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Telecatch eleitoral, JN e Bolsonaro: o fascismo sem peias

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O segundo dia de entrevistas do Jornal Nacional na terça-feira (28/08), com a participação do candidato Jair Bolsonaro, do PSL, foi de alta voltagem, como era de se esperar. Não escapando do receituário quando se trata do candidato em questão (provocações temperadas por um ambiente ácido), a entrevista, em seu conjunto, consagrou a fala inicial do entrevistado: “Isso aqui está parecendo uma plataforma de tiro. Estou absolutamente à vontade”. Pelo que se viu, Bolsonaro sabia do que estava falando, não prognosticou à toa.

Conhecedora, por ofício, do ainda enorme potencial da televisão aberta nas campanhas eleitorais (em junho deste ano, Ibope/CNI revelou que 62% dos 2 mil entrevistados apontaram que devem se informar sobre os candidatos pela TV, e 26% por redes sociais e blogs), a produção do jornal de maior audiência da TV brasileira vem investindo já há algum tempo na chamada “entrevista-paredão”. Neste formato, pouco importa a plataforma de governo dos candidatos. O que parece interessar ao roteiro das perguntas é examinar a perícia dos entrevistados face às declarações capciosas feitas por eles recentemente ou em passado que a memória alcança.

Esta modalidade propicia aos entrevistadores se metamorfosearem em entrevistado: no primeiro dia da série de “sabatina” do JN, as críticas desferidas contra a dupla Bonner-Renata recariam sobre a verborragia dos dois, em especial a de Bonner. Ciro Gomes teve menos tempo do que Jair Bolsonaro, este com 1 minuto e meio a mais para expor suas posições. Os entrevistadores tiveram responsabilidade decisiva nisso (com Ciro, falaram em torno de 11min30s, contra 10 min com Bolsonaro).

Dessa anomalia derivam tantas outras, entre as quais estão as que beneficiaram o candidato da extrema-direita no duelo com os apresentadores globais. E o benefício não se deve pelo pouco tempo a mais que Bolsonaro usufruiu, mas pela forma do debate, que se avizinha do beligerante, sem dúvida um prato cheio para extremistas.

Deve-se lembrar, no entanto, que os debates televisivos no Brasil surgiram na ambiência da primeira eleição direta de governadores na ditadura e se impuseram como uma plataforma de esclarecimento dos propósitos reais dos candidatos, um gesto ímpar de civismo. Brizola, Montoro e Tancredo são invariavelmente lembrados como os candidatos que conseguiram galvanizar seus desempenhos na TV. O modelo começou a degringolar com o inolvidável debate entre presidenciáveis em 1989, quando Collor, sob o beneplácito da Globo (ela de novo), decidiu que tinha como missão exterminar os adversários, em especial o então temido (como é hoje) Luiz Inácio Lula da Silva.

 

Quem saiu vitorioso(a) do Telecatch?

Ao contrário do que ocorreu em debates anteriores com seus pares, Bolsonaro não saiu chamuscado da entrevista; firmou-se, sim, todo pimpão como o boçal que confronta a Globo em sua própria casa; dá nome aos bois (ou a Roberto Marinho); manda historiadores às favas; reafirma que quem transgride leis não deve ser visto/tratado como gente; vocifera contra o que chama de kit gay com argumentos que são a mais pura fake news; proclama que atos de violência devem ser resolvidos com mais violência ainda – medidas que transbordam de orgulho seus seguidores-admiradores-eleitores. Muitos dos seus adeptos exibiram trechos da entrevista como troféus de uma vitória acachapante sobre os apresentadores no telecatch do JN.

Mas há, no extremo oposto, nas fileiras dos que repudiam o candidato racista-homofóbico-misógino-neanderthal, quem enxergou uma vitória dos dois apresentadores, com especial ênfase em Renata Vasconcelos. Vivas e foguetório foram dedicados à apresentadora porque falou de seu direito, como cidadã, de saber do salário do candidato no exercício de atividade pública, arrematando, sem seguida, que, como mulher, jamais aceitaria receber menos que um homem exercendo a mesma função.

Pronto. Uma resposta certeira, embora simples, foi o bastante para que a apresentadora se tornasse, na linguagem das redes sociais, a lacradora real oficial, o “mulherão da porra”.  Até uma jovem candidata a deputada estadual de um partido de esquerda, que recentemente presidia o movimento estudantil, declarou entusiasmada: “Renata Vasconcelos representou… que classe!”. O viés da confirmação foi adotado conforme os prismas das lupas de análise.

No lamentável ringue televisivo perdemos todos. O sentimento de perda parece ser aplacado pela capacidade que temos em perceber nesses programas o que eles realmente são:  animadores de plateia. É como  um telecatch a que assistimos, na condição de torcedores.

A título de lembrança, Telecatch foi um programa da extinta TV Excelsior (RJ) que exibia combates de luta-livre misturados com encenação teatral e circo. Mix que as emissoras utilizam para se beneficiarem da antipolítica, da qual Bolsonaro é o símbolo máximo.

 

Dever cívico versus interesses outros

            Efetivamente, não temos nada a celebrar com as intervenções/respostas de Renata Vasconcelos para além do reconhecimento de que Bolsonaro não suporta ser interpelado por mulheres (na plataforma de tiros do JN, disparava olhares destituidores e mortíferos a ela, o que não foi sentido com William Bonner, com quem manteve certa tolerância). Para quem acompanha as disparidades salariais na comunicação e no jornalismo, a afirmação de Vasconcelos deve ser matizada.

Os dados mostram como as diferenças salariais são alarmantes na profissão e que as funções de prestígio (leia-se as de visibilidade televisiva) passam por crivos de gênero e raça que prejudicam mulheres e negros. Ocupando um lugar de prestigio, Renata Vasconcelos faz uma afirmação que mesmo nesse lugar não se verifica em muitos casos pelas estratégias sexistas de abordagem e contratação de muitas profissionais que habitam um universo dominado por 71% de homens.

Outros acréscimos também cabem para esmaecer os ânimos celebrativos em relação à supremacia de Renata Vasconcelos sobre Jair Bolsonaro: assistimos a dois jornalistas, em tom solene, fazerem perguntas sobre o confisco de direitos que a plataforma de Bolsonaro anuncia. Nas evasivas do candidato em relação ao tema, insistiam com o argumento de que era dever cívico esclarecer para o eleitor em quais aspectos essas propostas o afetariam negativamente.

Mas, pera. Não foi essa mesma emissora que subscreveu a reforma trabalhista, vocalizando por meio de William Bonner e Renata Vasconcelos (que disse jamais aceitar receber menos que um homem) que a CLT era algo anacrônico, dando visibilidade aos argumentos favoráveis e asfixiando os que se mostravam contrário à medida regressiva? Não foi essa emissora que insinuou não haver outra saída se não a reforma da previdência da forma que foi apresentada pelo governo de plantão, dando de ombros a vozes que apresentavam outras propostas para a questão previdenciária e a reforma fiscal?

Dever cívico com o eleitor-cidadão não se vê por aqui, cara Rede Globo. Ao que tudo indica, a vênus platinada evita aplicar em sua linha editorial, o que prescreve para os candidatos na bancada do JN. Mais do que formar uma opinião pública qualificada, o ringue, que procura dar ares republicanos de transparência para as trocas de farpas, serviu para vitaminar a agenda restrita de um candidato cuja plataforma de governo se reduz ao armamento da população, à  castração química de homens tarados, à  disciplina nos quarteis e à perseguição da “teoria de gênero”.

 

E o fascismo com isso?

Mesmo acreditando  que  Bolsonaro não chegará ao segundo turno porque, entre outras coisas, lhe faltará estrada para atingir a porcentagem de que precisa para poder avançar (o candidato terá magérrimos 8 segundos de tempo de TV e não conta com a plataforma da grande imprensa, duas esferas importantes para a consolidação das candidaturas), deve-se ter estratégias para combater a reafirmação fascista que se impõe no mundo.

O cientista político João Filho, colaborador do site “Intercept Brasil”, adverte que é preciso saber usar argumentos para confrontar as propostas de candidatos da extrema-direita que têm tirado o sono de boa parte do planeta. Segundo ele, nos EUA, Europa e agora no Brasil, jornalistas tentam descobrir a melhor maneira de entrevistar essa turma sem favorecer a difusão de propostas antidemocráticas. “A experiência americana com Trump indica que confrontar os absurdos racistas e homofóbicos, por exemplo, não funciona e só ajuda a alimentar a fúria dos seus seguidores”. Intelectualmente limitados, continua o cientista político, “esses políticos se perdem ao serem convocados a falarem sobre temas que estão fora da sua caixinha moralista”.

Já que o reinado do telecatch não apresenta sinais de desgaste, as orientações de João Filho reclamam por mais atenção. Priorizar outros assuntos que estão fora da órbita do arsenal de Bolsonaro e de seus seguidores é terapeuticamente salutar para a democracia.

Não se trata de flagrar a ignorância do candidato em relação a temas fundamentais (disso todos sabemos: os seus adeptos e os seus adversários), mas de imobilizá-lo pela falta de condições de retrucar o que está sendo exposto. Imobilizá-lo a tal ponto de lhe causar angústia, de fazê-lo patético e desnorteado como o meme do Jonh Travolta (imagem evocada por João Filho), brecando a possibilidade da promessa máscula de renovação do vigor nacional ganhar terreno discursivo por meio de clamores emocionais e antirracionais.

Tudo que um fascista não quer é sentir-se nu, ser pego a contrapelo, é não ouvir o eco de sua voz em outras vozes também silenciadas frente a uma não correspondência com suas crenças e práticas. A energia psíquica que lhe confere superioridade moral advém de uma coesão de grupos que se sentem ameaçados por uma esquerda “degenerada” que abriga os clamores de um tipo de gente “pervertida” que perturba a “boa rotina dos cidadãos de bem”.

Sob esse ponto de vista, o franco-atirador Jair Bolsonaro se posicionou na plataforma de tiros e atirou para todos os lados, liberando um fascismo que se insinua, até o momento, sem peias.  Infelizmente, a bancada do JN deu-lhe munição.

*Rosane Borges é jornalista, professora universitária e autora de diversos livros, entre eles “Esboços de um tempo presente” (2016), “Mídia e racismo” (2012) e “Espelho infiel: o negro no jornalismo brasileiro” (2004).

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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