Sem-tetos ocupam áreas para exigir Minha Casa, Minha Vida

 

MTST organiza ações na Região Metropolitana de São Paulo e cobram promessas de Dilma Rousseff

Os rostos dentro dos cerca de 20 ônibus que saíram de diversos pontos da zona sul de São Paulo na noite de sexta-feira (15/05) não escondiam a ansiedade pelo que os esperava. Eles estavam a poucos minutos de ocupar dois imensos terrenos, um em Itapecerica da Serra, com 250 mil metros quadrados. O outro fica em Embu das Artes e tem 300 mil metros quadrados.

Foto Jardiel Carvalho / R.U.A Foto Coletivo — Ocupação Itapecerica

A polícia reprimiria? Os seguranças atirariam? Haveria confronto? Mas os cerca de 1.600 sem-tetos que, a partir das 23h puseram-se em marcha, em um comboio que reuniu também dezenas de carros e muita gente a pé, tinham, além da apreensão, o desejo e a disposição de lutar por uma moradia digna.

Eles querem um teto. Querem uma casa para morar. Atenderam ao chamado do MTST, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, para engrossar as ações que visam exigir a reforma urbana e o lançamento da terceira etapa do programa “Minha Casa, Minha Vida”, do governo federal, que está paralisado por força do ajuste fiscal. Às duas ocupações realizadas ontem na região metropolitana de São Paulo, devem se somar outras nos próximos dias.

Foto: Rodrigo Zaim / R.U.A Foto Coletivo

Poder das Mulheres

Era gente como Gilvane. “Eu morava de aluguel. Pagava R$ 600 mais luz e água, e vim para cá porque fui despejada e não tenho onde morar”, disse ela, que tem três filhos.

Ou Francisca, na luta há oito anos: “Estou aqui porque moro com meu irmão, tenho filhos e crio eles da forma que Deus quer. Crio sozinha, eu e Deus. Preciso de um teto para morar com meus filhos. Eu estou feliz, eu vou com o movimento para todo canto, falo para o patrão que vou viajar e vou. Eu trabalho em uma fabrica de reciclagem e não tenho vergonha disso, é de lá que tiro para os meus filhos comerem. É com luta que agente consegue. Trabalho nessa fábrica o mesmo tempo que estou na luta. A gente só consegue as coisas se lutarmos. Parada, não se consegue nada. ”

Foto: Wesley Passos / Sigmapress — Ocupação Embu

Marlene é outra “guerreira”, como se denominam os integrantes do MTST. Ela está há 1 ano e 6 meses na luta no movimento: “Morava de aluguel, hoje moro de favor. Tenho fé em Deus em ter minha casa, algo nosso. Criei 4 filhos sozinha, só com Deus mesmo, tenho fé que irei conseguir minha casa própria, não é fácil morar de favor, quero ter minha liberdade meu cantinho de fé em Deus.”

Foto: Lina Marinelli — Ocupação Itapecerica

O Movimento dos Sem-Teto tem uma maioria de mulheres, o que é visível no acampamento. E, entre elas, estão muitas com idades avançadas e feições cansadas, mas que não desistiram da luta. Depois de criarem os filhos, entraram no movimento em busca de um teto para chamar de seu. Maria de Jesus, 68 anos, trabalha como cuidadora de uma senhora com Alzheimer, trabalho pelo qual ela ganha R$ 900 reais. O aluguel custa mais da metade do salário de Maria.

Foto: Rodrigo Zaim / R.U.A Foto Coletivo — Ocupação Embu

Especulação Imobiliária

As duas ocupações realizadas nesta sexta-feira foram preparadas ao longo de meses. Dirigentes do movimento realizam uma ampla pesquisa sobre as áreas disponíveis, antes de qualquer ação. No caso, os dois terrenos são áreas chamadas de Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social, destinadas à moradia popular). Estão abandonados há anos à espera de valorização imobiliária.

Foto: Mídia NINJA — Ocupação Itapecerica

“É incrível que tanta gente sofra com a falta de moradia digna enquanto esses terrenos gigantescos permanecem vazios e sem cumprir função social alguma”, diz Ewerton de Almeida, operador de máquinas, 21 anos, desde os 17 anos na luta pela moradia. “Minha mãe mora em uma ocupação e eu nasci para a vida consciente com o MTST. Vim aqui para ajudar”, disse.

Muitas das pessoas ali presentes montavam as suas barracas de bambu e lona, mas para “reservar” o espaço para outras famílias. “O movimento é assim, todos fazem assim. Eu catei e montei para marcar o lugar. Outra pessoa vem pegar”, diz José Luiz, 34, pedreiro, que não será um dos novos habitantes do espaço.

Foto: Bruno Miranda — Ocupação Itapecerica

Solidariedade

O trabalho solidário é um traço desta noite de ocupação. Bastava uma olhada ao redor e uma conversa com os demais envolvidos no ato para ver que muitos faziam a mesma coisa. “Um aprende com o outro a montar as barracas”, explica o também pedreiro Ailton Gonçalves. “É muito cansativo, mas tem que correr atrás de alguma coisa. E ainda nos veem como gente que não tem o que fazer”.

“Hoje estou aqui por causa de um amigo, somente para demarcar o espaço da barraca. Eu moro em outra ocupação, com meus dois filhos. Essa é uma chance de ter uma casa própria e uma alternativa ao aluguel que eu pagava, de R$ 380, que é muito caro”, conta.

A chegada aos terrenos foi o momento de adrenalina máxima. As ocupações têm de ser realizadas com rapidez, as barracas de lona tem de ser montadas correndo. O propósito é “consolidar” a ocupação o quanto antes, a fim de evitar a ação policial. É que, uma vez consolidada a ocupação, segundo o advogado do MTST, Felipe Vono, caracteriza-se a posse do terreno pelos sem-teto. Se ocorrer, o despejo só poderá ser realizado mediante determinação judicial.

Foto: Paulo Ermantino — Ocupação Embu

Kits de ocupação foram distribuídos aos sem-teto. Compunham-se basicamente de mastros de bambu (os esqueletos das barracas), plástico preto (o teto), fitilhos para amarrar tudo. Em menos de uma hora, centenas de barracas estão erguidas, colchões são instalados dentro delas.

Na ocupação realizada no Embu, entretanto, houve uma emoção a mais: quase uma hora depois da ocupação, barracas já erguidas, chegaram duas viaturas da Polícia Militar e uma da Polícia Metropolitana. Pararam bem em frente à entrada do terreno.

Foto: Rodrigo Zaim / R.U.A Foto Coletivo — Ocupação Embu

Bomba de efeito moral

Lideranças e vários coordenadores do MTST tentaram negociar com os policiais. O clima esquentou, um dos ocupantes saiu correndo e dizendo, aos gritos, ter sido atingido por gás de pimenta. Pedia que todos em volta filmassem a ação da polícia de seus celulares. Uma bomba de efeito moral foi lançada pela PM na tentativa de dispersar os sem-teto.

Foi nessa hora que, de um ônibus retardatário saíram 9 repórteres e fotógrafos da Rede Jornalistas Livres, que desembarcaram do veículo já com suas câmeras registrando a ação policial. Outras duas viaturas passavam em alta velocidade em frente ao terreno, fechando a rua –tensão total. Enquanto isso, bambus e lonas continuavam sendo freneticamente transformados em barracos.

E logo veio a primeira vitória do movimento, quando os PMs se retiraram, dizendo que só poderiam tomar alguma medida após denúncia de invasão do terreno. Levantou-se o grito de guerra: “MTST, a luta é pra valer!”

Foto: Sato — Ocupação Embu

Segundo Josué Rocha, um dos coordenadores do MTST, apesar de particular, o terreno está completamente abandonado há quase 20 anos. “Já temos barracos sendo levantados lá dentro e só vamos parar quando atingir o limite de espaço de toda a área. Esperamos chegar aos quatro mil ocupantes.”

A ocupação de Itapecerica fica muito próxima de outra, chamada Vila Nova Palestina, há um ano e meio consolidada, à espera do início da construção das moradias. A expectativa da coordenação do MTST é que esse acampamento receba a adesão de outras famílias da vizinhança. Segundo Guilherme Boulos, coordenador do MTST, o acampamento deve reunir nos próximos dias mais de cinco mil famílias.

Foto: Bruno Miranda — Ocupação Itapecerica

Frio, garoa e escuridão

A noite está gelada. Os termômetros marcam 13ºC, mas a sensação térmica é de um frio bem mais intenso –10ºC, por causa da garoa fina e congelante que insiste em cair sobre o terreno. Apesar disso, a direção adverte, está proibido fazer fogueira… Uma faísca sobre os tetos plásticos poderia produzir um desastre. Os sem-teto obedecem.

Foto: William Oliveira — Ocupação Embu

Outros artifícios para esquentar, como tomar um trago de bebida, só podem ser usados fora do acampamento. Bebidas alcoólicas e drogas são terminantemente proibidas dentro das ocupações.

Os terrenos são um breu sinistro — ainda não deu para puxar a eletricidade. Em Itapecerica, bem no meio de um campo de futebol abandonado, repousam as carcaças enferrujadas de uma Kombi e de um Fusca “desmanchados” (sem rodas, bancos, motores, sem nada).

Foto: Mídia NINJA — Ocupação Itapecerica

Os coordenadores do MTST anunciam na primeira assembleia, realizada a partir das 2h30, que o campinho será reativado para as peladas entre os sem-teto. “Não pode montar barraca entre as duas traves, tá?” O povo obedece.

Logo chegam os mantimentos da cozinha comunitária. Arroz, feijão, macarrão para centenas de pessoas. E o fogão, os panelões e o gás. Uma liderança pede desculpas “porque agora não dá para servir nada além de um café quentinho com uns sanduíches de mortadela”. Mas, promete, “amanhã, teremos leite, pão e manteiga”. Tudo certo.

“Pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com a formiga, não atiça o formigueiro”, cantaram os sem-tetos nas duas ocupações, ao final das suas assembléias. “A luta só está começando para muitos como eu, mas a esperança é imensa, tão grande quanto esse terreno”, diz Maria Auxiliadora, 56 anos, cozinheira, no movimento há apenas dois dias.


Colaboraram: Bruno Miranda, Christian Braga, Edgar Bueno, Edvam Filho, Giovanna Consentini, Jardiel Carvalho, Laura Capriglione, Lina Marinelli, Maria Carolina Trevisan, Michelli Oliveira, Oscar Neto, Paulo Ermantino, Rodrigo Zaim, Sato do Brasil, Victor Amatucci, Viviane Ávila, Wesley Passos e William Oliveira.

 

Enviamos um abraço ao querido #JornalistaLivre Paulo Ermantino, que fraturou o úmero em uma queda dentro da ocupação no Embu. Força, guerreiro!

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