Teatro Porque Não: cultura de resistência recria a experiência teatral com apresentações online durante a pandemia

Mãe-fúria do espetáculo Amores aos Montes em ação Foto: Walesca Timmen

Grupo de teatro gaúcho está em cartaz com apresentações ao vivo de “Isso não é um espetáculo” previstas para julho e agosto

“O teatro é o agora e agora tudo está mudado.
Isso não é um convite, mas sinta-se convidado.”

Provocados pelo negacionismo crescente durante a pandemia, e pelas inúmeras questões sociais, políticas, culturais e de saúde que atravessam o chamado por alguns de “novo normal”, o “Teatro Por Que Não?”, grupo de teatro de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, propõe ao público uma experiência teatral virtual. Com a paralisação das apresentações no Espaço Cultural Victório Faccin, administrado pelo grupo, e as dificuldades que a cultura enfrenta para se manter de maneira independente, o grupo decidiu inovar na modalidade virtual, e estreou “Isso não é um espetáculo” em julho. A experiência teatral online é realizada via aplicativo Zoom, e tem classificação anos. Para adquirir os ingressos e obter informações sobre as próximas datas de apresentação, basta acessar o site teatroporquenao.com/agenda .

Para conhecer mais sobre o projeto, os Jornalistas Livres entrevistaram Juliet Castaldello, atriz, e Felipe Martinez, diretor do grupo. Confira:

Jornalistas Livres: O que é o teatro pqn?

Juliet: O “Teatro Por Que Não?” é um grupo de teatro da cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul fundado em 2010, composto por 7 integrantes. O nosso trabalho é marcado pela diversidade em ações culturais, como espetáculos, eventos, cursos, entre outras atividades. O grupo tem passagens por Portugal, São Paulo, Paraná, Goiás, Santa Catarina e várias cidades do Rio Grande do Sul. Atualmente, administramos o Espaço Cultural Victorio Faccin com o TUI (Teatro Universitário Independente), grupo ativo há mais de 50 anos em Santa Maria – RS.

Jornalistas Livres: Como surgiu a ideia de um (não) espetáculo na pandemia?

Felipe: A ideia surgiu da necessidade de continuar as atividades artísticas do grupo mesmo em meio ao distanciamento social. Assim, continuamos em processo criativo durante a quarentena e ao mesmo tempo diminuímos o impacto financeiro negativo que o fechamento do teatro causa em nossa estrutura. Fazer teatro independente no interior do Brasil sempre nos obrigou a encontrar soluções para a sobrevivência de nosso trabalho e de nossos integrantes, portanto, a capacidade de adaptação a situações adversas é uma característica que permeia nossos 10 anos de coletivo, pois a realidade da maioria dos artistas no país é de dificuldades diárias.

Divulgação | TPQN

Jornalistas Livres: Do que o não espetáculo fala e como interage com o momento atual?

Juliet: São apresentados sete personagens, artistas de teatro que, por não terem mais um espaço de trabalho, se encontram através do aplicativo Zoom (uma sala de bate-papo), pra tentar construir alguma coisa e dialogar sobre o teatro e a arte em tempos de isolamento social. Naquele espaço virtual as coisas se confundem e se mesclam entre o que é interpretação e o que é realidade. Assim abordamos diversos temas como a própria pandemia e seus desdobramentos, o trabalho com arte e como as pessoas veem a relação da arte com o momento atual. Também falamos da mecanização do trabalho através do capitalismo e como períodos de crise evidenciam ainda mais essa situação, a criação de esteriótipos para o amor e os relacionamentos, dentre outros assuntos.

Jornalistas Livres: Como a (não) peça contribui pra pensar o momento difícil da pandemia, principalmente para os agentes da cultura brasileira?

Felipe: A dramaturgia tem como pano de fundo a própria realidade do grupo na pandemia: agenda cancelada, escassez de suporte público e consequente quebra financeira. A partir disso, o elenco discute não somente sobre o próprio trabalho, mas sobre o momento que o país vive em diversos aspectos influenciados por um crescente negacionismo na sociedade. É portanto um trabalho que busca dialogar com os dias de hoje, buscando refletir não somente sobre o Brasil durante a pandemia, mas sobre o papel do artista de teatro neste momento. Pra quê e pra quem a arte é essencial? Sabemos que, principalmente em um período como este, um médico ou um enfermeiro é muito mais essencial que um artista. Mas isso significa que a arte não deve ter papel algum para enfrentar este momento? Acreditamos que não. Com o entendimento que o teatro é, historicamente, um espaço de encontro para a discussão de ideias, propomos que ele continue com esta função, mesmo que o distanciamento social imponha dificuldades e esse encontro não possa ser em um mesmo espaço físico.Porém, sem abrir mão de aspectos que ultrapassem o cotidiano, se utilizando do sensível, da estética e do corpo para comunicar. Por fim, propomos um debate sobre o espaço do artista de teatro. Sabemos que este trabalho não é um espetáculo, mas quais os lugares que o teatro pode ocupar? Até que ponto podemos aproveitar os recursos tecnológicos para alcançar novas plateias sem abrir mão da linguagem teatral? Nosso entendimento é que o teatro, por ser efêmero, sempre dialoga com o momento presente. Não importa o conteúdo da peça, o diálogo é com o agora. Portanto, se o nosso presente está transformado, não devemos nós nos adaptar a ele enquanto for necessário? Acreditamos que sim. Um artista sempre deve se reinventar, não importa se isso deixa de ser teatro, ainda é arte e ainda deve lutar para continuar a existir e comunicar.

Divulgação | TPQN

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