Raça e classe na montagem Gota D’água Preta

Fotos: Sato do Brasil

A direção da peça é de Jé Oliveira, um dos atores da releitura do espetáculo Gota d’Água (1975), escrito por Chico Buarque e Paulo Pontes com base na Medeia de Eurípides (ca. 480-406 a.C.).

Mesmo com base na tragédia grega, a obra aborda raça e de classe, com intervenções conectadas com o momento atual do Brasil: tempo político de crescente retrocesso, onde declarações e atitudes do presidente Jair Bolsonaro legitimam uma parcela da população a praticarem atos racistas, violências de diversos tipos contra pessoas pobres e sobretudo, a banalizarem atitdes completamente virulentas e antidemocráticas.

No palco, a bela cantora Juçara Marçal, dona de uma das vozes mais perfeitas da atual música brasileira e que integra também o projeto Metá Metá entre outros trabalhos,  interpreta Joana, uma mulher que está prestes a ser despejada do cortiço em que mora com seus dois filhos. O conflito se intensifica se torna dramático quando Jasão (Oliveira), seu companheiro, a abandona para ficar justamente com a filha do poderoso Creonte (Rodrigo Mercadante), proprietário da moradia.

Eu e o repórter Sato do Brasil, assistimos a apresentação numa das temporadas da peça, que aconteceu no primeiro semestre deste ano, no Itaú Cultural.

Hoje o espetáculo tem única apresentação no Teatro Municipal, local simbólico e de extrema importância histórica para o movimento negro, pois foi ali, depois de mais um caso de racismo e tortura a um jovem negro, em 1978, que foi fundado o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial. Leia abaixo, o texto do portal Gelédes, escrito pelo fundado do MNU, o Milton Barbosa, o Miltão do MNU para conhecer os detalhes desse momento histórico da luta contra o racismo estrutural.

 

Miltão do MNU: Um pouco de História não oficial

O repórter Sato do Brasil, dos Jornalistas Livres, escreveu um breve relato, de olhar quente, artístico, porque atua no meio cultural e da arte, logo depois de terminado o espetáculo. Compilei aqui alguns trechos, tentando implementar uma edição mais fiel possível a emoção de meu amigo. Leia:

“Comecei lembrando do Itamar Assumpção, quando lançou o LP Pretobrás, a canção título tinha a frase: – Por que eu não pensei nisso antes? Observei a peça. Pensei sobre a versão do texto criado por Chico Buarque e Paulo Pontes. Emociona ver os personagens negros, periféricos e favelados e hoje, pela primeira vez, a Gota d’água faz jus aos personagens criados. Todos negros.

Ainda assim é preciso colocar a rubrica: GOTA D’ÁGUA PRETA.

POR QUE NÃO PENSAMOS NISSO ANTES? Por que não discutimos o racismo antes? Por que não discutimos o racismo incorporado no ideário do povo brasileiro antes? 
E por que não pensamos? Racismo policial, democracia racial, arquitetura da exclusão, essas paradas.
E tem luta de classes, machismo, mães que criam seus filhos sozinhas.
Por exemplo: o personagem Egeu, mestre Griô, o que clareia as ideias desse racismo estrutural, é feito por Salloma Salomão, que não é ator, é professor de História. Quantos professores negros de história você teve ou conheceu nas escolas em que estudou?
O cenário é um terreiro, uma gira, uma roda de capoeira. E a intolerância religiosa? Por que Gota d’água teve poucas versões? Cinco grandes montagens dignos de nota num ensaio de mestrado sobre a peça. É muito pouco! 
E o personagem branco, o Creonte, típico político populista, que hoje vemos claramente ligados às milícias, dentro das engrenagens do poder.”
Sato do Brasil, São Paulo, maio de 2019
Hoje a peça volta aos palcos.
Assim como em outras temporadas do espetáculo, os ingressos estão esgotados, mas há uma fila de espera e você pode ir até lá para tentar assistir, entender e sentir com seu coração e consciência, a urgência do tema. Ingressos esgotados são um ótimo sinal, não só de audiência pelo entretenimento, mas um sinal de que cresce o número de pessoas interessadas no entrelaçamento com o tema do combate ao racismo estrutural e os disparates dos tempos atuais.
Serviço:

Teatro no Municipal

Gota D´Água {Preta}
Chico Buarque e Paulo Pontes, texto e dramaturgia
Jé Oliveira, direção geral, concepção e idealização
Elenco
Aysha Nascimento, Ícaro Rodrigues, Jé Oliveira, Juçara Marçal, Marina Esteves, Martinha Soares, Mateus Sousa, Rodrigo Mercadante e Sérgio Pires
Banda
DJ Tano (pickups e bases), Fernando Alabê (percussão), Gabriel Longhitano (guitarra, violão, cavaco e voz) e Suka Figueiredo (sax)
Éder Lopes, assistência de direção e figurino
Jé Oliveira e William Guedes, direção musical
William Guedes, preparação vocal
Jé Oliveira, concepção musical e seleção de citações
Julio Dojcsar, cenário
Murilo Thaveira, artista gráfico
Camilo Bonfanti, light design e operação de luz
Janaína Grasso, produção executiva
Produção Gira pro Sol Produções
Classificação etária: 14 anos
Duração: 3 horas e 40 minutos, com 1 intervalo de 20 minutos
Ingressos: R$ 5, mas estão esgotados, pode haver fila de espera em caso de desistências.
Programação sujeita a alteração.
 

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