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Bahia

O Ataque na virada do ano

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Por Tatiana Scalco, do Ciranda, para os Jornalistas Livres

O Ataque na virada do ano

Área desmatada sem autorização, Aldeia Dois Irmãos, Prado-BA, Acervo TI Comexatibá

Na noite da virada de 2020 (31/01/2019), indivíduos ligados ao proprietário do Sítio Coqueiral, vizinho da aldeia Dois Irmãos, conhecido como Vinícius, invadiram o Território Indígena Comexatibá. O ataque ocorreu com invasão do TI Comexatibá e derrubada de cerca e porteira de arame da Aldeia Dois Irmãos. 

caminho aberto e desmatado “sem autorização” dentro do TI Comexatibá – Aldeia Dois Irmãos – Prado BA | acervo TI Comexatibá

Estrada de acesso à Aldeia, com porteira derrubada acervo Aldeia Dois Irmãos – TI Comexatibá-BA

Em seguida, máquinas avançaram no Território Indígena, abrindo caminho até a praia, desmatando a vegetação nativa. Como comemoração, indivíduos atiraram 15 vezes e comemoraram na beira da praia, após os fogos do Réveillon. Testemunhas do fato estão com muito medo, bastante assustados. A cacica Maria, líder da aldeia Dois Irmãos, fez Boletim de Ocorrência denunciando o fato. 

Google – localização da Aldeia Dois Irmãos

O Parque do Descobrimento e o TI Comexatibá

O TI Comexatibá tem áreas em sobreposição com o Parque Nacional do Descobrimento. Depois de muitas tratativas foi feito Termo de Compromisso entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e as comunidades indígenas Pataxó. A Procuradoria Geral da República (PGR) publicou em 25/05/2018 a Nota Técnica nº 4/2018-6CCR que trata do assunto. 

A terra indígena Comexatibá (Cahy-Pequi) teve seu laudo antropológico/Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) publicado no Diário Oficial da União em 27 de julho de 2015, comprovando a posse tradicional dos Pataxó na região do distrito de Cumuruxatiba, Prado/BA. Nela estão localizadas nove aldeias.

As denúncias apresentadas pelos indígenas no TI Comexatibá, Prado-BA, estão neste link.

 

Repercussões das denúncias apresentadas pelos indígenas 

Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da AlBA

A Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia (ALBA), por meio de sua presidenta – deputada estadual Neusa Cadore – declarou que “nos solidarizamos com as comunidades indígenas que têm sofrido ainda mais nestes tempos tão difíceis para a democracia e para os Direitos Humanos. As denúncias são preocupantes e precisam ser apuradas também pela Corregedoria da Polícia Militar e pela Secretária de Segurança Pública. Vamos encaminhar essas informações e nos colocamos à disposição das lideranças indígenas para que os seus direitos sejam garantidos”. 

Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia

A secretária de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS) da Bahia destacou em nota que acompanha a situação e que “em situações mais críticas e urgentes (como esta), que ganham por isso preponderância sobre as demais” E então, “o Gabinete do Secretário atua diretamente, com vistas a garantir os Direitos Humanos dos Povos Indígenas da Bahia”. Ressaltando também que “reafirma o compromisso do Governo do Estado da Bahia com a promoção, defesa e garantia dos direitos dos povos indígenas da Bahia. No caso específico da Terra Indígena Comexatibá, há laudo antropológico da FUNAI (RCID – Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena), devidamente publicado em Diário Oficial da União, comprovando a posse tradicional indígena na região e atraindo a incidência dos artigos 231 da Constituição Federal e 291 da Constituição Estadual, os quais devem ser respeitados por todos” 

 

Secretária de Comunicação da Bahia

A Secretária de Comunicação (SECOM) da Bahia respondendo pela Casa Militar, informou que “a ação da Polícia Militar na região em questão está focada em garantir a ordem, tranquilidade e a segurança da comunidade, com policiamento ostensivo.

Não existe indicação ação da Casa Militar para reintegração de posse. Se houvesse algum processo de reintegração de posse, ele seria deflagrado pela Justiça Federal e executado pela Polícia Federal, que poderia, neste caso solicitar apoio da Casa Militar. Mas não foi demandada nenhuma ação neste sentido”.

A Polícia Militar da Bahia foi consultada pela reportagem, mas até o fechamento da matéria não havia respondido as questões apresentadas.

NOTA AO BAHIA CIRANDA 26.12.2019

O acompanhamento da situação é feito pela Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia, por meio da Coordenação de Programas de Proteção (uma vez que há caciques e lideranças do território inclusos no PPDDH – Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos) e da Coordenação de Políticas para Povos Indígenas, ambas integrantes da Superintendência de Apoio e Defesa aos Direitos Humanos.

Em situações mais críticas e urgentes, que ganham por isso preponderância sobre as demais, o Gabinete do Secretário atua diretamente, com vistas a garantir os Direitos Humanos dos Povos Indígenas da Bahia.

Na semana passada, dadas a relevância e urgência da situação, o Gabinete do Secretário Carlos Martins convocou uma reunião de urgência com a Casa Militar e com a Secretaria de Segurança Pública. Nesta reunião, estiveram também presentes as lideranças e caciques, além de representantes da equipe do PPDDH, que fizeram relatos de suas denúncias para as autoridades civis, policiais e militares presentes.

Após a reunião, conforme solicitado pela SJDHDS, a Polícia Militar expediu ordem para aumentar o policiamento na região, bem como instaurou-se sindicância para averiguar supostos desvios de função perpetrados, em tese, por policiais militares.

A SJDHDS reafirma o compromisso do Governo do Estado da Bahia com a promoção, defesa e garantia dos direitos dos povos indígenas da Bahia. No caso específico da Terra Indígena Comexatibá, há laudo antropológico da FUNAI (RCID – Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena), devidamente publicado em Diário Oficial da União, comprovando a posse tradicional indígena na região e atraindo a incidência dos artigos 231 da Constituição Federal e 291 da Constituição Estadual, os quais devem ser respeitados por todos.

SJDHDS – Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social 3a Avenida, Plataforma 4, no 390, 1o andar, CAB – Salvador – Bahia.

#EleNão

Nota da torcida organizada Bahia Antifascista contra Bolsonaro

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No dia em que, infelizmente, o Brasil confirmou mais de 10 mil mortes e 155.939 casos de Coronavírus e a Bahia registrou 196 mortes e 5.174 casos confirmados, Bolsonaro passeia de Jet Ski em mais um episódio lamentável de desrespeito a vida.
Nos chamou a atenção, o fato dele, inoportunamente, utilizar a camisa do Esporte Clube Bahia durante o passeio da morte.

É comum ver o protofascista do Bolsonaro vestir diversas camisas de clubes populares. Ele já havia vestido a camisa do Esquadrão durante a sua última visita a Bahia.

Não podemos deixar de registrar o nosso repúdio quando o oportunismo se faz presente com Bolsonaro vestindo o nosso manto sagrado em um ato de desrespeito a memória dos mais de 10 mil brasileiros e brasileiras que perderam as suas vidas, d@s profissionais da saúde que lutam contra a pandemia do Covid19 e dos milhões de homens e mulheres que sofrem com os descasos do governo federal com o povo.

Bolsonaro representa tudo que o Esporte Clube Bahia e a sua torcida repudia com veemência. Ele reverencia a ditadura, enquanto o Bahia e a sua Torcida lutaram e lutam pela democracia. Ele reverencia o racismo, o machismo e a homofobia, enquanto o Bahia e a sua Torcida são exemplos internacionais de combate a todas as formas de opressão.

Bolsonaro tem lado e não é o da defesa da vida do povo. Nós tricolores temos lado e estamos somando esforços para que o nosso povo sobreviva a essa Pandemia realizando atos de solidariedade de classe nesse momento tão difícil.

Nosso povo é de resistência e luta e por tudo isso, a Torcida Bahia Antifascista registra o mais profundo repúdio ao fato dele vestir nossas cores.

Bolsonaro não é digno de vestir o manto do clube do povo!

Fora Bolsonaro e Mourão!

Torcida Bahia Antifascista

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Arte

ELISA LUCINDA: TOCA, MORAES MOREIRA! TOCA MAIS!

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Elisa Lucinda
Elisa Lucinda e Moraes Moreira: Ando por aí querendo te encontrar. Em cada esquina paro em cada olhar. Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar

Elisa Lucinda e Moraes Moreira: Ando por aí querendo te encontrar. Em cada esquina paro em cada olhar. Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar – Foto: @elena_moccagatta_fotografia

Enquanto escrevo, meu vizinho bota pra tocar bem alto “Deixa eu penetrar na sua onda“, e o Brasil todo, nas rádios, nas casas dos milhares de fãs confinados e em tudo, só toca Moraes Moreira. O poeta, mestre, instrumentista e referência, é síntese da utopia de vida vivida pelos novos baianos. Só tinha fera ali: Pepeu Gomes, Baby Consuelo, Galvão, Paulinho Boca de Cantor. Todo mundo muuuuuuito competente e arrasador. Sem desprezar ninguém, pelo contrário, reconhecendo ouro em todos, Moraes ficou sendo o símbolo daquilo tudo pra mim. Quem da minha geração não queria morar lá? Era uma espécie de quilombo urbano, rural. Aquilo era Jacarepaguá e podia ser também Bahia, porque era também magia. Era o sonho da nossa juventude sendo provado na prática. Moravam todos ali, num esquema livre, sem nenhum dos dogmas asfixiantes da vida aqui de fora, na hora em que a nação sofria na mão da ditadura militar.

Aquela gente peculiar encarnava tamanha irreverência que beirava ao ingênuo, ao naïf, ao infantil quase. Nem a ditadura farejou, que eu saiba, o potencial de liberdade daquele Acabou Chorare, e dos Novos baianos FC. “Abelha abelhinha, faz zum zum pra mim”? O que havia por trás do Besta é tu, e do romântico hino Preta, pretinha?

É que enquanto corria a barca nós íamos tentando respirar debaixo daquela mão pesada do sistema opressor, que se voltava violentamente contra o pensamento, contra a arte, contra a liberdade do mundo. Mas aquela turma nos oferecia alegria, dentro dos anos de chumbo, e a alegria, apesar de subversiva, passava entre os bélicos apenas vestida de alegria. Inatacável. Imune.

 

O lugar daquele iluminado bando musical e divertido era quase ficção. Os novos baianos moravam era em Pasárgada, de Manuel Bandeira. Era um país, eu queria ir pra lá, se pudesse. Era uma utopia possível, o amor é que era aquele país. João Gilberto cabia lá, na língua dele.

Nossa juventude universitária maconheira, via um cachimbo imenso naquele cotidiano, naquelas crianças como se vivessem igual nas tribos, tendo pais e mães compartilhados. Eu morava em Vitória do Espírito Santo, era menina ainda e já amava o grupo. Tudo o que sabíamos daqueles “hippies” vivendo em comunidade é que pai e mãe não faltavam ali, e que o amor estava intacto na sua essência: livre. Hoje percebo o quanto meu imaginário está nutrido dessa referência.

Muito mais tarde, aqui no Rio quando conheci o mito (deste podemos falar assim sem medo), foi muito divertido e poético, como nunca deixaram de ser sempre, a partir dali, os nossos encontros e conversas. Estava fazendo o Parem de Falar Mal da Rotina, no teatro Leblon, quando de repente, numa cena em que canto uma canção e ofereço um brinde, um livro, ou uma bolsa, pra alguém da plateia que adivinha o nome autor do que eu cantei, ocorreu uma coisa curiosíssima: cantei Palavras, eternizada na voz da Cássia Eller (êta, céu ou inferno animados), e esperava a resposta da plateia que errava tentando acertar. Nada. Pois no teatro lotado, sem que eu pudesse ver com clareza, reconheço uma voz que se levanta e diz: “Eu sei, Moraes Moreira e Marisa Monte”!!!! Era o próprio. E era a primeira vez, e única, que o próprio autor estava na plateia e adivinhava o jogo. Foi emocionante, o público delirou, achou até que era combinado. Estreitamos uma amizade que, embora ali se inaugurasse, parecia continuada. Sempre parecemos velhos amigos. Trago dele muitas histórias. Era um griot. Homem simples e sofisticado de tanta grandeza no coração. Fez um poema pra nós, eu e Geovana Pires, quando assistiu ao Recital à Brasileira, convocando o Congresso Nacional a assisti-la. Quando leu a minha autobiografia do Fernando Pessoa (“O cavaleiro de nada”), me ligou, leitor envolvido, emocionado, inquieto e muito sensível: não quero que termine, não quero que acabe o livro, faltam só duas páginas…. e ao mesmo tempo protestou quanto à má distribuição da literatura no Brasil.

É chato falar essas coisas aqui, fica parecendo ostentação. Claro que dá orgulho e é mesmo uma sorte poder ficar amiga de quem se admira tanto. Mas quero pontuar aqui a dimensão humana desse poeta, habitante da poesia dos nossos dias, que levou caminhões e caminhões de alegria pelo Brasil. Quero compartilhá-lo com todos. Muito do que escrevi e escrevo foi semeado em mim pelas criações deste cara genial. A arte independente e popular de Moraes Moreira referenciou minha geração e atravessou séculos. Me influenciou. Seu som é trilha de minha vida. Meu filho escuta. Meus sobrinhos, alunos e amigos. Quem é adolescente hoje também escuta. A galera escuta, dança, canta e come com prazer o alimento da arte deste cordelista atemporal que deixou um poema no seu computador de nome Quarentena. O último. No primeiro verso dizia ter medo do vírus mas também de bala perdida. O Brasil dos olhos de Moraes iluminou o Brasil real. Acrescentou. É um Brasil lúdico, mágico e, potencialmente revolucionário! Moraes, na sua ousadia e sua execução no violão, nos recursos de sua melodia, autorizou vários compositores e reluz entre nós sua brilhante e digníssima carreira. Desde que tocou pela primeira vez no rádio, nunca mais parou de tocar. “Escute esta canção que é pra tocar no rádio, no rádio do teu coração”. Nunca deixou de haver esse novo baiano com seu bigode marcante, tocando na nossa garoa, à beira do rio amazonas, no calor do Circo Voador, numa cidadezinha mineira, numa neve na fronteira, ou seja lá onde for.

Nunca mais

Quando Ronald Valle, músico e amigo querido, me enviou nesta manhã de abril um áudio afirmando e duvidando da notícia, rezei para que fosse fake news. Respondi: Para! Mas ali era a verdade nua e crua batendo na minha cara. Escavei. Chorei feito criança. Nunca mais falaria com ele? Estava na minha lista de providências afetivas ligar para ele nesta quarentena, para ler um poema do livro novo que quase saiu do livro, por que um outro amigo  — Claudio Valente — achou que estava meio fraquinho. E estava mesmo. Ajeitei. Ganhou mais ritmo, eu penso. E como o poeminha citava Moraes, combinei comigo de ligar pra ler. Nunca pensei que não fosse dar tempo. Nunca a palavra morte passara antes, à beira desse cara, desse cais. Ainda bem que as novas gerações o consomem. Ainda bem que a sua arte alegre, sua criativíssima alegria dançante e romântica estão gravadas em várias mídias e deixaram muitos herdeiros e descendentes.

Muito triste é que não possamos agora, no presencial, nos despedir. Quem não quereria cantar seus sucessos em volta do mestre ídolo na cerimônia de despedida? Mas tenho certeza de que o grande cortejo da sua partida, em vários lugares deste país, está cantando preta pretinha, ou qualquer um dos seus maravilhosos hinos gravados nas plataformas dos nossos corações. Porque não podemos nos aglomerar agora. Nem pra beijar pela última vez os nossos mortos.

Porém, nesse momento em que estamos isolados, temendo o invisível, nesse momento em que nos preparamos para o novo mundo, é difícil não lembrar das palavras dele: “e pra ter outro mundo, é preci-necessário viver. Viver contanto em qualquer coisa. Olha só, olha o sol. O Maraca domingo. O perigo na rua…”. Para entrarmos no novo mundo que se impõe à nossa vida, espero que o produzamos, pra deixarmos este mundo em que estávamos vivendo, tão longe do que postulava o “país” dos jovens baianos e a cabeça deste artista que aqui homenageio, vamos mesmo precisar de suas palavras, meu amigo querido, para pilotar os novos tempos. Sua alegria desobediente e original nunca foi tão revestida da palavra resistência como agora.

Neste fevereiro, Moraes me deixou um recado bonito, pontuando que eu estava sempre fazendo sarau de aniversário nas datas em que ele estava fazendo shows, inúmeros, pelo Brasil. Sem tua voz não tem festa, Moraes! Ofereço à riqueza de sua memória toda nossa gratidão por deixares no mundo sua imperecível alegria. O hoje e o sempre te ouvirão e não te esquecerão jamais. Eu quero mais! Toca, Moraes! Toca mais!

 

Coluna Cercadinho de  palavras, Elisa Lucinda, outro abril despedaçado, 2020

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Bahia

Em meio à pandemia, um retrato da miséria no interior da Bahia

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interior da bahia

* Por Afonso Ribas e Carmen Carvalho, especial para o Jornalistas Livres

A aproximadamente 10 metros da Base Comunitária de Segurança do bairro Nova Cidade, em Vitória da Conquista, na região Sudoeste da Bahia, fica a residência de Bruna Jesus Santos, 26 anos. Quem nos levou até ela foi o pequeno Carlos Henrique*, 11, um de seus cinco filhos. O encontramos por volta das 12 horas da última terça-feira, 14, na rua, onde seguia para casa de pés descalços no chão de asfalto, junto com a sua prima Jéssica*, 10.

Em dias normais nesse horário, os dois estariam deixando a Escola Municipal Antônio Helder Thomaz, onde estudam. As aulas, contudo, foram suspensas desde o dia 18 de março, por conta da pandemia do novo coronavírus. O decreto de suspensão havia sido publicado dois dias antes, mas Bruna conta que a família só ficou sabendo da informação quando as crianças se depararam com um aviso colocado na entrada da instituição, no dia 17.

No casebre de três cômodos onde vive com os filhos e o marido, ninguém tem celular, muito menos acesso à internet. Bruna nos recebe com um ar de estranheza e curiosidade. Também demonstra vergonha, mas nos convida a entrar, enquanto segura no colo o caçula, de apenas dois anos. Uma pequena área repleta de móveis e eletrodomésticos quebrados separa o portão de entrada da porta da sala. Esta tem seu espaço preenchido por dois sofás velhos, um tapete e um rack com uma televisão analógica.

Base Comunitária de Segurança do Nova Cidade, bairro onde moram Bruna e sua família. Foto: Afonso Ribas.

O cômodo pintado com as cores azul e rosa parece se encolher com a nossa chegada. Além de Bruna e seus cinco filhos, dividimos o ambiente ainda com outras duas crianças, ambas suas sobrinhas. O relógio indica que é horário de almoço, mas não há barulho, cheiro nem qualquer outro sinal de panela no fogo ou de comida pronta. A mesma situação, descobriríamos pouco tempo depois, se repete na casa da sua irmã, Joilma Jesus dos Santos, 32, e da sua prima, Marina Rodrigues dos Santos, 29.

Todas elas estão cadastradas no Programa Bolsa Família, que concede um auxílio financeiro à população do país em situação de vulnerabilidade e miséria. O valor recebido por cada família depende do número de filhos e da presença deles na escola. Das mais de 13,9 milhões de famílias brasileiras atendidas pelo programa, quase 19,5 mil moram em Vitória da Conquista. Dentre essas, 94,6% tem a mulher como principal responsável familiar.

Contudo, somente Bruna faz parte das mais de 68 mil pessoas diretamente beneficiadas pelo PBF na cidade, número que corresponde a 20% da população total do município, que é de 338.480 habitantes. As demais, Joilma e Marina, integram um grupo pequeno de 46 pessoas que estão com o auxílio bloqueado e que, por isso, não viram sequer um centavo dos mais de 3,5 milhões de reais que foram repassados em março pelo governo federal.

O dinheiro que conseguem para sobreviver vem de doações feitas por familiares e, principalmente, pessoas na rua. Com o isolamento social decorrente da pandemia da covid-19, a renda que advém dessas doações tem sido quase inexistente. Por conta disso, a condição de extrema pobreza em que vivem se agravou e a fome, situação já conhecida nas casas vez ou outra, passou a ser permanente.

Apesar de ser a única a receber o Bolsa Família no valor de 386 reais – que passará, inclusive, para a casa dos 600 com a liberação do Auxílio Emergencial pelo Governo Federal – Bruna diz que o dinheiro é insuficiente para sustentar toda a família e também conta com a bondade de outras pessoas para conseguir colocar comida na mesa para os seus filhos, algo que tem sido cada vez mais difícil. A última ajuda que obteve foi uma cesta básica doada pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) do município.

Segundo ela, a merenda escolar faz falta para as crianças. “Eu só vou pra escola pra comer”, diz Carlos Henrique*, interrompendo a conversa. O assunto desperta atenção dos demais, que começam a nos contar o que, geralmente, costumam comer nos intervalos das aulas. O cardápio, de acordo com eles, inclui farofa, macarrão, pão com manteiga, arroz com ovo, frutas, entre outros alimentos. “Tem vez que só dão pra gente um copo de suco com três bolachas”, relata Rafaela*, a filha mais velha de Bruna.

É Rafaela que, após o fim da nossa conversa na casa de Bruna, nos leva até a residência de Marina, localizada apenas a alguns metros mais adiante. A encontramos sentada na calçada, junto com alguns amigos e parentes. Ao falarmos da reportagem, prontamente ela aceita conceder uma entrevista.

Mãe solteira, Marina mora com seus quatro filhos. Dois deles também estudam na Escola Antônio Helder Thomaz, assim como três dos filhos de Bruna. A mais velha estuda no Colégio Estadual Carlos Santana. Já o filho caçula, de apenas dois anos, aguarda uma vaga no Centro Municipal de Educação Infantil Pablo Pithon, inaugurado no fim de outubro do ano passado.

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Marina acompanhada de parentes e amigos, na frente de casa. Foto: Afonso Ribas.

“A gente já bota na escola mesmo porque tem hora que a gente não tem um café, né, pra dar um pão. E aí na escola pelo menos eles têm uma alimentação”, contou. Essa alimentação, porém, deixou de existir para os seus filhos desde o dia 18 de março, após a suspensão das aulas no município.

Repasses do Governo Federal

Entretanto, os repasses feitos pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) à Prefeitura de Conquista não cessaram durante esse período. Dados disponíveis no site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação mostram que o município recebeu mais de 1,3 milhão do Programa entre fevereiro e abril deste ano (ver tabela abaixo). Mas somente, nesta quarta-feira (15/04), a Prefeitura deu início à distribuição de kits de alimentação na Rede Municipal de Ensino, em cumprimento à Lei Federal n° 13.987/2020.

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Sancionada no dia 7 de abril pelo presidente Jair Bolsonaro, essa normativa autorizou a distribuição imediata de alimentos adquiridos com recursos do PNAE aos pais ou responsáveis dos estudantes matriculados nas escolas públicas da educação básica. A Lei deverá vigorar enquanto durar o período de suspensão das aulas em razão da pandemia do coronavírus.

Cidades como Salvador já haviam começado a fazer a distribuição de cestas básicas nas escolas municipais desde o dia 23 de março. Em Conquista, os kits começaram a ser entregues nas instituições do bairro Nossa Senhora Aparecida, na zona oeste do município. Enquanto eles não chegam até as mãos de Marina, ela conta com a solidariedade de outras pessoas. “É Deus que está me ajudando e uma mulher dona de um supermercado aqui próximo que me dá uma feirinha todo mês”, conta.

Ela diz ainda que a Base Comunitária do Nova Cidade também tem ajudado sua família. “Não vou mentir que eu estava sem as coisas aqui dentro de casa, sem um feijão e um açúcar, aí as meninas lá da Base que me conhecem me deram uma cesta básica. Mas agora mesmo meu menino pequeno já tá sem leite”, ressaltou.

O pouco dinheiro que ganhava vinha do seu trabalho informal como cabeleireira. “Escovo o cabelo e dou progressiva em casa. Às vezes, eu recebo dez, cinco, vinte reais. Mas, agora, eu não tenho nem pra comprar o material, aí não tem como trabalhar”, concluiu.

Desemprego

A situação de sua prima, Joilma, também é delicada. Além de estar desempregada, também está à espera do quinto filho. Sua gestação já dura três meses, mas a alimentação escassa que mantém passa longe daquela que seria necessária para uma mulher grávida. Ela se mostra disposta a contar sua história antes mesmo de pedirmos uma entrevista.

Diferentemente de Bruna e Marina, Joilma mora no bairro Panorama, que fica acima do Nova Cidade. Lá, divide uma pequena casa com os quatro filhos e o atual companheiro, pai do bebê que está por vir. Estudou até a quinta série. Deixou a escola assim que ficou grávida do primogênito, hoje com 15 anos. A chegada dos filhos a fez ainda largar seu emprego como diarista.

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Marina e seu filho mais novo, de dois anos. Foto: Afonso Ribas.

Seu companheiro também está desempregado. Pouco antes do início da crise do coronavírus, fez uma seleção para uma vaga na DASS Outlet. Chegou a fazer o exame de admissão da empresa, mas a pandemia veio e acabou com a sua oportunidade de deixar de viver de bicos como ajudante de pedreiro.

miséria no interior da bahia

Grávida de três meses e mãe de outros quatro filhos, Joilma aguarda Auxílio Emergencial do Governo para sobreviver durante a pandemia. Foto: Afonso Ribas.

Cheios de dívidas, Joilma e o marido têm vivido da ajuda alheia, tal qual Marina e Bruna. “Vai pra rua eu e mais algumas crianças. Chega lá, eu conto minha situação, falo que eu estou precisando, que eu não estou podendo trabalhar, aí eles vão lá e ajuda como pode”, explicou ela.

Com o isolamento, ela espera agora pelo Auxílio Emergencial prometido pelo Governo Federal. Mas a previsão é de que ela receba o benefício somente no dia 30 deste mês. “Daqui até lá, só Deus sabe o que vai acontecer”, lamentou.

 

*Nomes alterados para preservar a identidade das crianças.

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