Por Paula Zarth Padilha, com fotos de Leandro Taques
O economista Marcio Pochmann, professor da Unicamp e presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) de 2007 a 2012, esteve em Curitiba nos dias 17 e 18 de março e concedeu entrevista ao Terra Sem Males e aos Jornalistas Livres. Ele falou sobre a necessidade de um caminho de convergência necessário para a esquerda diante do cenário atual de retrocessos.
Pochmann alerta para a possibilidade de não ocorrerem eleições em 2018 e questiona: a quem interessa a destruição das empreiteiras, da exploração do petróleo e gás e da indústria de alimentos, que eram redutos brasileiros que ainda não tinham sido ocupados por empresas estrangeiras?
Para ele, Dilma caiu porque promoveu a recessão e porque seu governo foi enfraquecido politicamente por uma sequência de erros, ao mesmo tempo em que a direita se fortaleceu com o resultado apertado das eleições presidenciais de 2014.
Confira:
Historicamente, os economistas defendem que os ciclos de crise do capitalismo levam a caminhos de retomada, e que estaríamos na terceira grande crise do capitalismo mundial. Que caminhos possíveis de retomada existem atualmente na conjuntura brasileira?
Marcio Pochmann: Primeiro reconhecer que há caminhos. Agora, qualquer caminho serve quando você não sabe onde quer ir. Nosso problema é que não conseguimos ter uma maioria que tenha uma direção para onde ir. Então qualquer caminho pode servir, até porque esse retrocesso que estamos vivendo agora poderá ser muito satisfatório para criar uma nova convergência.
O projeto neoliberal foi interrompido a partir de 2003, mas ficou sempre sendo colocado que o Brasil teria dificuldades de se desenvolver sem ter completado o projeto neoliberal. Se a gente não tivesse tido o governo do presidente Lula, possivelmente as reformas (privatistas) estariam sendo já inauguradas. Privatizações como a do Banco do Brasil e da Petrobrás, entre outras, poderiam ter sido consagradas. Então houve uma interrupção e agora nós estamos tendo de uma forma muito contundente a retomada dessas reformas, cujos resultados estão muito evidentes, levando várias pessoas a se posicionarem com postura muito mais crítica com relação a essas reformas.
Vejo como uma possibilidade a gente recuperar o terreno perdido a partir de uma derrota desse projeto neoliberal dado a circunstância que ele coloca que não oferece futuro. A não ser, notícias piores para as pessoas. Se houver essa capacidade de criar essa maioria, essa convergência sob o ponto de vista da esquerda, que inviabilize por muito tempo esse projeto neoliberal. O jogo não terminou, o que está acontecendo no Brasil pode ser uma página virada, depende de nossa capacidade de responder, de não ficarmos no lamento.
Temos posições muito interessantes do que ocorreu na semana passada (manifestações do 15 de março). Essa mobilização nacional que não se deu apenas num estado ou numa cidade, foi algo bastante importante da capacidade que nós temos de reagir. Então eu vejo como um momento que não tem nada definitivo.
O importante é ter um projeto de unidade para a gente seguir executando os próximos passos. A dificuldade é não ter um projeto para onde a gente quer ir. A não ser lembrar que nós éramos melhores anteriormente, mas isso é insuficiente. Porque senão o Brasil pode ser um país que tenha como futuro um grande passado. E temos que ter como futuro o novo que precisa ser construído.
Essa reação popular pode despertar no governo a inviabilização da eleição em 2018?
Marcio Pochmann: O jogo está sendo jogado. É obvio que eles não querer e vão fazer de tudo o possível para evitar qualquer retorno de um governo que seja diferente desse daí. E a força de Temer é ao mesmo tempo sua própria fraqueza. O que dá ao Temer uma pujança em termos de base de apoio no legislativo é justamente porque ele segue oferecendo para grande parte dos parlamentares uma segurança em relação ao avanço das operações da Lava Jato. À medida que a Lava Jato continue prosseguindo, Temer deve perder o apoio. Então ele tem que oferecer a inviabilização da exposição da corrupção que consome parte importante dos parlamentares, tanto no Senado quanto na Câmara.
A mesma coisa está relacionada à base que ele tem do ponto de vista do capital, dos empresários, dos meios de comunicação. Ele tem uma base de apoio enquanto ele oferecer indicação de que tem capacidade de fazer reformas que são de interesse desses setores. Se eles não conseguirem fazer essas reformas, ele perde esse apoio. Temer está lá para fazer as reformas, se ele não fizer, ele cai.
À medida em que a população tem uma reação contundente a essas reformas, torna mais difícil o governo Temer. E uma solução não democrática é uma possibilidade. Mas eu tenho dúvida. Temos que entender que a democracia no Brasil sempre é uma exceção, nunca uma regra, o Brasil acumulou períodos autoritários. Temos 500 anos de história e mal temos 50 de período democrático. E essa experiência que estamos vivendo de 1985 para cá é a mais longeva.
Ao que parece nós acumulamos alguma institucionalidade para evitar mais uma medida drástica, mas ela não é impossível de ocorrer, que nós tenhamos penalidades muito maiores com relação à democracia, até mesmo de não ocorrer as eleições de 2018.
Podemos estar vivendo, guardadas as devidas proporções, algo parecido com o que ocorreu em 1964. Vários democratas apoiaram o golpe. Não foi só a imprensa ou os empresários. Juscelino Kubistchek apoiou o golpe, Ulisses Guimarães apoiou o golpe, entre outros. Porque era de certa maneira oportuno para eles apoiar o golpe. Houve um apoio de democratas ao golpe de 1964, na expectativa de que houvesse um processo pontual e quem em 1966 as eleições voltassem a ser realizadas e aí que daria chance a esses nomes que pleiteavam o governo. Mas em 1966 não teve eleição.
Você acredita que o golpe de 2016 poderia ter sido evitado?
Marcio Pochmann: A tentativa de interromper ou inviabilizar o governo de esquerda no Brasil já ocorre desde 2003. Eu acredito que a razão do golpe se viabilizar foi a perda da base política da presidenta Dilma. E ela perdeu essa base política quando optou pela recessão. O que significa dizer que se não tivéssemos tido recessão, talvez não tivesse tido o golpe.
O golpe é uma tentativa de tirar o PT do governo. Acontece que a direita fez uma operação de alto risco. Eles se deram conta que com a vitória apertada de 2014, depois de Dilma viria o Lula, que ficaria mais oito anos, e eles não teriam mais oportunidade de ser governo e de aplicar as medidas neoliberais. Eles tentaram em todas as eleições o receituário neoliberal e a população não aceitou. Então a única possibilidade deles era o terceiro turno.
Eles mudaram a postura. Não aceitaram o resultado, questionaram o resultado no Tribunal Superior Eleitoral, alegaram que tinha problemas na contagem de votos, mobilizaram as massas. Quem desmobilizou foi quem ganhou a eleição. Achando que o outro lado ia aceitar o resultado e ele não aceitou o resultado. Então o golpe já começou a ser pleiteado a partir do resultado eleitoral.
Vários erros políticos foram feitos pelo governo, como a presidência da Câmara. Então isso culminou (no golpe). Quando (Dilma) enfraqueceu e perdeu base, eles aproveitaram a oportunidade. Ter colocado Michel Temer como ministro de relações institucionais também foi outro erro. Ela fez o presidente do PMDB perceber a fragilidade da base (de apoio ao governo) e ele reorganizou aquela base e ele mesmo assumiu o governo. O problema é que o governo se fragilizou quando eles se fortaleceram. Então, o golpe poderia ter sido evitado. Assim como podemos sair do golpe muito melhores do que entramos.
Qual sua avaliação das operações que afetaram primeiro as empreiteiras e agora os frigoríficos?
Marcio Pochmann: As instituições devem exercer as atividades para a qual foram constituídas e dentro dessas atividades é coibir o mau uso do recurso público então eu acredito que estão na função necessária a elas. O que eu gostaria de ressaltar é que parece que essas instituições não estão sabendo diferenciar o mau uso do recurso público feito por pessoas, por decisões pessoais nas instituições as quais elas fazem parte. E num momento de acirramento da competição das grandes empresas no mundo, é bastante estranho que justamente nos setores que o Brasil teve protagonismo mundial, que são os setores de petróleo e gás, fundamentalmente através da Petrobrás, as grandes empreiteiras brasileiras que têm papel gigantesco na construção da engenharia nacional e na sua presença fora do Brasil, são competidores em obras públicas em outros países, praticamente na América Latina toda essas empresas tinham alguma presença.
E agora a questão dos frigoríficos que é outro setor que o Brasil domina já há algum tempo, então é estranho que esses setores estão sendo objeto de averiguação e constatação de mau uso de recurso público, misturando pessoas com a empresa.
Temos vários casos de situações parecidas ocorridas em outros países, um dos exemplos é a Volkswagen que manipulou regras de produção de automóvel, ela foi autuada, os dirigentes foram penalizados, mas a empresa segue sua tarefa.
O que está ocorrendo no Brasil é que ao se misturar instituição com personalidade, nós estamos na verdade destruindo a engenharia nacional, destruindo o setor de petróleo e gás, e agora vamos averiguar o que vai acontecer com os frigoríficos, isso vai retirando as poucas possibilidades que o Brasil teria de seguir atuando interna e externamente. Obviamente esse vazio deixado pelo petróleo e gás está sendo ocupado hoje por empresas estrangeiras. As empreiteiras nacionais se tornaram inviáveis, estão tendo que se desfazer de seus ativos e até mesmo vender parte do que possuem para empresas estrangeiras. E não sabemos o que vai acontecer com o setor de frigoríficos mas temos que questionar até que ponto esse papel sério de investigar o uso do recurso público deve ser feito dessa maneira que parece equivocada quando não separa pessoas de instituições. O que está ocorrendo no Brasil é uma destruição das empresas nacionais.