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ONU nem vira as costas e pistoleiros atacam de novo os índios guaranis-kaiowás

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A relatora da ONU Victoria Tauli-Corpuz não havia ainda encerrado sua visita ao Mato Grosso do Sul, onde foi para avaliar a situação de violência vivida pelo povo guarani-kaiowá, quando os índios já foram novamente atacados a tiros por pistoleiros das fazendas em torno. O índio Isael Reginaldo ficou ferido, com 10 perfurações pelo corpo

Pistoleiros a cavalo e em caminhonetes realizaram três ataques contra índios durante a visita da relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, ao Mato Grosso do Sul, aonde foi para avaliar a situação de violência vivida pelo povo Guarani-Kaiowá na região. Tratou-se de uma clara tentativa de intimidação. Jornalistas Livres presenciaram um dos ataques, realizado no dia 12/03 contra a aldeia Ita Poty, na divisa dos municípios de Dourados e Itaporã (MS), pouco depois de outro, em que saiu ferido o indígena Isael Reginaldo.

 

Nesse dia, índios tentaram retomar seu território tradicional, que atualmente é disputado com fazendeiros da região. Em represália, pistoleiros atacaram o grupo indígena, ferindo Isael, que foi levado para o Hospital de Dourados, com 10 perfurações espalhadas pelo corpo, sangrando muito. Mais tarde, já na beira da estrada e fora da área de litígio, os ataques persistiram. Cerca de 40 índios, que estavam reunidos, bloqueando a estrada, para fechar o acesso à fazenda, foram novamente atacados pelos pistoleiros, que dispararam tiros em sua direção.

 

 

A relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz,  esteve no Mato Grosso do Sul (MS) entre os dias 10, 11 e 12 de março. Visitou os tekohas (territórios) chamados de Kurussú Ambá, Guaiviry e Boqueirão no dia 10/03 e Takuara no dia 11/03. Todas áreas de conflitos recentes. Seguindo para Campo Grande, encontrou-se com representantes do povo Terena e demais povos do estado. Dali, Victoria foi para a Bahia.

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A visita da relatora Victoria Tauli-Corpuz ao Brasil é decorrência de pedido feito pelos guarani-kaiowás em setembro passado, em que reivindicaram que a ONU adotasse duas medidas urgentes para uma defesa efetiva dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul e do Brasil:

Primeira: “Promover uma investigação independente sobre o ataque sistemático contra os povos indígenas no Brasil, incluindo a responsabilidade do Estado Brasileiro tanto por ação como por omissão”.

Segunda: “Assegurar que todos os acordos comerciais de empresas multinacionais e bancos de investimentos com o Mato Grosso do Sul sejam condicionados à demarcação e devolução de nossos territórios”.

Eliseu Lopes faz denúncia na ONU em setembro de 2015. Foto: CIMI

Eliseu Lopes faz denúncia na ONU em setembro de 2015. Foto: CIMI

Na aldeia Kurussú Ambá, o cacique Eliseu Lopes abriu a conversa com a relatora Victoria Tauli-Corpuz denunciando a “violência, matança de lideranças e criminalização de liderança”. Foi seguido pelo cacique Ismar, que disse:

 

“Sentimos esperança por a senhora pisar em nossa terra, pois nós sofremos demais, há 500 anos.”

 

Reivindicamos ao governo (a demarcação da terra) e não nos atendeu, não deu ouvido a nosso sofrimento. O governo esqueceu de nós. E a gente insistiu com nossa terra, nós vamos insistir, nós vamos ter a nossa terra de volta, mesmo [tendo] a nossa liderança ameaçada, nossas criança ameaçadas. Nós não nos intimidamos porque estamos atrás dessa alegria [viver no tekoha]. As nossas crianças querem viver felizes, as nossas lideranças querem viver felizes. Por isso nós queremos que as Nações Unidas (ONU) demarquem nossa terra, que considerem nosso sofrimento, que pressione o governo. Porque estamos abandonados. E aqui estamos com pistoleiros em nosso redor, hoje atirando em nós, em cima e nós estamos assim. O governo está esperando a liderança ser assassinada, o povo ser massacrado.”

 

Rezador da comunidade

Rezador da comunidade

“Passamos por um ataque no dia 30/01, quando o acampamento três foi todo destruído. Foram queimadas as casas, a comunidade está viva porque correram da bala. Se esconderam nas braquiárias (tipo de capim para boi pastar) para escapar com a vida. Se não corresse, ia ter um massacre enorme no estado do Mato Grosso do Sul.”

 

A pedido do rezador de Kurussú Ambá, vários indígenas da aldeia mostraram à relatora da ONU, entre homens e mulheres, jovens e idosos, as cicatrizes de tiros que carregam em seus corpos. A relatora da ONU fez questão de apalpar os projéteis ainda alojados no corpos dos indígenas guarani-kaiowás.

 

A relatora da ONU ouviu também lideranças femininas. Escutou o apelo de Leila e a denúncia das condições de vida nas reservas indígenas no Mato Grosso do Sul, entendidas como áreas de confinamento da população guarani-kaiowá. Leila chamou essas reservas indígenas de “chiqueiros”. Recebeu abraço apertado de Victoria Tauli-Corpuz.

 

“A gente esperou há muitos anos essa justiça, mas nenhum governo, nenhuma autoridade, ninguém fez nada por nós indígenas. A gente foi massacrada, a gente foi matada, a gente derramou nosso sangue para esta terra aqui, mas ninguém não olha por nós. A gente perdeu muito a vida já, nossas liderança, desde mais de 500 anos a gente está derramando o nosso sangue pela nossa terra tradicional. Nós não somos estrangeiros, nós somos aqui do Brasil, original aqui do Brasil”.

Vídeo de Ruy Sposatti, repórter do Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

Cacique Elpídio Pires, da terra indígena Potrero Guasu, município de Paranhos (MS), liderança do Conselho Aty-Guaçu, sobrevivente do ataque de 19/09/2015 contra o acampamento localizado em área retomada de suas terras, foi um dos indígenas que prestaram depoimentos à Comissão Nacional da Verdade. O ataque deixou três feridos, que junto a Elpídio, esperaram sangrando na aldeia durante três horas para serem levados ao hospital, devido ao cerco dos pistoleiros.

Acampamento incendiado durante o ataque. Foto: CIMI

Acampamento incendiado durante o ataque. Foto: CIMI

 

“O Brasil está negando. O Brasil está dizendo que estão tratando bem os pobres, os indígenas, mas estão mentindo. Eles estão mandando relatório bonitinho, mas não é verdade”.

 

“Isso é uma vergonha aqui no Brasil, nós agradecemos a senhora por ter vindo, porque o Brasil faz parte desta organização. O Brasil assinou com a ONU, ele tem compromisso e não está cumprindo e nós indígenas guarani-kaiowás, nós pedimos também um contato direto, um acesso direto, diretamente com a ONU, para a gente passar a nossa situação, porque em 19/09/2015 eu fui quase matado pela minha terra. Então isso me indignou e isso é uma vergonha pro Brasil. A senhora sente como nós, a senhora tem filho, tem marido. A senhora deve imaginar a perda para uma família. Todo ser humano tem esse sentimento e esse sentimento tem de ser respeitado. Tem na Constituição que garante e nós devemos respeitar, mas não está sendo respeitado. Tá no papel bonitinho, mas não está sendo respeitado e não está sendo feito pelo governo brasileiro. Nós somos tratados como estrangeiro dentro da nossa própria terra. Minha mulher ainda hoje lembra como iria ficar se eu fosse matado. Como que vai ser criar os meus filhos. E ela fica muito triste, muitas vezes ela quer me segurar, mas eu falo, vamos continuar lutando pela nossa terra. Eu estou lutando pela causa justa”.

Elpídio Pires em depoimento à relatora da ONU.

Elpídio Pires em depoimento à relatora da ONU.

A indignação e coragem deste cacique Guarani-Kaiowá está expressa no volume de sua voz, nos gestos constantes e fortes de suas mãos chacolhando várias vezes no ar a cada frase, sem tirar os olhos de Victória. “Eu não estou defendendo criminosos, eu não estou formando quadrilha, não! Eu estou lutando, porque está em 1988 na Constituição o nosso direito.” A bala que o atingiu em 19/9/2015 ainda está em sua barriga.

 

O cacique Eliseu Lopes concluiu sua fala pedindo: “Victoria, pressione o governo Dilma, pressione o Congresso e o STF, em Brasília, para que demarque nossas terras e que o governo não faça mais isso: despejo e criminalização das lideranças”.

 

A relatora da ONU antes do encerramento declarou aos Guarani-Kaiowá em Kurussú Ambá:

 

“Eu consigo sentir a dor, eu consigo sentir a raiva, a tristeza que vocês comunicaram a mim e eu entendi muito claramente a mensagem que vocês querem que eu repasse para o governo de vocês e para a comunidade internacional. Eu farei todo o possível para levantar estas questões não somente com vosso governo, mas também com a ONU e também para a imprensa, para que a questão de vocês seja conhecida pelo mundo inteiro. Ajudaria a aplicar pressão sob o governo de vocês, se a situação de vocês não fosse só conhecida no Brasil, mas também no resto do mundo. Eu farei minhas recomendações, para destacar o ponto de vocês sobre a questão crucial da demarcação. E eu concordo com vocês de que esta é a única forma”.

 

Já em território baiano, onde Victória Tauli-Corpuz foi informada dos ataques em Kurussú Ambá e que o indígena Isael Reginaldo, foi alvejado por fazendeiros. Depois de ouvir os relatos dos Tupinambás, ela declarou:

 

“Devo recomendar que seja instalada uma investigação nacional de violações aos povos indígenas. Depois de ter ouvido reclamações padrões e constantes, acho mesmo que é o caso de uma investigação”. (grifo nosso)

 


Marcelo Zelic é Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e Coordenador do Projeto Armazém Memória.

Helio Carlos Mello é fotógrafo e membro do Projeto Xingu, da Unifesp.

 


Confira o ensaio do fotógrafo Helio Carlos Mello, enviado especial ao Mato Grosso do Sul.

 

#EleNão

Moradores da Maré são bailarinos em espetáculo com temporada na Suiça

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Foto: Andi Gantenbein, de Zurique, Suíça, para os Jornalistas Livres

Denúncias sobre os atuais tempos de antidemocracia, assassinatos da população preta, pobre e periférica e o da vereadora Marielle Franco aparecem em cartazes erguidos pelos bailarinos de “Fúria”, espetáculo de Lia Rodrigues, considerada uma das maiores coreógrafas brasileiras da atualidade e uma das mais engajadas na realidade política do país.

A foto é da noite deste sábado (16), durante apresentação do grupo brasileiro no ‘Zürcher Theaterspektakel’, em Zurique, Suíça.

No Brasil, Fúria estreou em Abril, no Festival de Curitiba. A montagem evidencia, de maneira crítica, relações de poder, desigualdades, e as interligações entre racismo e capitalismo.

O espetáculo foi concebido no Centro de Artes da Maré, na Maré, RJ. O local foi inaugurado em 2009, e o projeto nasceu do encontro de Lia Rodrigues Companhia de Danças com a Redes da Maré. Os bailarinos são moradores da favela e de periferias do RJ.

Fruto dessa mesma parceria é a Escola Livre de Dança da Maré que resiste, em meio ao caos do governo violento de Witzel contra as favelas do RJ.

 

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Temer/Kassab preparam ataque ao seu direito à Internet

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O método Temer de solapar direitos dos cidadãos brasileiros tem novo alvo: a Internet. Sem qualquer discussão prévia, os golpistas querem mudar a composição do Comitê Gestor da Internet.

A consulta pública determinada pelo governo, sem diálogo prévio com os membros do Comitê e com apenas 30 dias de duração, certamente pretende aumentar o poder e servir apenas aos interesses das empresas privadas. As operadoras de telefonia têm todo o interesse do mundo em abafar as vozes de técnicos, acadêmicos e ativistas que lutam pela neutralidade da rede, por uma Internet livre, plural e aberta.

Veja, abaixo, a nota de repúdio ao atropelo antidemocrático da consulta pública determinada por Temer/Kassab. A nota é da Coalizão Direitos na Rede que exige o cancelamento imediato desta consulta.

Nota de repúdio

Contra os ataques do governo Temer ao Comitê Gestor da Internet no Brasil

A Coalizão Direitos na Rede vem a público repudiar e denunciar a mais recente medida da gestão Temer contra os direitos dos internautas no Brasil. De forma unilateral, o Governo Federal publicou nesta terça-feira, 8 de agosto, no Diário Oficial da União (D.O.U.), uma consulta pública visando alterações na composição, no processo de eleição e nas atribuições do Comitê Gestor da Internet (CGI.br).

Composto por representantes do governo, do setor privado, da sociedade civil e por especialistas técnicos e acadêmicos, o CGI.br é, desde sua criação, em 1995, responsável por estabelecer as normas e procedimentos para o uso e desenvolvimento da rede no Brasil.

Referência internacional de governança multissetorial da Internet,

o Comitê teve seu papel fortalecido após a

promulgação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014)

e de seu decreto regulamentador, que estabelece que cabe ao órgão definir as diretrizes para todos os temas relacionados ao setor. A partir de então, o CGI.br passou a ser alvo de disputa e grande interesse do setor privado.

Ao publicar uma consulta para alterar significativamente o modelo do Comitê Gestor de forma unilateral e sem qualquer diálogo prévio no interior do próprio CGI.br, o Governo passa por cima da lei e quebra com a multissetorialidade que marca os debates sobre a Internet e sua governança no Brasil.

A consulta não foi pauta da última reunião do CGI.br, realizada em maio, e nesta segunda-feira, véspera da publicação no D.O.U., o coordenador do Comitê, Maximiliano Martinhão, apenas enviou um e-mail à lista dos conselheiros relatando que o Governo Federal pretendia debater a questão – sem, no entanto, informar que tudo já estava pronto, em vias de publicação oficial. Vale registrar que, no próximo dia 18 de agosto, ocorre a primeira reunião da nova gestão do CGI.br, e o governo poderia ter aguardado para pautar o tema de forma democrática com os conselheiros/as.

Porém, preferiu agir de forma autocrática.

Desde sua posse à frente do CGI.br, no ano passado, Martinhão – que também é Secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – tem feito declarações públicas defendendo alterações no Comitê Gestor da Internet. Já em junho de 2016, na primeira reunião que presidiu no CGI.br, após a troca no comando do Governo Federal, ele declarou que estava “recebendo demandas de pequenos provedores, de provedores de conteúdos e de investidores” para alterar a composição do órgão.

A pressão para rever a força da sociedade civil no Comitê cresceu,

principalmente por parte das operadoras de telecomunicações,

apoiadoras do governo.

Em dezembro, durante o Fórum de Governança da Internet no México, organizado pelas Nações Unidas, um conjunto de entidades da sociedade civil de mais de 20 países manifestou preocupação e denunciou as tentativas de enfraquecimento do CGI.br por parte da gestão Temer. No primeiro semestre de 2017, o Governo manobrou para impor uma paralisação de atividades em nome de uma questionável “economia de recursos”.

Martinhão e outros integrantes da gestão Kassab/Temer também têm defendido publicamente que sejam revistas conquistas obtidas no Marco Civil da Internet, propondo a flexibilização da neutralidade de rede e criticando a necessidade de consentimento dos usuários para o tratamento de seus dados pessoais. Neste contexto, a composição multissetorial do CGI.br tem sido fundamental para a defesa dos postulados do MCI e de princípios basilares para a garantia de uma internet livre, aberta e plural.

Por isso, esta Coalizão – articulação que reúne pesquisadores, acadêmicos, desenvolvedores, ativistas e entidades de defesa do consumidor e da liberdade de expressão – lançou, durante o último processo eleitoral do CGI, uma plataforma pública que clamava pelo “fortalecimento do Comitê Gestor da Internet no Brasil, preservando suas atribuições e seu caráter multissetorial, como garantia da governança multiparticipativa e democrática da Internet” no país. Afinal, mudar o CGI é estratégico para os setores que querem alterar os rumos das políticas de internet até então em curso no país.

Nesse sentido, considerando o que estabelece o Marco Civil da Internet, o caráter multissetorial do CGI e também o momento político que o país atravessa – de um governo interino, de legitimidade questionável para empreender tais mudanças –

a Coalizão Direitos na Rede exige o cancelamento imediato desta consulta.

É repudiável que um processo diretamente relacionado à governança da Internet seja travestido de consulta pública sem que as linhas orientadoras para sua revisão tenham sido debatidas antes, internamente, pelo próprio CGI.br. É mais um exemplo do modus operandi da gestão que ocupa o Palácio do Planalto e que tem pouco apreço por processos democráticos.

Seguiremos denunciando tais ataques e buscando apoio de diferentes setores,

dentro e fora do Brasil,

contra o desmonte do Comitê Gestor da Internet.

 

8 de agosto de 2017, Coalizão Direitos na Rede

 

Notas

1 A Coalizão Direitos na Rede é uma rede independente de organizações da sociedade civil, ativistas e acadêmicos em defesa da Internet livre e aberta no Brasil. Formada em julho de 2016, busca contribuir para a conscientização sobre o direito ao acesso à Internet, a privacidade e a liberdade de expressão de maneira ampla. O coletivo atua em diferentes frentes por meio de suas organizações, de modo horizontal e colaborativo. A nota está em https://direitosnarede.org.br/c/governo-temer-ataca-CGI/ .

2 Para ouvir a entrevista, à Rádio Brasil Atual, de Flávia Lefévre, conselheira da Proteste e representante do terceiro setor no Comitê Gestor da Internet, que afirma que as mudanças visam a atender interesses do setor privado e ferem caráter multiparticipativo do Comitê: https://soundcloud.com/redebrasilatual/1008-enrevista-flavia-lefevre

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Artigo

FRAGMENTO E SÍNTESE

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Ligar a tv logo cedo num pequeno quarto de hotel no interior do país é desentender-se dos fatos nos telejornais matutinos. Abre-se a janela e uma menina vai à escola à beira do rio, um menino faz gol de bicicleta entre guris e o homem ergue a parede de sua casa.  Tudo tão distinto das ruas em alvoroço de protestos urbanos ou políticos insanos.  No rincão o que se busca é continuar vivo entre chuvas e trovões, sem não ou talvez. Tudo é certo. Sem modernidades calam ou arremedam nossa urbanidade, gente que se defende com pimentas e ervas, oração e vizinhança. Voz sem boca, boca sem voz, essa gente não é parte nas notícias selvagens dos jornais distantes.  Se resolvem entre cozidos, arte, bola e santos. No país de tantos cantos, muitos voam fora da asa e sem golpes entre si vão tocando suas mazelas e graça.

Mas vivemos tempos obscuros, a noite persiste em nossos avançados quinhentos e tantos anos e muitos santos. Dizem que burro velho é difícil se corrigir nos hábitos. Em manhã chuvosa na grande São Paulo, ligo a tv e o notbook, as janelas se abrem antes que a cortina deixe entrar o novo dia. Surpreendente ver na tv o deputado Jair Bolsonaro afirmando em um clube israelita na cidade do Rio, que se presidente for, não teremos mais terras indígenas no país. Ao mesmo tempo o computador expõe na rede social a opinião de meu amigo Ianuculá Kaiabi Suiá, jovem liderança do Parque Indígena do Xingu, onde leio ao som do deputado que ladra:

Jair Bolsonaro, obrigado por você existir. Graças a você, hoje, temos noção de quanto a população brasileira carece de conhecimento, decência, consciência, juízo, amor e que carrega um imenso sentimento de ódio sem saber o porque. Sim, sim, não sabem. Um exemplo? Veja a bandeira de quem te aplaude, é de um povo que, assim como nós, sofreu as piores atrocidades cometidas pelas pessoas que pensavam como você. Enfim, eu não sei se essa parcela do povo brasileiro pode ser curada, mas vou pedir para um pajé fumar um charuto sagrado e revelar se o espírito maligno que se apossou da tua alma pode ser desfeita com uma grande pajelança.

Ianuculá sabe o que diz, sabe de todo martírio vivido pelos povos originários, e mesmo assim se propõe a consultar o mundo dos espíritos.

 

É deus e diabo na terra do sol, a mesma terra que ofende também abriga e anuncia uma mostra de cinema indígena nos próximos dias. Terra de etnias e corpos na terra, a cidade maravilhosa do Rio não se calará diante do fascismo desses tempos sombrios, acompanhe.

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