Larissa Gould, do Barão de Itararé, especial para os Jornalistas Livres
Quebrada contra a redução — Zona Sul disse não!
Três mil pessoas passaram pelo campo do Pantanal, no Capão Redondo, durante o festival Amanhecer contra a redução.
Larissa Gould, do Barão de Itararé, especial para os Jornalistas Livres
No meio dos morros do Capão Redondo, entre ruas estreitas e vielas ainda mais, o campinho de terra — um dos poucos espaços de diversão da molecada daquela quebrada — coloriu-se e assumiu mais uma função social e política na Zona Sul, o de defender aqueles meninos que ali brincam.
Nesse sábado (15) foi realizado o Festival Amanhecer Contra a Redução, o primeiro na capital Paulista, o terceiro no país, reunindo mais de três mil pessoas. Em junho, 20 mil cariocas ocuparam a Praça XV. Em julho, centenas de pessoas se reuniram em Limeira, interior de São Paulo, para organizar o mesmo festival. Está em curso a organização de edições por todo o país. Isso por que aliar a arte na luta contra a violência é uma tática vitoriosa desde… sempre.
Todos os festivais são construídos de maneira colaborativa, reunindo coletivos culturais, de comunicação, movimentos sociais, cooperativas e quem mais quiser ajudar. A ideia é unir forças e criar redes em defesa da juventude e contra o encarceramento da nossa juventude.
O festival teve início às 10h com prestação de serviços para a comunidade, como cabelereiro, manicure e oftalmologista. Essas atividades foram uma demanda trazida pelos próprios movimentos que atuam na região. A pluralidade da construção faz com que os festivais sejam diferentes, trazendo as características de cada localidade.
Edvam Filho, da rede Fora do Eixo, participou da organização do festival do Rio e de São Paulo. Para ele, a maior diferença, e também a maior dificuldade, entre os dois festivais foi a conjuntura política “quando fizemos o primeiro festival a pauta estava muito quente, dessa vez, devido aos tantos ataques que viemos sofrendo, foi mais difícil mobilizar o pessoal” e complementa: “Mas as pessoas compreenderam a correlação entre os assuntos. Está tudo ligado”.
E rolou. Mais de 10 coletivos e movimentos, entre eles a Associação Raso da Catarina, o Palhaço Charles, o Levante Popular da Juventude, União da Juventude Socialista, União Nacional dos Estudantes, União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, Rede Fora do Eixo, Agência Popular Solano Trindade, Rede Jornalistas Livres, Juntos, Anistia Internacional, União Popular de Mulheres, Capão Cidadão e Rua, se juntaram e fizeram a edição paulistana acontecer.
Para financiar esse festival o grupo está realizando um financiamento coletivo que termina no próximo dia 20.
Às 10h, começaram a chegar principalmente mães acompanhadas de seus filhos. E foi assim, começou tímido, a comunidade foi chegando e quando vimos milhares de pessoas se posicionavam contra a redução. São Pedro também colaborou e o dia lindo com céu azul e sem nuvens compôs o perfeito cenário para a celebração. Celebração da vida e da juventude.
Thiago Vinicius, da Agência Popular Solano Trindade, que atua na Zona Sul, participou da construção do evento desde o início, há quase dois meses. As reuniões, semanais, eram abertas a todos que quisessem colaborar. Ele explica que o convencimento da população da região não foi fácil, grande parte dos moradores são a favor da redução “É muito delicado falar sobre isso, as pessoas não têm acesso à discussão. Antes da quebrada falar de redução tem que discutir outras coisas. A quebrada precisa de lazer, de escola, de qualidade, de cultura. A quebrada está saturada de tanta violência, só quem vive aqui sabe o que é enfrentar a violência”.
Ele também explica a importância do evento ser realizado na periferia. “Fazer na quebrada tem essa importância, por que somos nós que vamos sofrer. Quem é da elite, da classe média alta, está preocupada com o seu patrimônio. É isso, a redução é uma questão mais patrimonial do que humana”.
E Walquiria Costa, moradora do Capão, sabe bem disso. Ela costuma ser a favor da redução. “Eu via a violência e pensava, tem que prender todo mundo e jogar uma bomba!”. O que mudou? A maternidade. “Eu vi que não era assim. Eu passei por isso, meu filho tomou um enquadro no shopping uma vez e ele é estudante. Comecei a questionar a redução. Vou defender a redução maioridade penal? E se fosse meu filho!”.
Os enquadros policiais são uma realidade cotidiana na periferia. Ativistas da Anistia Internacional recolhiam assinaturas durante o evento para a Campanha Jovem Negro Vivo, que denuncia o genocídio dessa população: 30.000 jovens são assassinados por ano, desse 93% são homens e 77% são negros. Os dados são do Mapa da Violência de 2014. “O objetivo maior dessa campanha é chamar a atenção da população e conscientizar as vítimas de que elas são detentoras de direitos”, explica Itã Cortez, ativista da entidade.
Não foi diferente durante o dia do festival. Às vésperas de sua realização, quinta-feira (13), uma chacina protagonizada por policiais matou ao menos 20 em Osasco, região Oeste Metropolitana da Capital. “Eles estão todos agitados” explica Neide Abati, da União Popular de Mulheres de Campo Limpo e Adjacências. Na sexta (14), durante a montagem do palco, policiais munidos de metralhadoras foram ao Campo, atividade de rotina, queriam saber o que estava acontecendo, deixaram a orientação que o Festival deveria terminar mais cedo. No dia do evento, montaram bases em diversos pontos da comunidade para o patrulhamento de veículos. Também entraram por diversas vezes na área do festival, alegando que havia sido um “Pedido do Alto Comando”.
Mas o dia foi de festa! Os shows complementaram a narrativa positiva do festival: Youthman Soundsystem, Msário, Coral Indígena, Leci Brandão, DJ Eduardo Brechó, Veja Luz, Pequeno Cidadão, Batalha na Vila, Negredo, NU, Liga do Funk, Bó da Catarina, Afro Funk e Doc. Artistas de diferentes linguagens e estilos: música, dança, teatro, circo, graffiti e poesia! Arte e cultura como formas de protesto.
A sambista histórica e deputada estadual Leci Brandão marcou presença. Vice-presidenta da Frente Parlamentar de educação e cultura e presidenta da frente parlamentar em defesa da Juventude, Leci acaba de protocolar um pedido de CPI para a investigação do genocídio negro em São Paulo. Durante o show defendeu a juventude: “Estamos aqui para celebrar a vida”. Ela também lembrou a chacina de Osasco: “É muito triste pedir um minuto de silêncio. Por isso, eu peço palmas para dar coragem e força a esses familiares que ficam”.
Além das atrações culturais, o evento contou com aula pública e debate sobre a redução. Durante o debate, Neide, que também compõe a União Brasileira de Mulheres, lembrou “Eu participei da luta pela constituição do ECA que agora é rechaçado. A mesma polícia que matava na ditadura mata hoje os trabalhadores de Osasco, mata a nossa juventude”. Juventude essa que é criminalizada.” Agem como se os jovens fossem os agentes da violência, sabendo que, na verdade, eles é que sofrem com a violência”, desabafou Graziele Monteiro, diretora de Universidades Públicas da UNE. A solução? Para Wesley Machado, diretor de Cultura da UBES, é uma nova educação “que não expulse o jovem da escola. Hoje o jovem não tem nenhum atrativo para estudar”.
O projeto de emenda constitucional que diminui a idade penal foi aprovado na Câmara dos Deputados em junho, depois de manobra política do presidente da casa Eduardo Cunha. A segunda votação deve ser na próxima terça-feira (18). As mobilizações continuam por todo o Brasil. Em São Paulo, no próximo sábado (22), será realizado o festival pela #15Contra16 também contra a Redução. Nós, Jornalistas Livres, estaremos presentes.