Nova chacina em São Paulo expõe uma política de extermínio que tem aval da população
Quando um político, executivo, jornalista, apresentador de televisão ou qualquer outra pessoa da sociedade, num país com mais de 50 mil assassinatos por ano, enche a boca pra dizer que “bandido bom é bandido morto”, elx está apoiando uma política que se não é oficial, é pelo menos aceita tacitamente pelos governantes. De outro modo, como é impossível entender e aceitar o homicídio de ao menos 18 pessoas em menos de 3 horas na periferia da maior região metropolitana da América do Sul? Imagine, apenas imagine, a comoção nacional que o homicídio simultâneo de quase duas dezenas de pessoas desencadearia, por exemplo, na Inglaterra. O que aconteceria se quase todos os mortos fossem negros e pobres nos EUA? Quanto tempo um governador ou um secretário de segurança permaneceria no cargo se isso tivesse acontecido na Alemanha? Mas não, na São Paulo governada há mais de 20 anos pelo PSDB (não que seja muito diferente no Rio do PMDB ou na Bahia do PT) isso é rotina. Uma triste rotina.
A mais recente chacina, nas cidades de Osasco e Barueri, é a 11ª ocorrida na Grande São Paulo esse ano. Ao todo, são ao menos 72 mortos, como mostra a reportagem da Ponte (em http://ponte.org/72-foram-mortos-em-chacinas-neste-ano-na-regiao-metropolitana-de-sp/). Apesar de contabilizar há anos quedas consecutivas nos homicídios, o estado vem registrando também aumentos constantes nos índices de letalidade policial. Oficialmente, no primeiro trimestre de 2015, cerca de 18% das mortes à bala no estado são oficialmente de responsabilidade de agentes de segurança (http://www.ssp.sp.gov.br/estatistica/plantrim/2015-01.htm), ou seja, um homicídio a cada 12 horas. E isso não inclui chacinas por autores não identificados.
Há quase 10 anos, mais de 500 jovens, negrxs e periféricxs, foram mortos em duas semanas nos chamados Crimes de Maio, logo após os ataques da facção criminosa Primeiro Comando da Capital — PCC a agentes da lei, deixando também dezenas de cadáveres. Os crimes, de um lado e de outro, nunca foram devidamente esclarecidos, assim como não são cerca de 92% dos homicídios no Brasil. No caso dos cidadãos comuns, o modus operandi das chacinas, invariavelmente apontadas imediatamente pelas autoridades como prováveis “disputas por pontos de drogas”, é sempre muito parecido: após a morte de um policial carros com vidros escuros e motos rodam as periferias próximas com encapuzados assassinando aleatoriamente 10 pessoas. Não por acaso, semana passada foram mortos um PM e um Guarda Civil Metropolitano na mesma região dos crimes de quinta-feira. Obviamente pode ser apenas uma coincidência, mas deveria ao menos acender uma luz amarela.
E a coisa não vai ter solução tão cedo. Afinal, enquanto os governos estaduais investem cada vez mais em presídios e repressão, os setores de investigação e de defensoria pública são relegados a vigésimo plano. Por isso, desde 2006, o Movimento Mães de Maio, de familiares de vítimas da violência policial, tenta a federalização da investigação, que obviamente não vai chegar a lugar nenhum em São Paulo. Mas, diferente do caso da bomba na porta do Instituto Lula (que em nenhum momento pode ser menosprezado por sua importância simbólica da escalada da violência política atual), o pedido de transferência da competência da investigação para a Polícia Federal infelizmente vai seguir aguardando calado em alguma gaveta burocrática.
“Precisamos de uma lava-jato para violência policial”, reclama Débora Maria Silva, coordenadora das Mães de Maio. “Para investigar corrupção na Petrobras, tem dinheiro, pessoal, aviões, prisão preventiva, capas de revista à vontade. Mas para descobrir e punir quem está matando nossos filhos e mostrar a responsabilidade do Estado terrorista, sempre faltam recursos. Até hoje não foi feita sequer a perícia nas balas que mataram meu filho!”. Enquanto isso, grupos de indignados com as “intenções bolivarianas” do governo federal preparam novas manifestações onde tirarão selfies com Bolsonaros, PMs e coronéis de pijama que se orgulham de ter torturado “comunistas” durante a Ditadura e só se arrependem de não ter matado todos. E se você acha que uma coisa não tem nada a ver com a outra, pense novamente.