“Para uma mãe preta, a maior preocupação é manter seus filhos vivos”

Mônica Cunha luta há 17 anos contra violência que atinge a juventude negra no Rio de Janeiro / Foto: Caio Oliveira

Papo de mãe é como nós, mães de vítimas da violência do Estado, chamamos as nossas conversas coletivas. Demos este nome em razão de a condição de mãe ser aquilo que nos uniu, antes mesmo das adversidades do exercício de ser mãe. Apesar disso, nossos bate papos não estão restritos à maternidade, mas sim a tudo aquilo que atravessa nossa condição de mulher na sociedade brasileira, bem como a de nossos filhos.

Neste texto, especialmente, vou me ater à maternidade. Ficar grávida é, sim, maravilhoso, quando assim desejamos. Mas pode também representar tristeza, dor, recusa, etc. Por que falo deste mix de sentimentos? Porque as desigualdades sociais, raciais e de gênero impõem dificuldades extras para mulheres. Aqui falo especialmente das mulheres negras, como eu. A felicidade que uma gravidez desejada traz, nos enche de expectativas e sonhos mas, em regra, estes sonhos são acompanhados por enormes preocupações e dificuldades inerentes à condição social que nos foi imposta por uma sociedade racista e patriarcal.

Somos nós as mais afetadas pelo desemprego ou, quando empregadas, sofremos com as condições de trabalho mais precárias (segundo o IBGE, o índice de desemprego entre mulheres negras é de 16,6%, o dobro do observado entre homens brancos, que é de 8,3%). Da mesma forma, somos as que possuem moradia em condições mais precárias, segundo o IPEA. Apesar disso, há no Brasil mais de 16 milhões de famílias monoparentais chefiadas por mulheres negras. Tudo isso se reflete no acesso à saúde, educação, cultura e demais direitos sociais implicando, inclusive, que muitas de nós tenham dificuldades de ter o que comer, especialmente nestes tempos de pandemia. Em suma, torna a missão da mulher negra e mãe ainda mais difícil.

Mas é sobretudo com o nascimento de nossos filhos, quando aquele bebê sai de dentro de nosso ventre, que percebemos o quão somos fortes, guerreiras! Quando mexem com nossas crias, nos tornamos verdadeiras leoas. E isso demonstra o maior dos nossos desafios: criar e educar, em todos os sentidos, aquelas crianças. Queremos dar tudo de melhor para eles. E assim descobrimos o real significado de amor diante daquele que, me arrisco a dizer, é o maior do mundo! E este não está relacionado ao ato de parir, mas sim ao ato de cuidar.

Percebemos, então, que este querer tudo de bom faz com que tenhamos que entender o mundo e as pessoas para que possamos orientar o desenvolvimento da nossa cria. E nos tornamos múltiplas. Somos trabalhadoras, amigas, companheiras, mas, antes de tudo, somos mães. Cada uma à sua maneira, com a organização familiar que for, temos por nossos filhos um sentimento que dá razão à nossas vidas.

Mas não podemos nos esquecer: para uma mãe preta, hoje, no Rio de Janeiro, a maior preocupação é manter seus filhos vivos!

Digo isso sem a pretensão de atribuir às mães brancas um desprezo quando à vida de seus filhos. Vivemos em uma sociedade extremamente violenta e esta violência afeta a todas e todos mas, é preciso dizer, não da mesma maneira. O fato de 75% das vítimas de homicídio no Brasil serem negros (Atlas da Violência, 2019) impõe a todos uma reflexão séria quanto ao racismo que atravessa a nossa existência. E é necessário que, todas e todos, assumamos compromissos antirracistas para que não tenhamos mais mulheres sem seus filhos no dia das mães.
Desejamos que, neste 10 de maio, mesmo em isolamento, todas as mães possam estar, de alguma forma, com seus filhos. Será uma data diferente para a maioria mas, para muitas que, como eu, tiveram seus filhos assassinados ou outras que têm seus filhos encarcerados, será mais um dia das mães sem eles. Dizer “mais um” não significa que essa dor seja menor, pois conviver com essa dor é algo permanente e dilacerante, que nunca passa. Dizemos pois, num bom papo de mãe precisamos ter palavras para expressar que o luto por nossos filhos se transformou em luta pela nossa sobrevivência e que, mais do que nunca, precisamos coletivamente parir uma nova realidade: um novo futuro e uma nova sociedade!

 

Mônica Cunha é fundadora do Movimento Moleque e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Alerj

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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