Os 18 do presente e o 2018 do futuro

Balta Nunes ou Willian Pina Botelho, major do Exército brasileiro

Os 18 manifestantes, que flagram a teia que pune, cerca e tenta destruir os resistentes, denunciam um sistema repressivo que trabalha para inocular medo em todos. Tal sistema atribula as famílias, invade suas vidas e ameaça o futuro daqueles que resistem. O judiciário, como estamos cansados, exaustos de presenciar, cumpre papel central nesse sistema. Estratégias muito bem calculadas são aplicadas sobre pessoas comuns e vários laboratórios de perseguição são criados pelo país.

As ótimas reportagens da PONTE e do Intercept Brasil, compartilhadas no PPD, relatam o ocorrido, na última sexta feira(22/09), na audiência sobre o caso dos 18 jovens presos com a participação direta de agente infiltrado do exército, Balta, e perseguição de helicóptero a um pequeno grupo de jovens, antes de uma das muitas manifestações FORA TEMER,

evidenciando mais uma das operações burlescas da polícia militar paulista

em articulação direta com as forças armadas.

O episódio demonstra, uma vez mais, as estratégias de intimidação praticadas pelo sistema de segurança e justiça do Governo do Estado de São Paulo que se arrastam inexoravelmente para o cadafalso da falta total de credibilidade. Mas a articulação, sabemos, é nacional.

O descalabro de nossas polícias não gera mais vergonha ou perplexidade, ela se consagra, a passos largos, apenas como o inimigo que as forças democráticas têm de enfrentar. Atrás das polícias, contudo, o sistema de justiça parece permanecer a reboque dos excessos que são cotidianamente praticados por soldados e oficiais.

O papel do Ministério Público previsto pela constituição federal

nunca foi tão urgente, inadiável e necessário

para controlar o avanço do que representa a corrosão do próprio Ministério Público em suas funções de zelar pela democracia e controlar as forças violentas nas mãos do Estado.

Se a experiência e a história das polícias brasileiras são de oposição aberta à democracia, caberia ao Ministério Público investigá-las e denunciá-las à Justiça para que, por sua vez, os juízes cumprissem o mesmo papel.

Mas, como já afirmaram promotores públicos progressistas,

o controle externo da polícia praticamente inexiste.

Porém, se não puderem exercer o papel que lhes cumpre, no ponto onde vidas correm risco de serem extintas, famílias desfeitas e redes de sociabilidade esgarçadas ao ponto da ruína, então qual função e dignidade poderão reivindicar?

Os operadores do direito se encontram no mesmo impasse de cada um dos cidadãos brasileiros. Ou atuarão a favor da democracia e da constituição ou contra elas. Contribuirão para soerguer a democracia brasileira aos pedaços ou, convenientemente, apenas se omitirão; serão cúmplices do ataque sistemático aos que reivindicam direitos civis elementares como o direito de ir e vir, emitir opinião e se manifestar publicamente ou investigarão rigorosamente aqueles que perpetram tais violações.

Cabe decidir se agirão como no caso da condenação exemplar dos policiais envolvidos na chacina de Osasco, ou como os desembargadores que suspenderam a sentença dos envolvidos no Massacre do Carandiru. Não se trata mais, obviamente, de opção, mas sim da recusa ou aceitação de exercer com convicção o papel que lhes cabe diante da constituição vilipendiada.

Se Raquel Dodge está falando seriamente em seu discurso de posse

no Conselho Nacional do Ministério Público,

quando conclama as procuradorias e MPs

a atuar contra a escalada dos totalitarismos que invadiram o Brasil,

sua tarefa não será pouca.

Num país em que a violência contra manifestantes explodiu; em que policiais militares invadem armados e de forma truculenta e organizada as audiências para defender retrocessos no Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos; em que o poder executivo se tornou um balcão de negócios sem qualquer pudor e está afogado no escárnio e na descrença; em que o Congresso se prepara para votar a redução da maioridade penal num dos países que mais tortura e mata jovens e adolescentes no mundo; em que o encarceramento em massa praticado sistematicamente como corolário de uma guerra aberta contra os pobres e miseráveis foi incapaz de mitigar minimamente a violência no país, não há como discordar de Raquel Dodge.

Sim as PGs e os MPs têm muito a fazer. Farão? Terão força política para agir? Resta saber se não se aproxima o tempo de ficar tarde demais. Se não se aproxima o tempo em que as instituições do direito serão apenas uma figura institucional pusilânime, tardia e a serviço de governos ilegítimos, forças de segurança totalitárias e abusivas e grupos políticos interessados em afundar de vez uma democracia em estado de gênese. Pouco tempo resta para constatarmos isso.

Sim, Raquel Dodge está certa.

Forças totalitárias avançam a passos largos e se vencerem,

os MPs e PGs não serão mais do que figura decorativa.

Enquanto generais defenderem rasgar a constituição e aplicar o golpe e não forem exemplarmente punidos; deputados federais progredirem em suas aspirações à presidência defendendo publicamente a prática do estupro e da tortura; prefeitos e governadores atacarem populações indefesas de modo escancarado e brutal; partidos que articularam o golpe e grupos de extrema direita se prepararem para tomar dezenas de assentos no parlamento e, novamente, fazerem maioria na câmara; um jornalista praticante do jornalismo ético e democrático for acusado de macular a honra do “honroso” Eduardo Cunha, estaremos todos em risco, sem dúvida, mas os que deveriam zelar pela democracia e pela constituição estarão à beira do escárnio e da inutilidade.

As frentes de esquerda se fragmentam. Saem das ruas e se concentram na eleição presidencial. Não apresentam uma estratégia única para a eleição de deputados, com uma pauta também única e progressista, e tem enormes dificuldades para projetar os próximos passos. Abandonam o FORA TEMER quando ele já foi adotado por boa parte da população, dos movimentos sociais e pela classe artística. Dão os primeiros passos para refazer alianças nos estados e se mostraram fracassadas.

Isso indica ainda que o golpe devastador sofrido teve, contudo, um potencial interpretativo fraco, não alcançou os vícios e repetições seculares do Brasil oligárquico, violento e genocida e, mesmo as esquerdas começam a devolver a sociedade brasileira para o mesmo lugar, o mesmo modus operandi, as mesmas fragmentações e acordos que debilitam as forças democráticas e as confundem. Ante a possibilidade mais breve de retornar ou chegar ao poder ninguém cede uma agulha.

Esse narcisismo cultivado pela saudade do poder em si mesmo embebeda muitos e cega a todos para um impossível 2018. Alguém de cara limpa realmente acredita que caso algum candidato com uma pauta clara de esquerda alcançar chances reais de chegar ao poder tudo transcorrerá na mais perfeita paz?

É tempo de bola prá frente, rumo às eleições?

Como uma sociedade pós golpe, com as forças golpistas ativas e fortalecidas como nunca, e no poder, aceitará o espetáculo das eleições livres e justas, caso a direita ou a extrema direita não seja a aposta certa?

Estamos esquecendo dos 18, que representam hoje cada um dos brasileiros perseguidos, amedrontados, acusados e processados, para pensar só em 2018.

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