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O casamento real e os impasses das esquerdas

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Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na UFBA, com charge de Leo

 

Hoje venho falar do evento do ano: o casamento real do príncipe Harry com a atriz norte-americana Megan Markle.

Não analiso os trajes de gala dos convivas, nem estou interessado nos quitutes.

Confesso, com alguma vergonha, que fiquei curioso e liguei a TV para ver a tal festa. É que toda a gente tava comentando. O buffet não me encheu os olhos. Gosto mesmo é de coxinha de frango e bolinha de queijo. Lembro que em algum momento da década de 1990, lá em Anchieta, o “cento” do salgado era 10 reais. Coisa boa, de qualidade, bem melhor do que aqueles biricuticos insossos e pálidos que foram servidos no Palácio de Kesington. A galera deve ter voltado pra casa com fome. Não vejo sentido em ir pra festa e voltar pra casa com fome.

Enfim, o que quero dizer é que meu interesse está menos no casamento em si do que nos esforços discursivos de sua legitimação. Aqui, neste ensaio, tomo o casamento real como pretexto para discutir aquele que me parece ser o grande impasse das esquerdas contemporâneas.

Mas como assim? O que a festa da realeza tem a ver com as esquerdas contemporâneas?

No século XXI, nesses tempos tão confusos, de fronteiras tão porosas, até a realeza é capaz de se apropriar de algumas agendas das esquerdas contemporâneas. Se algumas agendas das esquerdas estão sendo apropriadas pela realeza, símbolo máximo do atraso, é porque precisamos discutir com cuidado a natureza dessas agendas. É isso que tento fazer aqui.

“Feminista, negra, divorciada, mulher independente que rompendo com os protocolos da realeza britânica não jurou obediência ao marido”.

Foi mais ou menos com essas palavras que o departamento de marketing da realeza britânica (deve ter um departamento de marketing na realeza britânica) chamou a atenção do público para o casamento real. Não dá pra negar que a estratégia deu certo, pois aqui, nesse nosso lado do Atlântico, em um país arrasado por uma grave crise civilizatória, houve quem festejasse a “representatividade”, considerando-a uma vitória de movimentos sociais e coletivos identitários.

De forma alguma, quero desqualificar a importância das agendas políticas pautadas nas ideias de gênero e de raça. Quero apenas chamar atenção para o fato de que quando não estão associadas ao corte material que acompanha o velho e bom conceito de “classe social” essas pautas se tornam dóceis, algo conservadoras, a ponto de serem mobilizadas pela realeza, até mesmo pela realeza.

Sem a premissa da classe social, as agendas de gênero e raça funcionam como uma espécie de calça jeans ideológica, que combina com quase todo tipo de camisa, que serve a quase todo tipo de regime de poder.

Parece que em algum momento da segunda metade do século XX as esquerdas internacionais abandonaram, deliberadamente, o norte que as conduzia desde o final século XVIII, quando, no calor da Revolução Francesa, nasceu a “esquerda política”. Esse norte era dado pela convicção de que na modernidade burguesa a principal experiência de opressão é dada pela vulnerabilidade material, pela pobreza.

Ou em outras palavras: durante quase 200 anos, na percepção das esquerdas internacionais, para reivindicar o estatuto de oprimido carecia, antes de tudo, de ser pobre.

Essa convicção mudou, como já disse antes, na segunda metade do século XX, com os ecos de maio de 1968. Na verdade, as mudanças já estavam acontecendo desde meados da década de 1950, como resultado daquilo que já na época ficou conhecido como “processo de desestalinização”, marcado pelas denúncias dos crimes contra a humanidade cometidos pelo governo de Josef Stalin (1878-1953).

Com essa crise simbólica do socialismo real, instaurou-se um clima de desilusão e crítica entre a militância, que passou a tentar explorar outras possibilidades de luta. A rejeição ao autoritarismo da burocracia comunista se desdobrou nas críticas ao conceito marxista de classe social, considerado insuficiente para a compreensão das demandas específicas dos sujeitos oprimidos.

O “trabalhador”, categoria universal definida pelo lugar o ocupado pelos sujeitos no processo produtivo, deu lugar a formas mais particularizadas de experimentação da opressão.

 “Trabalhador”, então, deixou de ser a substância fundamental na agenda das esquerdas internacionais para se tornar um substantivo que precisa de complemento.

Qual trabalhador é mais oprimido? Qual é o gênero? A cor da sua pele?

Já na época, esse clima de renovação foi interpretado em duas perspectivas distintas e rivais entre si.

De um lado, estavam as lideranças mais velhas, que consideravam essas novas agendas como forças de desagregação e que, por isso, prestavam um desserviço ao projeto revolucionário.

Do outro lado, estavam as lideranças mais jovens, cuja formação política havia se dado sob a desestalinização. Essas novas lideranças estavam menos preocupadas com a utopia revolucinária do que com a emancipação das subjetividades que elas consideravam silenciadas pela ortodoxia marxista.

Essas novas lideranças não entendiam a “Classe Social” como uma meta-categoria universal, mas, sim, resultado de experiências concretas que envolviam não apenas o aspecto material da existência, mas também condições subjetivas, como gênero e raça.

Falar sobre a classe deixou de ser um exercício teórico e especializado para dar lugar à auto-manifestação, o que conferiu legitimidade analítica ao testemunho dos oprimidos. Temos aqui o embrião daquelas que me parecem ser as duas principais características das esquerdas contemporâneas: o anti-intelectualismo e o culto à noção de “lugar de fala”.

Na época, essas novas agendas tiveram conteúdo libertário profundo, na medida em que passaram a reivindicar não apenas a emancipação do trabalho, mas também a liberdade dos corpos, corpos de mulheres, de pretos e pretas e LGBTs.

Nesse cenário, raça e gênero cumpriam a função de adjetivo e especificavam a contundência da exploração. Trabalhadora era mais explorada que trabalhador. Trabalhador preto era mais oprimido que trabalhador branco. Trabalhador LGBT sofria mais que trabalhador heteronormativo.

Mesmo com toda a adjetivação, o substantivo era o mesmo, a experiência básica da exploração era dada pelo pertencimento ao mundo do trabalho, pela vulnerabilidade material, pela pobreza.

 Porém, algo aconteceu nos últimos 40 anos que parece ter emancipado a raça e o gênero, que hoje figuram como independentes da classe social.

Hoje, “ser mulher”, “ser preto ou preta” e “ser LGBT” se tornaram a substância elementar da exploração, o que coloca as esquerdas internacionais diante de um impasse.

O impasse pode ser resumido na seguinte questão:

Como as esquerdas se diferenciam, no nível das práticas políticas, das forças mais dinâmicas e progressistas do capital?

Mas como assim “forças dinâmicas e progressistas do capital”?

Para entender o argumento, é necessário diferenciar com cuidado os diversos regimes estruturais de opressão que constituem a vida contemporânea. Vejo, pelo menos, dois regimes distintos, que se combinam, mas que estão em claro processo de diferenciação:

  • Chamo aqui de “regime do atraso” as práticas de opressão ligadas ao patriarcado e fundadas no princípio da desigualdade natural entre as pessoas. Aqui estão o machismo, o racismo e a homofobia. Aqui está o bolsonarismo.

Nesse regime de opressão, mulheres, pessoas pretas e LGBTS serão sempre inferiores, mesmo que sejam ricos.

Se uma atriz preta rica é barrada numa loja de grife, se um empresário preto rico é mal atendido no restaurante é porque esse regime do atraso ainda não foi plenamente superado. A força dessas práticas de opressão de tipo antigo é especialmente grande em um país como o Brasil. Porém, não me parece que no concerto geral do capitalismo internacional essas práticas sejam as mais poderosas e influentes. Acredito mesmo que elas estejam em processo de superação.

É claro que esse processo de superação tem ritmos distintos que variam de país para país. Na Alemanha, na França ou no Chile esse ritmo parece estar mais adiantado. No Brasil, mais atrasado. Entretanto, nas duas margens do Atlântico está em marcha o derretimento do patriarcado, um derretimento que vem sendo pautado pelo próprio capital.

Até que ponto a superação do patriarcado pelo capital deve ser objeto de comemoração é um debate muito difícil de ser feito, muito difícil mesmo.

Mas que capital que mostra tanto empenho na superação do patriarcado?

  • Chamo de “capitalismo clean” as novas práticas de opressão que negam o princípio da desigualdade natural entre as pessoas. No Brasil, a grade de programação da Globo News traduz, com precisão, o projeto dessa “nova direita”, uma direita leve que rejeita o bolsonarismo com veemência.

O bolsonarismo tensiona o sistema, tensiona com mulheres, com pretos e pretas, com LGBTs. O capitalismo clean, leve, quer restringir as tensões ao mínimo possível, apenas ao que não é possível negociar.

Para essa nova direita, que tanto esforço faz para se diferenciar do bolsonarismo, o que importa é a igualdade natural, a igualdade como ponto de partida. A igualdade como horizonte, como ponto de chegada, é o ideal da utopia comunista, é algo indesejável para o capitalismo leve.

Para essa nova direita, as pessoas são naturalmente iguais, sendo as desigualdades sociais interpretadas como o resultado do empenho, do trabalho e do mérito. Logo, cartão de crédito de preto rico, de mulher rica e de LGBT rico vale tanto quanto o cartão de crédito de branco rico.

O capitalismo clean quer acolher o preto rico que sofre racismo, a mulher rica vítima de machismo, o LGBT rico que é alvo da homofobia. O capitalismo clean é elástico o bastante para se apropriar das agendas de gênero e raça, desde que elas sejam independentes de qualquer projeto de igualdade social.

Se forem independentes de um projeto amplo de igualdade social que mire na distribuição riqueza, as agendas do gênero e da raça são dóceis e perfeitamente compatíveis com os interesses das forças mais dinâmicas e poderosas do capital.

No capitalismo clean até a realeza britânica tenta levar a vida na leveza e laureia mulher preta rica com título de nobreza.

Pra radicalizar na crítica ao capital, é necessário começar a luta pelo recorte da classe social.

É necessário começar na classe, mas não pode acabar na classe, pois aí o risco seria não enxergar algo que é tão óbvio como a existência do sol: pior que ser pobre, é ser pobre preto e preta, é ser pobre LGBT.

Óbvio, óbvio mesmo é que o capitalismo clean é sedutor, pois permite que, você, leitor e leitora, seja quem quiser ser. Só não seja pobre, pois aí você está “lenhad@”, como se costuma dizer aqui na Bahia.

 

 

 

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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