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Por que a chapa peronista de Alberto Fernandez e Cristina Kirschner pode vencer as eleições argentinas

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Comício final de campanha em Mar Del Plata

Com a economia em frangalhos, depois de quase quatro anos de governo neoliberal de Maurício Macri, a Argentina acumula perdas: só neste ano, o PIB recuou 2,5%. O desemprego já superou a marca dos 10,6%, e continua subindo. Os dados também mostram um aumento da sub-ocupação. No segundo trimestre de 2019, a taxa ficou em 13,1%, contra 11,8% nos três meses anteriores e 11,2% no mesmo período em 2018.O resultado pode ser visto nas ruas, com a multiplicação das pessoas vivendo ao relento e pedindo esmolas mesmo nos bairros mais ricos da cidade de Buenos Aires. O País voltou a mendigar empréstimo ao Fundo Monetário Internacional (FMI), e toda a situação fez com que o peso argentino despencasse, agravando a situação de descontrole inflacionário. A inflação esperada para 12 meses é de 48,3%. Para completar a devastação, a paralisar de uma vez qualquer possibilidade de recuperação, o Banco Central argentino tem subido os juros em uma tentativa de evitar a fuga de dólares. Atualmente, a taxa de juros está perto de 85%, o risco-país duplicou, ficando acima de 2 mil pontos, e o peso sofreu forte desvalorização.

 

Alternativa a tamanha desgraça, o peronismo de Cristina Kirschner e Alberto Fernandez, que disputa neste domingo (27) a eleição presidencial argentina, com larga possibilidade de vitória, acumula imenso capital político. Primeiro de tudo porque todos os indicadores econômicos dos dois governos de Cristina (entre 2008 e 2015) são melhores do que os de Mauricio Macri, como se verá a seguir. Depois, porque ela encurralou os militares e sacralizou a idéia dos direitos humanos, não permitindo o avanço dos fascistas nostálgicos da Ditadura e do extermínio de adversários políticos, como ocorreu no Brasil, com Bolsonaro. Por fim, porque conseguiu manter-se fiel à tradição operária do peronismo, organizado pela base, lançando pontes para os novos movimentos de juventude e de mulheres. Sempre, entretanto, mantendo vivo o traço popular. Como disse Cristina, ontem, no comício final em Mar Del Plata: “Nunca mais Neoliberalismo!”

 

Mais emprego, menos dívida e menor inflação com Cristina

 

O quadro a seguir foi elaborado pelo grupo editorial “Perfil” e mostra um comparativo entre o governo de Macri e o segundo mandato de Cristina, que não foi tão bom como o primeiro. Mesmo assim, as vantagens do peronismo na condução da economia parecem evidentes, sobre a política econômica neoliberal.

O PIB com Cristina (entre 2012 e 2015) andou de lado. Mas, com Macri, caiu 4,3%. A taxa de pobreza, com Cristina contava-se em 29%. Com Macri, subiu 7 pontos percentuais. A inflação média em 4 anos foi de 30,5% com Cristina e de 42,6% com Macri. De cada 100 trabalhadores, 5,9 estavam desempregados sob o governo de Cristina. Agora são 10,1 desempregados. Com Cristina, 17 bilhões de dólares fugiram do país, em busca de praças mais seguras. Essa cifra subiu para 70 bi com Macri. A dívida pública cresceu de 43 bilhões de dólares para 110 bi com Macri. A conclusão do boletim “Perfil”: “A Argentina termina 2019 mais pobre, mais frágil, mais vulnerável do que em 2015 e do que em 2011”. 

 

de infografia comparacion macri cristina 20190914

Memória e verdade, contra os “Bolsonaros”

Os 17 hectares ocupados atualmente pelo Espaço Memória e Direitos Humanos, em um dos endereços mais conhecidos de Buenos Aires, a avenida do Libertador, 8.151, ajudam a explicar graficamente como o peronismo encurralou os militares e sacralizou a idéia dos direitos humanos.

No país vizinho, a Ditadura Militar instituída por um golpe de Estado desfechado em 1976 é lembrada todos os dias pelos crimes de lesa-humanidade que cometeu ao matar, torturar, fazer desaparecer, sequestrar e exterminar opositores. Calcula-se que pelo menos 30.000 pessoas tenham sido assassinadas durante os sete anos que durou o regime.

Escola de Mecânica da Armada, um dos cerca de 500 centros clandestinos de extermínio de opositores do Regime Civil-Militar: Nunca esquecer!

Jornalistas Livres estiveram, na terça-feira (22), no complexo de prédios em que funciona o Espaço Memória, uma construção castrense que abrigou a ESMA (Escola de Mecânica da Armada), destinada à formação de suboficiais, e que, entre 1976 e 1983, durante a Ditadura Militar, foi transformada no principal entre os cerca de 500 centros clandestinos de prisão, tortura e extermínio espalhados pelo país.

Ali, monitores encaminham adolescentes (maiores de 12 anos) por entre construções crivadas de memórias de dor, sofrimento e perdas. No percurso que fizemos, acompanhávamos estudantes da escola Santa Lucia, um estabelecimento de ensino católico, que viera em excursão da cidade vizinha de Florencio Varela (a 32 km de Buenos Aires).

Meninos ainda imberbes e garotas em uniforme escolar com meias três quartos ouviam atentamente, em silêncio total, a voz da monitora contando-lhes sobre o horror que aquelas paredes encerraram na noite dos direitos humanos. Alguns choraram diante da descrição do drama vivido pelas mulheres grávidas que eram sequestradas e despersonalizadas, mantidas como verdadeiras incubadoras até a hora do parto.

Encapuzadas 24 horas por dia, as grávidas opositoras do regime dos generais eram mantidas às cegas. Também obrigavam-nas à imobilidade as algemas que lhes prendiam os pés e, por fim, eram proibidas de falar. Em vez de nomes, números identificavam-nas. Na hora de dar à luz, essas mulheres eram assistidas por médicos da Marinha. Depois das dores do parto, elas nunca mais veriam seus filhos, porque estes lhes eram tomados e dados como presentes a famílias de militares. Em seguida, anestesiadas, várias dessas mães foram jogadas em aviões, que as descarregavam no Rio da Prata, para morrerem afogadas, nos “Vôos da Morte”.

Foram Nestor e Cristina Kirschner os que enfrentaram a poderosa Marinha argentina, tomando-lhes o complexo escolar-matadouro e entregando-o para que servisse como homenagem permanente aos mortos e desaparecidos da Ditadura. Foi também por iniciativa deles, junto aos movimentos de familiares de vítimas e sobreviventes do regime militar, que os responsáveis pelas atrocidades cometidas acabaram atrás das grades, diferentemente do que ocorreu no Brasil, em que nenhum torturador foi punido por seus crimes.

Milhares de adolescentes assistiram e seguem assistindo às aulas, atividade que nem mesmo o governo ultraneoliberal de Maurício Macri, aliado de Jair Bolsonaro, conseguiu desorganizar.

As estações do metrô de Buenos Aires homenageiam os mortos da ditadura, com fotos e obras de arte nomeando-os e retratando-os –tudo o que não pode ocorrer é o esquecimento, porque –isso as Mães da Praça de Maio sempre ensinaram– a Memória é o caminho para impedir que novos crimes como aqueles cometidos pela Ditadura se repitam.

E há o comovente Parque da Memória, também destinado a homenagear as vítimas do terrorismo de Estado –uma área do tamanho de 14 campos de futebol que margeia o Rio da Prata, em que se erigiu um paredão onde estão inscritos os 30 mil nomes dos desaparecidos e assassinados pelo aparelho repressivo ditatorial (dez vez mais nomes do que os inscritos no memorial em homenagem aos mortos no World Trade Center, em Nova York).

Parque da Memória: menino flutua sobre o esquecimento

Lá também se encontram obras de arte pungentes, alusivas ao pesadelo nacional representado pelo governo militar, como é o caso da que representa o menino Pablo Míguez, um dos cerca de 500 meninos e meninas sequestrados durante a Ditadura. Pablo foi preso na Escola de Mecânica da Armada, assassinado aos 14 anos de idade e arremessado ao rio da Prata, em 1977. Na escultura de Claudia Fontes, feita em aço polido, de modo a refletir as cores das águas do rio, Pablo flutua sobre o esquecimento.

Um Bolsonaro homenageando torturadores até seria possível na Argentina, mas ele nunca seria eleito presidente. É por isso que o melhor amigo de Bolsonaro na Argentina, Maurício Macri, não ousa mexer com os cadáveres da Ditadura.

Pelo papel que desempenharam na Democratização do País, ao não permitir que o Terrorismo de Estado fosse esquecido, Nestor e Cristina Kirschner têm a gratidão completa das vítimas. No comício final da chapa peronista em La Plata, capital da provincia de Buenos Aires, uma das que mais sofreram em perdas humanas durante a Ditadura, Hebe Pastor de Bonafini, fundadora da associação Mães da Praça de Maio, fez questão de comparecer e levar seu apoio à chapa peronista. Aos 90 anos, foi beijada e reverenciada pelos militantes.

 

30.000 nomes gravados no muro. Dez vezes mais do que no Memorial aos Mortos no World Trade Center, em Nova York

Sindicatos no poder e organização de base

O peronismo de Cristina Kirschner continua fincado nas poderosas organizações sindicais argentinas. Um passeio por entre a massa presente nos comícios da “Frente de Todos” basta para que se percebam diferenças sensíveis com os recentes comícios eleitorais brasileiros, encabeçados pelo PT.

Segundo o vereador Dario D’Aquino, do Partido Justicialista (Unidad Cidadã), que também é secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores Municipais da cidade de Florêncio Varela, o povo argentino perdeu ”todos os direitos” durante o governo de Macri. “O peronismo voltará porque o povo está sendo levado novamente a lutar contra o neoliberalismo. O modelo político terá de incluir o povo e para isso não há nenhum instrumento melhor do que o peronismo.”

“Sim, vamos voltar! Voltaremos, voltaremos. Vamos voltar!” é uma das músicas cantadas a plenos pulmões pelos operários nos comícios, assim como a Marcha Peronista, cantada pela primeira vez na Casa Rosada em 17 de outubro de 1948:

Los muchachos peronistas,

todos unidos triunfaremos,
y como siempre daremos
un grito de corazón:
«¡Viva Perón, viva Perón!».

Por ese gran argentino
que se supo conquistar
a la gran masa del pueblo,
combatiendo al capital.

¡Perón, Perón, qué grande sos!

¡Mi general, cuánto valés!

Perón, Perón, gran conductor,

sos el primer trabajador.

Por los principios sociales
que Perón ha establecido,
el pueblo entero está unido
y grita de corazón:
¡Viva Perón! ¡Viva Perón!

 

 

https://youtu.be/VPSNiSfjSnc

 

 

 

Faixas e bandeiras são feitas a mão, em vez de fabricadas por empresas profissionais de publicidade. Carregam a humanidade dos traços imperfeitos, mas comprometidos dos militantes de base. Inexistem aqueles indefectíveis “coletes” das centrais sindicais, que se banalizaram nas manifestações brasileiras.

Não há praticamente venda de bebidas alcoólicas. Apenas água e refrigerante, durante o ato. Não há shows ou sorteios para atrair a militância. As bandas e fanfarras ligadas aos sindicatos só aparecem ao fim dos eventos, com seus tambores indefectivelmente decorados com as cores argentinas e as efígies de Perón e Evita (às vezes, também aparecem Cristina e Nestor Kirschner).

Gabriel, militante peronista desde criança, explica que os sindicatos argentinos são as principais organizações sociais referenciadas na tradição de Perón, mas que há muito mais, como os círculos de discussão e debates, os núcleos de bairro, mediados por relações de solidariedade e camaradagem. São reuniões semanais?, perguntamos. E ele responde: “É todo o tempo.”

Mas o caráter marcial da Marcha Peronista, claramente, não combinaria com a onda feminista que está varrendo a Argentina, e que reuniu mais de 500.000 pessoas entre os dias 12 e 14 em La Plata, no 34º Encontro Plurinacional de Mulheres, Lésbicas, Trans, Travestis, Bissexuais e Não-Bináries. Coube a Cristina Kirschner começar a combinar e harmonizar símbolos que teriam tudo para ser contraditórios.

E ela o fez. No Instituto Pátria, criado por Cristina assim que deixou a Casa Rosada, e que poderia ser apenas uma ONG análoga ao Instituto Lula ou ao Instituto FHC, promovem-se discussões visando à atualização do peronismo, à formação de militantes jovens e às elaborações teóricas feministas, entre tantos temas. Só assim para combinar a radicalidade da juventude com a força da tradição de décadas.
“É por isso que se vêem tantos jovens gritando a letra da Marcha Peronista, um hino septuagenário cantado como se fosse uma letra de rock”, explica-nos a jovem peronista da Universidade Nacional de La Plata.

 

 

 

 

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Nota da ABI – Bolsonaro mente na ONU e envergonha o Brasil

No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional.

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No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional.
Sem qualquer compromisso com a verdade, o presidente afirmou que seu governo pagou um auxílio emergencial no valor de mil dólares para 65 milhões de brasileiros carentes, durante a pandemia. O auxílio foi de 600 reais.
Bolsonaro mentiu
O presidente responsabilizou, ainda, índios e caboclos pelos incêndios na Amazônia e no Pantanal, que alcançam níveis nunca antes vistos no País. Todas as investigações, inclusive de órgãos oficiais, indicam que fazendeiros estão na origem das queimadas.
Como se vê, de novo Bolsonaro mentiu.
O presidente transferiu a responsabilidade para governadores e prefeitos pelos quase 140 mil mortos vítimas do coronavírus. Todo o país é testemunha de sua leviandade, ao classificar a pandemia de “gripezinha” e ir na contramão dos procedimentos defendidos pelas autoridades de Saúde.
Assim, mais uma vez Bolsonaro mentiu.
A ABI, com a autoridade de seus 112 anos de existência em defesa da democracia, dos direitos humanos e da soberania nacional, repudia esse comportamento que vem se tornando recorrente e conclama o povo brasileiro a não aceitar o verdadeiro retrocesso civilizatório que o governo está impondo ao País.
Paulo Jeronimo – Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

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Sem papas na língua. Juliano Medeiros no Dialogando de hoje

Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!

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Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? No Programa Dialogando desse domingo (26/07), 18h, o Pastor Fábio recebe Juliano Medeiros, presidente do PSOL para um papo sobre eleições e aprendizados da pandemia que passa por uma das fases mais críticas do momento, onde prefeituras e governos de vários Estados do país programam reabertura de mais uma parcela considerável de setores, enquanto isso, a mídia normaliza as curvas ascendentes do número de infectados pelo Coronavírus.

Outra pergunta que precisa ser respondida é qual é o sentido das eleições serem realizadas ainda neste ano? Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!

Assista, compartilhe. comente e mande perguntas no Facebook.

Juliano Medeiros é um jovem dirigente político da esquerda brasileira e desde janeiro de 2018 ocupa a presidência do Partido Socialismo e Liberdade. Historiador e Mestre em História pela Universidade de Brasília, é Doutor em Ciências Políticas pela mesma instituição.

Co-autor e organizador de Um Mundo a Ganhar e Outros Ensaios (Multifoco, 2013), Um Partido Necessário – 10 anos do PSOL (Fundação Lauro Campos, 2015) e Cinco Mil Dias: o Brasil na era do lulismo (Boitempo, 2017), colabora com sites, jornais e revistas no Brasil e exterior.[2]

Em 2018 coordenou a campanha de Guilherme Boulos à Presidência da República pelo PSOL[3] e, no segundo turno, após decisão do partido, passou a integrar a coordenação da campanha de Fernando Haddad[4]. Desde a vitória de Jair Bolsonaro, participa do Fórum dos Presidentes de Partidos de Oposição[5].

Durante mais de uma década Juliano Medeiros foi dirigente da corrente interna Ação Popular Socialista – Corrente Comunista do PSOL. Em Junho de 2019, a APS-CC se fundiu com o Coletivo Rosa Zumbi e mais oito coletivos regionais para fundar a Primavera Socialista, atualmente maior tendência do PSOL, da qual Juliano também é dirigente.[6]

Fábio Bezerril Cardoso é Pastor, cientista social, ativista social e Cofundador & Coordenador da Escola Comum e atualmente apresenta o Programa Dialogando, todos os domingos, às 18h. É um dos pastores progressistas que têm lutado pela defesa dos povos periféricos e costuma não ter papas na língua para falar sobre a realidade desses lugares. A produção é de Katia Passos, com arte de Sato do Brasil.

Conheça mais sobre a atuação do Pastor Fábio https://www.facebook.com/fabio.bezerrilhttps://www.facebook.com/fabio.bezerril

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Hilário Ab Reta Awe Predzaw e a história de um povo, historicamente, moído pelo ódio ou indiferença

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Por Diane Valdez, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, militante do Movimento de Meninos(as) de Rua e Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno

 

 

Hilário Ab Reta Awe Predzaw, 43 anos, morador da Aldeia Xavante N. S. de Guadalupe, em Barra do Garças, Mato Grosso, morreu na madrugada de 18 de junho de 2020, vítima do descaso governamental que permitiu a chegada do Coronavírus em sua comunidade. Era aluno do 5º período do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Sua tia morreu há pouco mais de uma semana vítima do mesmo descaso, a mãe e seus dois irmãos, seguem contaminado pelo vírus, assim como outros Xavantes e outras pessoas de etnias indígenas de todo o Brasil.

Hilário entrou na UFG, pelo sistema de cota para indígenas, no ano de 2018. Chegou com o já conhecido atraso histórico de acesso dos povos originários no ensino superior, ainda que a UFG seja uma das universidades públicas que tem buscado cumprir com o direito de povos indígenas ao ensino universal, o acesso e a permanência ainda sofrem de fragilidade.

A trajetória de Hilário, na UFG, não se limitou às dificuldades ocasionadas pela pobreza, como muitos de nossas/os alunas/os enfrentam. A academia era um outro mundo, distante de sua comunidade, não só em quilômetros, como também em movimentos culturais, sociais e políticos. Talvez essa distância, o fazia um aluno reservado e observador, sem abrir mão da seriedade e interesse pelo conhecimento.

Era umas das lideranças de seu povo, portanto, sabia da responsabilidade que assumia frente a comunidade, ele seria um professor, um educador de seu chão, de sua gente. Hilário trabalhava em uma escola, com o formato de um Tatu Bola, na sua aldeia, trabalhava na área de serviços gerais, em breve voltaria como Professor!

No primeiro ano de curso, Hilário, na desconfiança de seu silêncio indígena, que não significava submissão, tentava se inserir no mundo acadêmico. Veio um tempo, que largou tudo e voltou para a aldeia, não por opção dele, mas por opção deste desgoverno que é incansável na destruição de direitos dos povos originários.

O Ministério da Educação e Cultura, suspendeu todas as bolsas de permanência para a população indígena e quilombola. Um grupo de alunas e professoras se juntaram, arrecadaram dinheiro e o trouxeram de volta para a Faculdade. Foi feita uma mobilização de docentes e discentes sensibilizados e a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFG, cumprindo seu importante papel, disponibilizou uma bolsa e outros auxílios emergenciais.

Nessa ocasião, quando perguntado sobre o porquê de não falar nada dos problemas para colegas, e voltar para sua comunidade, Hilário disse que achava que ninguém sentiria falta dele.

No segundo ano, trouxe seu curumim para estudar em Goiânia, começou a trabalhar como intérprete na escola, acompanhando seu filho na dificuldade com a lingua. Era visível seu orgulho de exercer a função de intérprete. Lutou e enfrentou as diferenças que separavam as culturas e, como muitos, guerreou como seus ancestrais, para não perder seu lugar de legítima conquista.

No início da Pandemia, que começou junto com o semestre letivo, Hilário resistiu em voltar para sua comunidade, tinha medo das aulas retornarem e ele não estar presente na Faculdade, isso aponta o lugar que a UFG ocupava em sua vida. Quando percebeu que seu povo não estava acreditando na letalidade do vírus, retornou para alertar todos sobre o perigo. A UFG, cumprindo seu papel de instituição pública, providenciou o transporte para seu retorno no Mato Grosso.

Em maio, informou para duas amigas, que sua comunidade precisava de cobertores, pois fazia muito frio, e seu povo estava adoecendo. Elas mobilizaram, imediatamente, uma Vakinha On Line, onde arrecadou-se pouco mais de três mil reais, no entanto, como o total da arrecadação demora para ser liberado, emprestaram dinheiro e compraram os cobertores de forma mais hábil, enviando-os dia seguinte.

Os sintomas que atingia a comunidade, febre, falta de ar etc. já indicavam que era Coronavírus, no entanto, isso não foi motivo de interesse governamental, que poderia ter evitado o alastramento do vírus.

Ao apresentar os sintomas da doença, Hilário mostrou-se resistente em ir para o hospital, tinha dificuldade de aceitar o tratamento “dos brancos”. Acreditava nos rituais de seu povo, no tratamento natural que conhecia há tempos. Por outro lado, a histórica resistência dele, fazia todo sentido, pois sabemos como os povos indígenas são tratados neste país tão indígena que não se reconhece como indígena. Foi convencido a ir para o hospital e, na última conversa com as amigas em chamada por vídeo, estava muito escuro, e a família arrumou uma lanterna para as meninas verem o rosto dele, que disse para elas, em lágrimas, que estava somente suado, quando perguntado se estava com medo, disse que sim, que estava com muito medo…

A ida para o hospital foi acompanhado de longe pelas amigas, falavam sempre com a Assistente Social que afirmava que Hilário estava se recuperando, que receberia alta a qualquer momento. Nessa madrugada, ao pedirem informações sobre o amigo no hospital, alguém disse que alguém havia morrido, mas não sabia o nome. O nome de mais um número morto é Hilário Ab Reta Awe Predzaw, que deixou a mulher, filhos e todo seu povo Xavante.

O acesso dos povos indígenas ao ensino superior é recente, no entanto, é marcado por extrema coragem e resistência, pois o mundo acadêmico não é de todo um espaço acolhedor. Ainda que a dureza prevaleça na universidade, Hilário encontrou solidariedade e amizade na Faculdade de Educação, ainda que não seja uma solidariedade coletiva, foi construído uma rede de apoio, tanto de alunas/os, como também de docentes, isso pode ter aliviado sua dura estrada longe de seu chão.

Hilário não morreu porque “chegou a hora dele”, morreu por não ter o direito de ser mais um indígena, digno de necessários cuidados. Hilário, era um homem parte do “povo indígena”, um povo invisibilizado, injustiçado, espezinhado, humilhado e, odiado por este desgoverno.

Um povo com suas terras ameaçadas e roubadas pelo latifúndio, mortos por pistoleiros do agronegócio, ironizado e menosprezado por representantes deste desgoverno, ignorado por gente nativa que se acha descendente de europeus, machucados por todos que acham que universidade não é lugar de indígenas.

Não sei falar de fé, nem de ‘destino’, nem de coragem para aliviar o cansaço de um tempo incansavelmente dolorido. Ironicamente, para não dizer, funestamente, o tal ministro da educação, que afirmou odiar a expressão “povos indígenas”, ampliando seu descaso com a educação, revogou hoje [H OJ E], (19/06) a portaria assinada pelo ex-ministro de educação, Aluísio Mercadante, que estabelecia a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação. Hilário, estaria fora da pós-graduação, se dependesse deste ser desumano.

Quando lanternas começaram a iluminar caminhos de direitos para esta população, no interior de nossas universidades públicas, ainda que timidamente, um furacão de perversidade em formato de governo, dá pontapés e pisa, moendo, as possibilidades de justiça. Feito bandeirantes, grupos genocidas a frente das decisões da nação, estimulam a morte em todos os formatos. Deixar que o coronavírus atue, sem controle, é a proposta de morte atual para os povos originários.

Como Hilário, temos medo, muito medo, mas agarremos as lanternas, e assumimos nosso lugar na defesa dos povos indígenas, não os condenando a escuridão, como muitos fazem.

Hilário Ab Reta Awe Predzaw presente!

Este texto foi escrito com informações coletadas com as alunas, companheiras de Hilário, da turma do quinto período de Pedagogia da Faculdade de Educação/UFG, Dorany Mendes Rosa e Raysa Carvalho.

A elas e a toda turma, meu carinho e solidariedade.

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