eleitoral do CGI, uma plataforma pública que clamava pelo “fortalecimento do Comitê Gestor da Internet no Brasil, preservando suas atribuições e seu caráter multissetorial, como garantia da governança multiparticipativa e democrática da Internet” no país. Afinal, mudar o CGI é estratégico para os setores que querem alterar os rumos das políticas de internet até então em curso no país.

Nesse sentido, considerando o que estabelece o Marco Civil da Internet, o caráter multissetorial do CGI e também o momento político que o país atravessa – de um governo interino, de legitimidade questionável para empreender tais mudanças –

a Coalizão Direitos na Rede exige o cancelamento imediato desta consulta.

É repudiável que um processo diretamente relacionado à governança da Internet seja travestido de consulta pública sem que as linhas orientadoras para sua revisão tenham sido debatidas antes, internamente, pelo próprio CGI.br. É mais um exemplo do modus operandi da gestão que ocupa o Palácio do Planalto e que tem pouco apreço por processos democráticos.

Seguiremos denunciando tais ataques e buscando apoio de diferentes setores,

dentro e fora do Brasil,

contra o desmonte do Comitê Gestor da Internet.

 

8 de agosto de 2017, Coalizão Direitos na Rede

 

Notas

1 A Coalizão Direitos na Rede é uma rede independente de organizações da sociedade civil, ativistas e acadêmicos em defesa da Internet livre e aberta no Brasil. Formada em julho de 2016, busca contribuir para a conscientização sobre o direito ao acesso à Internet, a privacidade e a liberdade de expressão de maneira ampla. O coletivo atua em diferentes frentes por meio de suas organizações, de modo horizontal e colaborativo. A nota está em https://direitosnarede.org.br/c/governo-temer-ataca-CGI/ .

2 Para ouvir a entrevista, à Rádio Brasil Atual, de Flávia Lefévre, conselheira da Proteste e representante do terceiro setor no Comitê Gestor da Internet, que afirma que as mudanças visam a atender interesses do setor privado e ferem caráter multiparticipativo do Comitê: https://soundcloud.com/redebrasilatual/1008-enrevista-flavia-lefevre

Continue Lendo

Artigo

FRAGMENTO E SÍNTESE

Publicadoo

em

 

Ligar a tv logo cedo num pequeno quarto de hotel no interior do país é desentender-se dos fatos nos telejornais matutinos. Abre-se a janela e uma menina vai à escola à beira do rio, um menino faz gol de bicicleta entre guris e o homem ergue a parede de sua casa.  Tudo tão distinto das ruas em alvoroço de protestos urbanos ou políticos insanos.  No rincão o que se busca é continuar vivo entre chuvas e trovões, sem não ou talvez. Tudo é certo. Sem modernidades calam ou arremedam nossa urbanidade, gente que se defende com pimentas e ervas, oração e vizinhança. Voz sem boca, boca sem voz, essa gente não é parte nas notícias selvagens dos jornais distantes.  Se resolvem entre cozidos, arte, bola e santos. No país de tantos cantos, muitos voam fora da asa e sem golpes entre si vão tocando suas mazelas e graça.

Mas vivemos tempos obscuros, a noite persiste em nossos avançados quinhentos e tantos anos e muitos santos. Dizem que burro velho é difícil se corrigir nos hábitos. Em manhã chuvosa na grande São Paulo, ligo a tv e o notbook, as janelas se abrem antes que a cortina deixe entrar o novo dia. Surpreendente ver na tv o deputado Jair Bolsonaro afirmando em um clube israelita na cidade do Rio, que se presidente for, não teremos mais terras indígenas no país. Ao mesmo tempo o computador expõe na rede social a opinião de meu amigo Ianuculá Kaiabi Suiá, jovem liderança do Parque Indígena do Xingu, onde leio ao som do deputado que ladra:

Jair Bolsonaro, obrigado por você existir. Graças a você, hoje, temos noção de quanto a população brasileira carece de conhecimento, decência, consciência, juízo, amor e que carrega um imenso sentimento de ódio sem saber o porque. Sim, sim, não sabem. Um exemplo? Veja a bandeira de quem te aplaude, é de um povo que, assim como nós, sofreu as piores atrocidades cometidas pelas pessoas que pensavam como você. Enfim, eu não sei se essa parcela do povo brasileiro pode ser curada, mas vou pedir para um pajé fumar um charuto sagrado e revelar se o espírito maligno que se apossou da tua alma pode ser desfeita com uma grande pajelança.

Ianuculá sabe o que diz, sabe de todo martírio vivido pelos povos originários, e mesmo assim se propõe a consultar o mundo dos espíritos.

 

É deus e diabo na terra do sol, a mesma terra que ofende também abriga e anuncia uma mostra de cinema indígena nos próximos dias. Terra de etnias e corpos na terra, a cidade maravilhosa do Rio não se calará diante do fascismo desses tempos sombrios, acompanhe.

Continue Lendo

Trending