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Por que as elites brasileiras odeiam Lula?

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com foto de Guilherme Santos/Sul21

Nada diz mais sobre o Brasil, sobre o que somos há muito tempo, que a caravana de Lula pelo sul do país. Em terras sulistas, por onde Lula passou foi hostilizado pela classe proprietária, pela elite da terra.

Não!
Chamar de “hostilidade” é pouco.

O que aconteceu na etapa sulista da caravana “Lula pelo Brasil” foi uma sucessão de atentados contra a vida de Lula e de seus correligionários políticos. Começou com chicotadas, agressões e pedradas e chegou, no último dia 27 de março, a tiros de arma de fogo.

Não foi ovo, não foi cocô. Foi tiro. Tiro de arma de fogo.

Como entender essa escalada de violência na política Brasileira?

Muitos falam em “fascismo”, termo que tem notória força política e que por isso seu uso no debate público talvez tenha lá alguma importância.

Mas estou convencido de que se quisermos fazer uma interpretação mais rigorosa da realidade, o termo é equivocado, pois mais confunde do que esclarece. Definir como “fascista” a escalada da violência na política brasileira demandaria tantos reparos e observações para mostrar como o “fascismo brasileiro” é diferente daquele “fascismo clássico” europeu de meados do século XX que o próprio conceito perderia força explicativa.

Por isso, prefiro seguir uma via interpretativa doméstica, tomando as manifestações de violência contra a caravana de Lula no sul do Brasil como representativas daquilo que o Brasil é, do que sempre foi.

É este o meu esforço neste ensaio: tomo a violência contra a caravana de Lula como ponto de partida para uma interpretação do Brasil.

Começo, então, com a pergunta que não quer calar, com a pergunta que, talvez, seja a mais importante de ser feita no atual momento da história do Brasil:

Por que as elites brasileiras odeiam Lula?

Nem de longe Lula foi um Presidente revolucionário, nem de longe relou no “sagrado” direito de propriedade privava. As elites brasileiras não perderam dinheiro nos governos de Lula. Muito pelo contrário, nunca ganharam tanto.

De onde vem todo esse ódio?

Não penso que seja necessária a importação de um conceito específico da história europeia para a compreensão de uma realidade que é tão brasileira quanto a jabuticaba. Não é fascismo não, não tem nada a ver com fascismo.

O fascismo é moderno, é o desdobramento mais grotesco da modernidade.

O ódio a Lula é arcaico, deita suas raízes nos velhos valores aristocráticos, pré-modernos, na lógica da Casa Grande, em uma racionalidade de tipo antigo.

Não é fascismo não. É o Brasil mesmo.

Sei que é difícil reconhecer, mas no fundo, bem no fundinho, é só o velho Brasil de sempre. Em pouco mais de uma década de bonança, nos enganamos, fomos ingênuos, achando que o Brasil estava mudando, melhorando. Mudou não. Melhorou não. Tá igualzinho ao que sempre foi.

Não há como falar nessa atualização do “Brasil de sempre” sem dedicar alguma atenção à “instituição Lula”.

Pois sim, o “homem Lula” já morreu e deu lugar a uma instituição.

Lula é a maior instituição política da história do Brasil. É tolo quem acha que uma instituição pode ser morta com uma bala ou com uma facada. Todos os brasileiros e brasileiras terão que conviver com a “instituição Lula” daqui para frente. Ninguém mais faz política no Brasil sem passar por Lula, seja para negá-lo ou para reivindicar o seu legado.

Mas o que significa essa instituição?

Há pouco tempo, escrevi um ensaio sugerindo que no final da década de 1990 aconteceu dentro do PT a “guinada lulista”, que teve efeitos contraditórios para o maior partido político da história da esquerda latino-americana: o lulismo, ao mesmo tempo em que catapultou o PT à chefia do Poder Executivo, representou o seu colapso ideológico.

É que o lulismo aposta na conciliação de classes e ao fazê-lo acaba negando o princípio da luta de classes, que é o núcleo da identidade ideológica de qualquer partido que pretenda estar à esquerda.

O lulismo achou que era possível “ajudar os pobres sem incomodar os de cima’, na certeira formulação de Marcelo Odebrecht.

No frigir dos ovos, essa conciliação seria mesmo possível.
Com algum sacrifício da classe média e com uma situação econômica relativamente favorável, seria possível distribuir renda para os mais pobres sem contrariar os interesses dos grandes capitalistas.

Dinheiro no bolso do povão, expansão do crédito, incentivo ao consumo, bancarização das relações comerciais, investimento na exportação de commodities. Todo mundo saiu ganhando, ainda que uns tenham ganhado mais que outros.

Com o boom do consumo, ganhou o capital produtivo.

Com a bancarização das relações comerciais, ganhou o rentismo.

Com o micro-crédito, ganhou o pobre, que comprou geladeira, TV de plasma e viajou de avião pra lá e pra cá.

A fórmula funcionou durante dez anos. O fator “Dilma Rousseff” foi o principal elemento de desestabilização do sistema. Não foi o único elemento, é claro que não. Mas foi o principal.

É que Dilma tensionou demais.

Dilma tensionou com o rentismo na batalha dos spreads, tensionou com a classe política, quando acreditou que a “Operação Lava Jato” seria de fato republicana.

O golpe de 2016 não foi exatamente contra o lulismo. Foi contra o dilmismo.

Duvido que Lula cairia, duvido muito. Mas não é disso que quero falar, não aqui, não agora.

O que estou querendo dizer é que pela lógica racional do mercado, do capitalismo, não há nenhum motivo para as elites brasileiras odiarem Lula.

Os donos de terra do sul do Brasil receberam muito dinheiro do governo federal durante a Era Lula, pois a exportação das commodities era o grande combustível econômico da conciliação lulista. Era importante para o governo que os proprietários produzissem, vendessem, ganhassem dinheiro.
Lula tratou o agronegócio com muito carinho, com muito carinho mesmo.

De onde vem esse ódio? Por que os proprietários sulistas tentaram matar Lula? É por causa da corrupção?

Não, não tem nada a ver com corrupção. Há outros políticos notoriamente corruptos que não despertam o mesmo ódio. Nunca é demais lembrar que os mesmos que hoje odeiam Lula aplaudiram Eduardo Cunha e votaram em Aécio Neves. O problema dessas pessoas nunca foi a corrupção.

O ódio é arcaico, é de tipo antigo.

Lula é o nordestino, trabalhador manual, homem de berço plebeu que ousou governar.

Num país em que a política formal sempre foi assunto a ser tratado entre iguais, entre oligarcas, Lula representa o radicalismo, ainda que na posição de mandatário maior da República tenha sido bem tímido, talvez até um tanto conservador.

É que o radicalismo de Lula independe de suas ações. Lula é o próprio radicalismo, é o radicalismo em pessoa, não importa o que faça, não importa o que deixe de fazer, não importa o quanto tente conciliar.

Com aquela “alma de pobre”, com aquelas escorregadelas nas concordâncias e nos plurais, Lula jamais conseguirá conciliar por muito tempo, pois para conciliar carece antes de ser aceito como mediador. Precisa sentar à mesa.

O aristocrata não aceita sentar à mesa com o plebeu.

As elites brasileiras têm nojo de Lula, sempre tiveram. Mesmo ganhando dinheiro durante o governo Lula, elas continuaram sentindo nojo, odiando. É que para as elites brasileiras o mais importante não é, exatamente, o dinheiro. O mais importante é a distinção.

Não importa se o aquecimento do consumo é positivo para a cadeia produtiva. Quando a empregada usa o mesmo perfume que a patroa, quando o filho do porteiro começa a estudar na universidade, é o regime da distinção que está sendo abalado.

Patroa e empregada, sinhá e mucama, não podem ter o mesmo cheiro. Não importa se a empregada “tirou” o tal perfume no cartão de crédito, pra pagar em 12 suaves prestações. Não importa se a empregada, depois da jornada de trabalho, vai sacolejar duas horas no trem e no ônibus para chegar em casa, no outro lado da cidade.
O que importa é o cheiro, é o signo de distinção.

Não importa se o morador do 10° andar vai passear em Paris nas férias, enquanto o porteiro vai visitar “mainha” em Santo Amaro. O que importa mesmo é que quando começar o semestre, o filho do porteiro estará lá, na mesma sala que filho do morador do 10° andar. Olhando de longe, bem de longe, eles são iguais, são estudantes. O absurdo está aqui. O ódio vem daqui.

É isso: não tem nada a ver com fascismo. O que explica a escalada de violência na política brasileira é o ódio de uma elite arcaica que goza com a distinção.

Não é fascismo. O fascismo é a tragédia da Europa moderna. Nossa tragédia é outra.

É a tragédia de uma sociedade de modernização incompleta, forjada no escravismo e controlada por uma elite historicamente comprometida com o atraso.

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5 Comments

5 Comments

  1. Geralda Avila

    09/04/18 at 23:22

    Rodrigo Perez Oliveira, seus artigos são sensacionais, de uma clareza impressionante.

  2. Jessica Cotacho

    09/04/18 at 23:34

    Muito bom texto!

  3. Cristina Barra Tainha

    11/04/18 at 16:50

    Um artigo bastante coerente com realidade brasileira. Este artigo é bastante lúcido e claro para que quem vive do outro lado do Atlântico possa entender a sociedade brasileira. De facto não deixa de ser surpreendente o elitismo das oligarquias brasileiras. O que não deixa de ser surpreendente uma vez que se deslumbram pela cultura europeia no entanto combatem ferozmente o estado social, quando aplicado ao Brasil, Estado este que é uma das bases principais dos países europeus, o que não deixa de ser hipócrita.

  4. Parabéns!!!

  5. Oberdan silva

    27/10/20 at 13:03

    Isso é tudo que queria falar quando estou conversando com pessoas que odeiam o Lula e o PT

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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