Na SBPC, lideranças indígenas gritam para não virar estátua e item de museu

por Jones Mário 

Demarcações de terras indígenas foi tema de mesa-redonda durante a 71ª Reunião Anual, na UFMS

 

“Não quero ser estátua. Não quero ser peça de museu, como essas cabeças de animais que a gente vê”, falou hoje a guarani-kaiowá Clara Barbosa de Almeida, convidada para mesa-redonda sobre demarcações de terras indígenas na 71ª Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). O misto de protesto e lamento se deu após a liderança da Terra Indígena Laranjeira Nhanderu, em Rio Brilhante, caminhar pela Avenida da Ciência e se deparar com exposição de crânios de bichos já extintos.

Clara Barbosa de Almeida, indígena guarani-kaiowá, durante mesa-redonda na Reunião Anual da SBPC (Foto: Kísie Ainoã)

“Eu quero que meu povo guarani-kaiowá resista ainda por muitos e muitos anos”, continuou. Graduada em Ciências Sociais pela UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), Clara aponta para 78 áreas reivindicadas por povos indígenas em Rio Brilhante, hoje ocupadas por produtores. A tensão no local é preocupação constante da liderança e das pessoas que vivem na comunidade.

“A morte ronda a gente 24 horas por dia. Eu não posso andar em Rio Brilhante como uma pessoa comum. Não atendo telefone de número desconhecido, porque sei que vem ameaça”, disse.

A mesa-redonda debateu as consequências do chamado “marco temporal”, cuja tese prevê que os indígenas só teriam direito à demarcação das suas terras se estivessem presentes na região na data da promulgação da Constituição de 1988. A medida está presente no caso que discute a posse da Terra Indígena Xokleng-La Klãnõ, dos Xokleng, em Santa Catarina, que teve repercussão geral reconhecida pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Assim, a decisão no processo servirá de referência aos demais sobre o mesmo tema.

“O marco temporal é uma bomba para nós. Seria um extermínio”, classificou Clara. Ela apontou que parte dos indígenas guarani-kaiowá foram expulsos de suas terras pelo extinto SPI (Serviço de Proteção ao Índio). “Quando voltamos tinham vários obstáculos. Fazendeiro da Alemanha, do Japão, que diziam ter comprado a terra, que a terra era deles, e que nós éramos os invasores”.

Terena Lindomar Ferreira também participou de debate sobre demarcação de terras indígenas na UFMS (Foto: Kísie Ainoã)
Terena Lindomar Ferreira também participou de debate sobre demarcação de terras indígenas na UFMS (Foto: Kísie Ainoã)

O terena Lindomar Ferreira também participou das discussões. “As lideranças estão aqui para dizer que a luta vale à pena. Estamos aqui para dizer quem somos, de onde viemos, o que queremos e porque devemos lutar”, pontuou.

A SBPC reservou um segmento de sua programação apenas para debates e encontros com temáticas afro e indígenas. As conferências protagonizadas por estes grupos continuam nesta sexta-feira (veja aqui os eventos).

Maior evento científico da América Latina, a 71ª edição da Reunião Anual da SBPC é realizada pela primeira vez em Campo Grande, na UFMS, e segue com portões abertos até sábado (27). Serão pelo menos 250 conferências, palestras, rodas de conversa, oficinas e minicursos. As atrações são gratuitas. 

 

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

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