O compromisso do gestor público com o público

Reunião do secretário de Cultura André Sturm com artistas no CCSP (07/02/2017)

Por Cooperativa Paulista de Teatro, com fotos de Beto de Faria e Nataly Cavalcantti, especial para os Jornalistas Livres

Na noite da última terça-feira (8/2), no Centro Cultural São Paulo – uma das maiores referências para quem acompanha a vida cultural e artística da cidade – aconteceu o encontro entre o novo secretário de Cultura do município, André Sturm, e os artistas do teatro. Embora não se possa afirmar que todos os artistas que lá se encontravam fossem do teatro, certamente eram atores desse segmento da cultura a imensa maioria. O peso da ameaça dessa nova gestão (que apaga pinturas das paredes da cidade como se isso não fosse cultura) sobre todos aqueles que pensam, produzem e acreditam na arte como forma de transformação talvez nos tenha trazido uma certa unidade.

Antes do início da reunião, o diretor do CCSP, Cadão Volpato, recém-nomeado pela nova gestão, envolveu-se numa discussão no mínimo curiosa com alguns artistas que fixaram na mesa onde se sentaria o Secretário e os servidores chamados para acompanhá-lo uma faixa, feita pelos próprios artistas, com os dizeres ‘cultura não se congela’. Indignado com a colocação da faixa, o diretor exige que a mesma seja retirada. (Veja abaixo)

Acontece que o povo de teatro não está nessa de brincadeira. Uma pessoa que escolhe fazer da sua própria vida um rito de dedicação continuada à arte dos palcos e das ruas não vai a uma reunião com o Secretário de Cultura para brigar por esmola, nem pra pedir verbinha pra realizar sua pecinha. A gente só topa se for pra discutir política pública. Por isso a fala da atriz, diretora, dramaturga e militante da arte Dulce Muniz abriu dando as boas-vindas ao Secretário: “bem vindo, Secretário André Sturm, à luta pelas políticas de Estado para a Cultura”.

E estamos nessa luta há muito tempo. Construímos políticas estruturantes com o objetivo óbvio para que não possam ser desmontadas por qualquer governo de plantão. Estamos preparados para a luta desde sempre e sabemos claramente como “toca a valsa” nessas terras onde um governo faz e o outro desfaz… O que aconteceu na terça-feira no Centro Cultural foi a mobilização de uma categoria preocupada com o horizonte à frente e não com políticas imediatistas e midiáticas de gabinetes executivos.

O encontro começou tenso e o Secretário chegou a se irritar com os artistas que lotavam as galerias e solicitavam que se liberasse a entrada para mais gente na parte de baixo da sala, onde também já estavam ocupados todos os lugares; a plateia só silenciou quando um dos dirigentes da Cooperativa Paulista de Teatro solicitou aos companheiros que o fizessem a fim de que a pauta central do encontro fosse iniciada. O início já delimitou o campo de luta, já que foi imediatamente atendido.
Em seguida, o Secretário colocou os motivos do congelamento dos recursos da Cultura e o microfone foi aberto aos interessados, sendo o presidente da Cooperativa Paulista de Teatro o primeiro a falar e, em sua fala, trouxe o números aproximados da pasta de André Sturm.

“Lutamos intensamente na Câmara Municipal para que a pasta de Cultura tivesse mais do que os R$ 480 milhões propostos, naquele momento, pelo Executivo. Não conseguimos muito, mas conseguimos elevá-lo para R$ 518 milhões que foi o valor que conquistamos na Câmara, previsto em Lei Orçamentária. Na imprensa, no entanto, foi divulgado que a verba destinada à Cultura era de R$ 453 milhões, faltam, então, R$ 65 milhões que não sabemos exatamente onde estão, mas que constam no orçamento aprovado no Legislativo. A Secretaria tem um custo com funcionários de R$ 121 milhões e mais R$ 100 milhões, aproximadamente, para custos com vigilância, limpeza, internet, água, luz, etc. Portanto, a pasta opera com cerca de R$ 220 milhões. O que significa que, se houver um congelamento de 43,5% do orçamento, a verdade é que o Secretário tem mais ou menos R$ 255 milhões para trabalhar. Sendo que destes, R$ 220 milhões estão comprometidos para seu próprio custeio e o que resta para atividades e políticas públicas de cultura, são pouco mais de R$ 34 milhões. Isso significa dizer que este congelamento inviabiliza totalmente a pasta da Secretaria.
Exigimos, por respeito à cidade, aos artistas e aos movimentos culturais de toda São Paulo que  descongelem imediatamente os recursos da Cultura. Que se cumpra a legislação, uma vez que as políticas culturais estruturantes, que foram construídas na forma de lei e em diálogo com a cidade, os artistas e o parlamento sejam continuadas e nem sequer, em hipótese alguma, atrasadas.”

Em seguida falou o artista Pedro Granato presidente do Motin (Movimento de Teatro Independente):

“São Paulo é uma cidade plural, com diversos tipos de teatros sendo feito e o Fomento ao Teatro permitiu que tivesse teatros por toda cidade. Muitos teatros de São Paulo sobrevivem de maneira aguerrida, muitos abrem mão de receber algum salário para manter seu teatro. Quero dizer, o teatro é feito com paixão e o teatro existe em São Paulo como uma força potente culturalmente. Isso aconteceu também por uma parceria com o poder público. E dessa parceria, um processo histórico levou muitos dos artistas a ser nomes de prêmios, nomes de salas de teatro, participaram da inauguração de leis como o Prêmio Zé Renato, diversas leis e conquistas. E essas leis permitem uma função e fusão de poder público, estudiosos, críticos, pessoas ligadas às artes. São leis orgânicas conquistadas. A nossa preocupação é com o congelamento. A cultura não respira. E quando a gente congela, e por isso essa mobilização tão grande, colocamos em risco grupos, projetos sérios, pessoas podem perder emprego, teatros podem fechar. As ações que estão chegando para a gente não indicam o diálogo que a gente esperava. Mais de 40% de congelamento, pra gente, é um tiro no peito. Nosso maior interesse é um diálogo profundo com o poder público, mas o congelamento não é um diálogo.””

O secretário, aparentemente desconfortável, se comprometeu publicamente com a plateia presente, em lutar junto com a categoria pelo descongelamento integral da verba da cultura, assinando inclusive um documento entregue pelos artistas Dulce Muniz, Fernanda Azevedo e Luciano Carvalho.

“Afirmo meu compromisso com a Cultura de São Paulo, com quem está aqui hoje, majoritariamente do Teatro… mas com certeza gente da Dança, do Circo, da Periferia, enfim, Artes Cênicas é a mistura de tudo e nós vamos estar juntos”, declarou Sturm.

Em seguida, os artistas se retiraram e seguiram para uma assembleia no Teatro Heleny Guariba, onde começaram a tecer os caminhos e a sequência da luta.

Como tão bem foi dito pela companheira Dulce Muniz: a luta pela Cultura na cidade de São Paulo não pode ser dissociada da própria história da cidade, não pode ser dissociada da construção efetiva de uma identidade cultural paulistana, rica, diversa, liberta e libertária. Assim, as fazedoras e fazedores de teatro têm certeza e não arredamos pé: Cultura não se congela, Teatro não se fecha!

Assista a íntegra da reunião (via Cia Teatro Investigação):

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