O ano em música: Os 20 melhores álbuns de 2018

Da esquerda para a direita: Luiza Lian, Blood Orange e Janelle Monáe

Música é um lugar para onde fugir, sem dúvida nenhuma, mas é também um lugar para refletir. Na década de 2010, essa dicotomia se tornou ainda mais afiada conforme as turbulências políticas se agravaram em todo o mundo, inclusive no Brasil. A música sempre foi instrumento de protesto, por seu apelo com a geração de jovens que segura em suas mãos o poder do futuro da nossa sociedade, seja ele qual for.

Em 2018, a música falou a esses jovens sobre união. Este é o tema que perpassa muitos, senão todos, os selecionados desta humilde lista de melhores álbuns do ano. São composições positivas, mas ditadas por clareza de visão – não fogem da realidade, mas buscam moldá-la ao incentivar um espírito de união e superação das piores tendências humanas e geracionais.

A lista, é claro, reflete só o gosto pessoal e o leque de gêneros que eu ouço. Ela não se pretende nada mais do que isso, e não é um ranking definitivo, porque nenhum, por nenhum crítico ou equipe de críticos, pode ser. Leve-a como uma lista de 20 indicações musicais, e talvez você até goste de algumas.

Menções honrosas: Troye Sivan e seu “Bloom” mostraram que 2018 foi o ano em que o pop abriu os braços para artistas LGBTQ+ francos sobre sua sexualidade; Jessie J retornou potente e provando que sabe passear por gêneros na coleção de quatro EPs “R.O.S.E.”; e o Years & Years se mostrou energético, vívido e inteligente em seus conceitos com “Palo Santo”.

20. The Internet, “Hive Mind”

A informalidade e o rigor artístico coexistem na música do The Internet, que alcança o raro feito de impor naturalidade a melodias estruturadas com todo o conhecimento de causa de grandes músicos. O resultado é uma mistura deliciosa de hip hop e outras correntes da música negra americana, que produz pérolas positivas e divertidas como “Stay the Night” e “It Gets Better (With Time)”.

19. Metric, “Art of Doubt”

Após tropeçar com o estagnado “Pagans in Vegas”, lançado em 2015, o Metric volta a apostar no dinamismo que sempre foi o ponto forte de sua música. Sintetizadores, guitarras e percussões se levantam e fazem “Art of Doubt” parecer muito mais curto e urgente do que seus 58 minutos sugerem. Exemplo perfeito é “Dressed to Supress”, faixa dançante e cheia de propulsão que não deixa a raiz rock da banda para trás.

18. James Bay, “Electric Light”

O músico britânico chegou energizado ao segundo disco, evitando a famosa maldição ao urbanizar o seu som, trazendo referências que o tiraram da prisão do álbum de estreia, cheio de belas (mas previsíveis) canções. Em faixas antêmicas e sexy, como “Pink Lemonade” e “I Found You”, ele desenterra um grande cantor-compositor, de repertório eclético e contemporâneo, que sempre esteve lá, mas precisava de espaço para desabrochar.

17. Natalia Lafourcade, “Musas: Un Homenaje al Folclore Latinoamericano en Manos de Los Macorinos, Vol 2”

Misturando faixas autorais e releituras de clássicos latino-americanos, Lafourcade conseguiu criar, neste 2º volume do projeto “Musas” um todo mais fluído e encantador. Talvez seja a experiência adquirida, mas a voz da cantora serpenteia entre tons e volumes (basta ouvir “Humanidad”) com mais sabedoria, e suas composições (a melhor, “Danza de Gardenias”, abre o disco) se integram perfeitamente com pérolas como “La Llorona” e “Te Sigo”.

16. Twenty One Pilots, “Trench”

A cada disco, o Twenty One Pilots reforça e refina sua inesperada e radical mensagem de união e idealismo em um cenário em que bandas (especialmente jovens) tecem comentários cada vez mais cínicos. “Trench”, como o título indica, visualiza toda uma geração unida na trincheira de uma guerra, e o Twenty One Pilots usa uma sonoridade por vezes brutal (vide “Jumpsuit”) para esconder a meditação serena e sensata (“Neon Gravestones”) de visionários culturais.

15. Kacey Musgraves, “Golden Hour”

Apesar do sucesso massivo nos EUA, poucos nomes da música country conseguem sair do nicho do gênero. Kacey Musgraves é um deles. Compositora habilíssima, cria melodias intrincadas e letras que tecem uma mensagem evocativa. Dos lamentos românticos de “Space Cowboy” à cintilantemente pop “High Horse”, o disco fecha com chave de ouro na belíssima “Rainbow”, adotada pela comunidade LGBTQ+ que fez de Musgraves um improvável ícone.

14. Luiza Lian, “Azul Moderno”

Brasilidade transborda de “Azul Moderno”, o disco mais completo e surpreendente de Luiza Lian. A mistura familiar de sons urbanos e alternativos com melodias que ecoam a tradição das religiões de matiz africana evolui para abarcar ainda mais pluralidade, ainda mais contradição, e ainda mais encanto. Bem no centro do disco, “Iarinhas” e “Pomba Gira ao Luar” irrompem na genialidade dessa proposta estética e narrativa acertadíssima.

13. Rae Morris, “Someone Out There”

Poesia e pop se encontram na música da Rae Morris. Em “Someone Out There”, ela cria baladas observadoras, impulsionadas por sintetizadores cavernosos e batidas propulsoras. É uma musicalidade mais alegre do que soa em teoria, e com mais momentos grudentos do que o esperado — experimente tentar tirar “Do It”, “Lower the Tone” ou “Dancing With Character” da cabeça. Descobrir os recônditos desta artista única é um prazer inestimável.

12. First Aid Kit, “Ruins”

Quem tem bronca com country e folk pode ser que não entenda a posição tão alta deste disco do First Aid Kit na lista, mas as melodias que as irmãs Klara e Johanna Söderbergh criam aqui são tão lindas, e a harmonia da voz delas tão perfeita. É uma mistura vencedora do tradicional (em certos momentos, os vocais são quase em yodeling, como na favorita “Hem of Her Dress”) com o moderno.

11. Kate Nash, “Yesterday Was Forever”

Poucas artistas tem o poderio dramático e compositivo de Kate Nash. Em “Yesterday Was Forever” ela passeia por punk, baladas de piano e faixas de puro teatro, quase faladas, para criar um disco delirante e personalíssimo, que traduz angústia e euforia, desespero e joie de vivre, em um álbum incansavelmente contemporâneo. “Drink About You”, “Karaoke Kiss”, “Musical Theatre” e “My Little Alien” pouco tem em comum, além da assinatura dela.

10. J. Cole, “KOD”

A qualidade mais impressionante de “KOD”, disco mais recente do rapper J. Cole, é a forma como ele equilibra considerações profundamente sociais e a leveza de um disco fácil de se escutar. Melodias se costuram em meio aos versos do artista, encontrando especial ressonância em “The Cut Off” e “Kevin’s Heart”, mas ele é igualmente potente quando investe em uma abordagem batida-e-verso mais pura, como em “1985”.

9. Christine and the Queens, “Chris”

O pop dinâmico, cheio de insights psicológicos, da francesa Christine and the Queens, finalmente encontrou o seu público com o segundo disco, “Chris”. Encarnando um alter-ego masculinizado, a artista discute o desejo em faixas surpreendentes, cheias de ganchos inusitados (vide “Goya! Soda!”), que se misturam com hip hop (o single “Damn, dis-moi”) e synthpop alternativo (“5 dols” e “Le G”) sem nenhum desconforto.

8. Kali Uchis, “Isolation”

Kali é a revelação do ano, a estreia com o ranking mais alto na lista. Que delícia ouvir essa mistura audaciosa de synthpop, bossa nova, funk, reggaeton e R&B. São composições únicas, dinâmicas, que se juntam para criar um álbum que tem espírito colorido e deliciosamente cafona, que encontra novos jeitos de ser e fazer pop. “Your Teeth In My Neck” e “Tomorrow” estão entre as canções mais surpreendentes do ano.

7. Florence + the Machine, “High as Hope”

Não há álbum em que o Florence + the Machine não amadureça e mostre esse amadurecimento em música. O encanto de “High As Hope” está nas moderações, e não nos exageros – em “Big God”, o instrumental esparso causa impacto emocional, e faixas como “June”, “Grace” e “The End Of Love” trazem grandiosidade nos momentos certos. Liricamente, o disco confronta envelhecimento e choque de gerações com a marca de uma grande obra pop.

6. Lily Allen, “No Shame”

Quem diria que a chave para um grande álbum de Lily Allen não era a ironia, mas a sinceridade? A britânica cria canções de quebrar o coração sobre divórcio, vício e maternidade. “No Shame” flerta com o hip hop e o reggae (em faixas como “Trigger Bang” e “Your Choice”), mas usa o eletropop (“Everything to Feel Something”) e a balada tradicional (a devastadora sequência “Family Man”, “Apples” e “Three”) para esticar seu apelo e sua expressão.

5. Blood Orange, “Negro Swan”

Dev Hynes continua sendo um dos artistas mais desafiadores e intrigantes da atualidade. O seu quarto disco como Blood Orange é expressão ao mesmo tempo serena, romântica, melancólica e raivosa da realidade social do seu país e do mundo. Com a assistência de Janet Mock, que aparece em faixas faladas durante o disco, Hynes cria uma obra profundamente melódica (“Charcoal Baby” é a favorita aqui) e climática, que ainda tem muito a dizer.

4. The Carters, “Everything is Love”

Em harmonioso dueto, os Carter tentam provar que “tudo é amor” com um disco que transborda júbilo, desfilando referências ao sucesso e à felicidade do casal na esperança de contagiar o ouvinte. Passeando por melodias suaves e momentos em que quase rouba o brilho do marido no rap, Beyoncé se mostra eficiente e genuína como há muito não conseguia (vide “Friends”), enquanto Jay-Z domina o microfone em momentos espetaculares, como “Nice” e “713”.

3. Janelle Monáe, “Dirty Computer”

A grande obra de aceitação e celebração de Janelle Monáe combina influências estéticas e sonoras sem abrir mão da autenticidade. Este é um trabalho que é distintamente dela. Jubiloso, musicalmente diverso, palpavelmente político em uma época em que se posicionar como artista é essencial. Se passou raspando de ser o melhor, “Dirty Computer” é com certeza o disco mais importante do ano.

2. The 1975, “A Brief Inquiry Into Online Relationships”

A modernidade nos falhou, mas o The 1975 não. “A Brief Inquiry Into Online Relationships” é uma jornada coesa e cristalina pelos sentimentos complicados da contemporaneidade: isolamento e ironia são os temas, mas a música é calorosa, reconciliadora, sincera e antiquada. Sobra jazz em “Be My Mistake” e “Sincerity is Scary”, enquanto “Mine” encapsula, em sua deliciosamente amarga intervenção de trompetes, toda a tese e toda a graça do disco.

1. Robyn, “Honey”

Robyn retorna com três discos em um. Após oito atribulados anos de hiato, a sueca destila sua jornada de coração partido e remendado com “Honey”, que mistura disco (“Because It’s in the Music”), eletrônica alternativa (“Send to Robin Immediately”) e synthpop descontraído (“Ever Again”) para contar uma história envolvente e musicalmente impecável. Seu apelo, sua representação dentro do cenário pop, nunca foi mais imponente.

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