O crime de não ser bela, recatada e do lar

Brasília - DF, 18/04/2016. Presidenta Dilma Rousseff durante declaração à imprensa. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Uma revista semanal, que não merece ter seu nome citado, publicou uma reportagem sobre a esposa do vice-presidente com o seguinte título: Marcela Temer: bela, recatada e “do lar”.

Por si só o título é uma afronta à luta das mulheres por seus direitos, pois exalta valores machistas, que visam posicionar o “ser feminino” bem longe da atuação política.

Explico-me.

A necessidade de ser bela é um fardo às mulheres, pois, antes de tudo, até mesmo de serem consideradas humanas, somos avaliadas pela nossa estética. Em qualquer ambiente, seja na padaria do bairro ou na empresa em que trabalhamos nosso corpo e nossas roupas são os primeiros filtros dos juízos que fazem de nós. Somente depois, avaliam todas as outras capacidades e características que temos. Os homens não são vítimas desse filtro desumanizador da beleza. Antes de tudo, são homens, são pessoas.

A obrigação de ser bela é um fardo porque é desgastante, ocupa boa parte do nosso tempo e, em muitos casos, é dolorido. Ou depilar, fazer peeling e alisar os cabelos com derivados de formol se tornaram atividades indolores e prazerosas?

Outra faceta cruel do padrão de estética feminino é a narrativa de que sem sermos belas não viveremos um amor, não casaremos e, portanto, seremos infelizes e incompletas. Nós mulheres fomos educadas para nos sentirmos incompletas, desamparadas e frágeis. Fomos convencidas que somente casadas com um homem esse “vazio” será preenchido. Diante desse “conto de fadas misógino”, o que fazemos? Primeiro, nos tornamos inimigas e concorrentes em potencial das outras mulheres. Segundo, definimos quase todas nossas escolhas de vida com objetivo de encontrar um marido. E essas escolhas passam por uma série de constrangimentos ao nosso corpo, dos pés aos cabelos, literalmente.

Seguindo o raciocínio, fica mais compreensível entender o teor machista do termo “recatada”. O recato é, por definição, uma conduta de pessoas que são quase invisíveis. Estão no recinto para serem ignoradas. Quer uma característica mais desumanizadora e a-política do que essa? Em nossa história, coube aos escravizados a conduta recatada quando estavam servindo nas casas grandes. A mesma exigência é feita para as milhares de faxineiras e empregas domésticas.

Valorizar uma mulher recatada traz em seu não-dito um binarismo evidente e já muito conhecido e criticado nas teorias feministas: mulheres de bem x putas. Nossos corpos e mentes sofrem, desde criança, disciplinas físicas e torturas emocionais com o objetivo de nos afastar da aparência das prostitutas. Ora, sinceramente, o que é parecer com uma puta? E, ainda mais importante, a quem interessa desumanizar e discriminar essas mulheres que por questões e contextos sobre-humanos acabam vendendo práticas sexuais? Por fim, e, talvez, a pergunta mais imprescindível, por que os homens que compram tais serviços não recebem nem um milésimo do preconceito e da discriminação que as prostitutas recebem?

Trocando em miúdos, as mulheres que não se sujeitam à invisibilidade e a incompletude sempre foram chamadas de putas.

Quanto a ser “do lar”, fica descarada a narrativa machista de situar as mulheres ao privado. Ou seja, os locais públicos cabem aos homens, às suas respectivas esposas cabem os recintos do lar. Tal pensamento nos custou séculos de trevas, nas quais não pudemos estudar, trabalhar e votar.
Não à toa, até hoje, ainda é difícil desconstruirmos a noção de que a mulher não é ser político. A política foi criada pelos e para os homens. A eles devem servir. Quando nós, mulheres, começamos a deixar de sermos “belas, recatadas e “do lar”” começamos a  nos tornar seres políticos, empoderadas, que disputam locais e produção de poder. Esse tem sido o “crime” de todas as mulheres no último século. Esse é o único “crime” até aqui comprovado de Dilma Roussef.

Nós, mulheres, não somos mais obrigadas a sermos belas, recatadas e “do lar”.
Nós, mulheres, seremos cada vez mais seres políticos. Doa a quem doer.

COMENTÁRIOS

5 respostas

  1. Sinceramente, um texto capcioso de uma revista dúbia ser motivo de protesto político é muita falta de discernimento. A mulher do Temer pode ser o que quiser. O problema do Brasil é com o Temer. E também com a Dilma Rousseff que viu tudo ali parada com cara de veado que viu caxinguelê. Uma referência ao nosso incomparável Maluco Beleza.

  2. Realmente, quando a gente acha que não dá pra piorar o nível da Veja ela consegue se superar!

  3. Esse povo que opina esquece que o Brasil ainda não deixou de ser Colônia.
    A questão não é com a Dilma “mulher”, mas com a Presidente da República que adota os hábitos reprováveis do lulopetismo.
    Quer um exemplo de uma Chefe de Estado respeitabilidade? Ângela Merkel!
    Cultivam o que não edifica que colherá o que plantam.

  4. Se o problema fosse a Dilma “mulher”, ela não teria sido eleita duas vezes ao cargo mais alto do Pais.
    Antes diziam que o Lula não era eleito por ser operário. Foi eleito por duas vezes.
    O fato é que há gente demais buscando conceitos que servem apenas para colaborar com a segregação. Há gente demais que em nome de suas ideologias tendenciosas e cegas extrapolam os limites do respeito e da democracia. Um dos exemplos é dizer que o Vice-Presidente não é legitimo para suprir a vacância da Presidência da Republica. Isso é o que temos dentro do jogo normativo e democrático. Se ele é digno ou não é outra história que deve ser levada a cabo dentro dos trâmites normas da lei, sem atropelar a ordem jurídica ora prevista.
    Precisamos amadurecer e deixarmos o varejo para pensar no atacado. Ou seja, no País como Nação!

  5. E se a mulher quiser ser do lar e ser recatada? É algum crime? E se ela não gostar de trabalhar fora de casa e quiser cuidar dos filhos e dar a atenção que hoje nós mulheres que trabalhamos fora não podemos dar? Intolerância é o feminismo que não permite que as mulher sejam o que querem ser e por isso estão cada vez mais infelizes e depressivas, já que hoje trabalham fora e continuam trabalhando em casa.

POSTS RELACIONADOS

Réus do 8 de janeiro: quando julgaremos os peixes grandes?

Os julgamentos e as penas são capítulos importantíssimos para uma conclusão didática do atentado que sofremos em 8 de janeiro de 2023, quando milhares de pessoas de todo o país se organizaram para atentar contra a democracia. Mas e os peixes realmente grandes?