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Mulheres Unidas Contra Bolsonaro denunciam à ONU violação de direitos humanos

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Marcha do #EleNão em Florianópolis. Foto: Alice Simas

Duas integrantes do grupo Mulheres Unidas Contra Bolsonaro, também conhecido como #EleNão, estão em Genebra desde a véspera do Dia Internacional da Mulher para entregar à Comissão de Direitos Humanos da ONU um Dossiê com denúncias sobre os atentados à vida das minorias no atual governo. Em 67 páginas, o documento expõe relatos sobre a violação de direitos das comunidades indígenas, negra, quilombola, sem terra, sem moradia e atingidos por barragens. Aponta os retrocessos impostos às conquistas constitucionais das mulheres e grupos LGBTQI+ e mostra o aumento acentuado da violência de gênero com os discursos de ódio promovidos por políticos e governantes. Reforça o assassinato impune de Marielle Franco com o envolvimento de filhos do presidente em milícias apontadas como responsáveis pela execução da vereadora. Salienta a violação à democracia com as ameaças de morte a intelectuais, artistas, ativistas e parlamentares da oposição, a exemplo do deputado federal Jean Wyllys, cuja renúncia ao mandato foi comemorada por Bolsonaro. Cita ainda o caso da antropóloga da UnB, Débora Diniz, que teve de deixar o país por ser vítima de linchamento virtual e ameaças de morte por defender a descriminalização do direito ao aborto. O pacote anticrime do ministro Sérgio Moro é denunciado como uma licença para matar que vai agravar o extermínio dos jovens negros. No dia 14 de março, a líder do movimento, Ludimilla Teixeira, fará uma palestra no painel do Festival Internacional de Cinema e Fórum de Direitos Humanos, a convite da direção do evento, ao lado de duas outras líderes feministas da Itália e Filipinas.

Ludimilla Teixeira, líder do MUCB: união internacional das mulheres para derrotar o fascismo

Elas conseguiram mobilizar quatro milhões de mulheres criando nas redes sociais uma comunidade feminista unificada pelo grito do “Ele Não!”.  Surgido espontaneamente no dia 31 de agosto, da ânsia de barrar o candidato que incentivava a violência machista e o ataque aos direitos das minorias, o grupo Mulheres Unidas Contra Bolsonaro (MUCB) provocou uma onda gigantesca de levantes nas ruas do Brasil e de vários países do mundo. Não conseguiu evitar a tragédia temida por todo o mundo defensor dos direitos humanos, mas seu grito continua ecoando país afora. Na véspera do Dia Internacional das Mulheres, Ludmilla Teixeira, a líder negra e nordestina do MUCB e sua assessora de comunicação, Gisele Figueiredo, chegaram à Genebra com um Dossiê de Denúncias sobre os atentados à vida de mulheres e outros grupos vulneráveis pelo governo Bolsonaro que será protocolado na Comissão de Direitos Humanos da ONU, onde têm reunião no dia 12 de março, durante sua estada na Suíça. Por conta da repercussão do movimento que liderou no Brasil, Ludmilla foi convidada a participar como palestrante de uma mesa-redonda do 17º Festival Internacional do Cinema e Fórum dos Direitos Humanos (FIFDH), mais importante evento mundial dedicado ao tema, que acontece paralelamente ao Conselho dos Direitos Humanos da ONU.

Convite enaltece a repercussão da luta das mulheres contra a eleição de Bolsonaro

De 8 a 17 de março, a brasileira participa em Genebra de um fórum de discussão sobre os desafios geopolíticos planetários, onde são denunciados os atentados à dignidade humana e saudados os trabalhos dos que lutam contra essas violações. Ela terá um momento de fala no dia 14 de março, quando a partir das 20 horas, na Grande Salle do Espace Pitoëff, integra o painel com o instigante título “Para o povo, contra o populismo”. Nesse painel que abre com a exibição de um filme, debaterá sobre a ascensão dos regimes populistas e os ataques às instituições democráticas, ao lado da filipina Ninotchka Rosca, escritora, romancista e ativista social e da italiana Annalisa Camilli, jornalista investigativa, especializada em migração e direitos humanos. Elas farão uma leitura feminista desse populismo liderado por “homens fortes” que se alinham pelos retrocessos no campo democrático e ataques às mulheres e minorias. Moderada pelo professor do Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences-Po), Bertrand Badie, a mesa tem a tarefa de debater sobre como esses regimes prosperaram no século XXI e buscar possibilidades de responder à onda de ódio e medo que eles alavancam.

Natural da Bahia, publicitária, feminista, servidora previdenciária da APS de Itapuã, 36 anos, Ludimilla é reconhecida na carta-convite por seu compromisso pessoal com a promoção dos direitos humanos no Brasil a partir do lançamento do #EleNão durante a campanha eleitoral, que fez dela “uma figura emblemática da resistência ao populismo do novo presidente brasileiro”.  Assinada pela diretora geral, Isabel Grattiker e pela produtora do Fórum, Carolina Abu Sa’da, a carta enfatiza que no evento a brasileira terá a oportunidade de compartilhar a sua experiência como liderança deste movimento, fazer suas análises sobre a situação do Brasil e apontar perspectivas de luta pelos direitos humanos. “Não podemos pensar em uma representante melhor para esta discussão”, referendam as anfitriãs em nome das instituições estrangeiras que cobrem todas as despesas da viagem, hospedagem e subsistência das brasileiras. O Festival é apoiado pela Anistia Internacional, Human Rights Watch e Médicos sem Fronteiras, Ministério das Relações Exteriores da Suíça, entre muitos outros defensores dos direitos humanos da sociedade civil.

POPULISTA DE DIREITA PARA OS DOMINANTES, FASCISTA PARA AS MINORIAS

Recebido pelo grupo com muita vibração, o convite foi visto como uma forma de reconhecimento ao seu trabalho de mobilização contra o fascismo, que segue com 2,5 milhões de mulheres, mesmo após o resultado das urnas. Ativista pelos direitos humanos e animais, ela conta que ao ler a proposta do evento teve dificuldade de entender a relação entre o governo Bolsonaro e o tema da ascensão mundial do populismo. Em entrevista de vídeo para os Jornalistas Livres produzida pela jornalista Gisele Figueiredo logo ao chegar em Genebra, Ludmilla relata que precisou estudar a literatura internacional na área de ciências políticas para entender que os europeus associam o populismo a governos da nova direita e não aos governos de esquerda ou centro-esquerda, que exploram medidas econômicas de caráter mais assistencial para manter o carisma popular, como a mídia brasileira propagou durante os governos Lula e Dilma.

Populistas são políticos como Trump (EUA), Viktor Orbán (Hungria), Mateus Morawieck (Polônia), Sebastian Kurz (Áustria), Conte e Salvini (Itália), Duterte (Filipinas) e Erdogan (Turquia), que mobilizam a população mais conservadora com apelos moralistas contra os direitos das minorias, sobretudo dos imigrantes, para obter o seu apoio em medidas econômicas antipopulares. “Então entendi que nessa visão europeia, Bolsonaro seria um populista, mas não para as minorias, ele tenta se tornar popular para os que estão no poder, que são na maioria homens brancos, heterossexuais, de classe média ou alta para quem ele oferta um pensamento conservador e preconceituoso, mas para nós, as minorias étnicas, ele não é populista, eu o consideraria um fascista”, afirma, com a ressalva de que na Europa o conceito de fascismo é menos aplicado do que na América Latina.

DOSSIÊ DENUNCIA VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS EM DOIS MESES DE GOVERNO

Aceito o convite, começou a mobilização para elaborar coletivamente o Dossiê de Denúncias que será protocolado na próxima semana na Comissão de Direitos Humanos da ONU. Em 67 páginas, o documento traz um diagnóstico dos ataques às conquistas feministas, das minorias de gênero, do crescimento da violência contra a mulher e do atentado à vida das comunidades indígenas, negros, quilombolas, militantes sociais, sem-terras, sem-teto e atingidos por barragens, com os crimes de Mariana e Brumadinho. Está organizado em seis tópicos principais: 1. Questão indígena e ambiental; 2. O caso das mineradoras; 3. Questão LGBTQI+;  4. Violência contra ativistas e a lei antiterrorismo; 5. Feminicídio, estatuto do nascituro e proibição de anticoncepcionais e 6. Racismo, violência contra quilombolas e assentados.

Embora o #EleNão tenha sido o único coletivo feminista convidado para o evento, elas fizeram questão de envolver outros movimentos sociais na elaboração do Dossiê, como o Movimento Atingidos por Barragens, Comunidade Indígena dos Tupinambá da Serra do Padeiro, Comunidade LGBTQI+ Brasileira, Movimento Negro, Shayana Busson, mestre em Sociologia e ativista do parto humanizado. O tópico referente à violência contra ativistas, por exemplo, foi elaborado com a contribuição de militantes do 8M SC em Florianópolis. Nessa questão, o próprio MUCB se inscreve como vítima das milícias digitais, que ao ver a potência de mobilização do grupo, começaram a atacar a página, chamando as administradoras de “putas” e “vagabundas” e acusando-as de fazer campanha para candidatos de esquerda. No auge da sua repercussão, em 14 de setembro de 2018, a página do Facebook foi hackeada por eleitores antifeministas que a renomearam para Mulheres Unidas com Bolsonaro, obrigando a organização antifascista a mudar de endereço. Muitos comentários incitavam a violência, afirmando que as integrantes deveriam ser espancadas e estupradas. Temendo por sua vida, a administradora do grupo chegou a desativar sua conta no Facebook. Por conta da lei antiterrorismo, o grupo também está sendo obrigado a mudar seu nome oficial para Mulheres Unidas com o Brasil, embora na prática preserve a definição original da sigla.

Na entrevista, a militante afirma que o grupo continuará se mobilizando, articulado a outros coletivos feministas e movimentos sociais na luta pelos direitos das mulheres e das minorias. Ela considera prioridade a luta para deter o extermínio da população indígena e negra, e para manter os avanços das conquistas feministas, a democracia, os direitos trabalhistas e previdenciários. Defende o caráter apartidário do movimento como forma de alcançar a unidade das mulheres para derrotar o fascismo que pode se estender como rastilho de pólvora, sobretudo a unidade internacional.  “Estamos representando uma população tratada como minoria, mas se juntarmos todas essas minorias elas se tornarão maioria e irão derrotar este governo que está indo contra nossa própria existência”.

TRECHOS DA APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ DE DENÚNCIA À ONU

“É triste constatar que a ascensão de governos como o de Bolsonaro só estimula o avanço do discurso do ódio contra as minorias e ataques aos direitos humanos, o que gera concordância com sua analogia a governos fascistas de outrora. A liberdade é questionada e o autoritarismo avança, gerando sinal vermelho para aqueles que lutam na defesa da democracia e na Proteção do Estado Democrático de Direito.”

“O repúdio ao machismo, à misoginia, ao racismo, à xenofobia e a todos os outros tipos de preconceitos se tornou a principal pauta de reivindicação da sociedade brasileira, assim como a luta por liberdade, feminismo, demarcação de terras indígenas, reforma agrária, direito à moradia e reforma urbana”.

 

 

 

 

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4 Comments

4 Comments

  1. Pingback: Mulheres Unidas Contra Bolsonaro denunciam violação de Direitos Humanos na ONU – IMPRENSA LIVRE

  2. Vanusia dias

    10/03/19 at 11:12

    Bom dia. Na verdade chegamos a 3.9 milhões de mulheres na época da eleição. Hoje temos 2,5 milhoes de participantes.

  3. Vanita Maristela de Aguilar Cruz

    10/03/19 at 16:56

    O MUCB, deve lutar também contra a Reforma da Previdência, a Lei trabalhista e defender as maiorias. Ao meu ver as minorias são maiorias.
    E a questão do populismo ela comete um equívoco em dizer que Bolsonaro é populista por se comprometer com uma minoria. Não é isso. Ele é populista por levar bandeiras às massas, porém o compromisso dele é com uma minoria.

  4. LUCIA HELENA

    10/03/19 at 18:13

    Por que a ONU,nao olha Venezuela e os outros países que estao passando fome.

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Nota da ABI – Bolsonaro mente na ONU e envergonha o Brasil

No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional.

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No seu discurso na manhã desta terça-feira na Assembléia Geral das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro contribuiu para que o Brasil caminhe para se tornar um pária internacional.
Sem qualquer compromisso com a verdade, o presidente afirmou que seu governo pagou um auxílio emergencial no valor de mil dólares para 65 milhões de brasileiros carentes, durante a pandemia. O auxílio foi de 600 reais.
Bolsonaro mentiu
O presidente responsabilizou, ainda, índios e caboclos pelos incêndios na Amazônia e no Pantanal, que alcançam níveis nunca antes vistos no País. Todas as investigações, inclusive de órgãos oficiais, indicam que fazendeiros estão na origem das queimadas.
Como se vê, de novo Bolsonaro mentiu.
O presidente transferiu a responsabilidade para governadores e prefeitos pelos quase 140 mil mortos vítimas do coronavírus. Todo o país é testemunha de sua leviandade, ao classificar a pandemia de “gripezinha” e ir na contramão dos procedimentos defendidos pelas autoridades de Saúde.
Assim, mais uma vez Bolsonaro mentiu.
A ABI, com a autoridade de seus 112 anos de existência em defesa da democracia, dos direitos humanos e da soberania nacional, repudia esse comportamento que vem se tornando recorrente e conclama o povo brasileiro a não aceitar o verdadeiro retrocesso civilizatório que o governo está impondo ao País.
Paulo Jeronimo – Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

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Sem papas na língua. Juliano Medeiros no Dialogando de hoje

Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!

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Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? No Programa Dialogando desse domingo (26/07), 18h, o Pastor Fábio recebe Juliano Medeiros, presidente do PSOL para um papo sobre eleições e aprendizados da pandemia que passa por uma das fases mais críticas do momento, onde prefeituras e governos de vários Estados do país programam reabertura de mais uma parcela considerável de setores, enquanto isso, a mídia normaliza as curvas ascendentes do número de infectados pelo Coronavírus.

Outra pergunta que precisa ser respondida é qual é o sentido das eleições serem realizadas ainda neste ano? Quais interesses políticos estão por detrás da próxima disputa eleitoral? Tudo isso e um pouco mais, sem papas na língua, como diz o Pastor Fábio. Vem!

Assista, compartilhe. comente e mande perguntas no Facebook.

Juliano Medeiros é um jovem dirigente político da esquerda brasileira e desde janeiro de 2018 ocupa a presidência do Partido Socialismo e Liberdade. Historiador e Mestre em História pela Universidade de Brasília, é Doutor em Ciências Políticas pela mesma instituição.

Co-autor e organizador de Um Mundo a Ganhar e Outros Ensaios (Multifoco, 2013), Um Partido Necessário – 10 anos do PSOL (Fundação Lauro Campos, 2015) e Cinco Mil Dias: o Brasil na era do lulismo (Boitempo, 2017), colabora com sites, jornais e revistas no Brasil e exterior.[2]

Em 2018 coordenou a campanha de Guilherme Boulos à Presidência da República pelo PSOL[3] e, no segundo turno, após decisão do partido, passou a integrar a coordenação da campanha de Fernando Haddad[4]. Desde a vitória de Jair Bolsonaro, participa do Fórum dos Presidentes de Partidos de Oposição[5].

Durante mais de uma década Juliano Medeiros foi dirigente da corrente interna Ação Popular Socialista – Corrente Comunista do PSOL. Em Junho de 2019, a APS-CC se fundiu com o Coletivo Rosa Zumbi e mais oito coletivos regionais para fundar a Primavera Socialista, atualmente maior tendência do PSOL, da qual Juliano também é dirigente.[6]

Fábio Bezerril Cardoso é Pastor, cientista social, ativista social e Cofundador & Coordenador da Escola Comum e atualmente apresenta o Programa Dialogando, todos os domingos, às 18h. É um dos pastores progressistas que têm lutado pela defesa dos povos periféricos e costuma não ter papas na língua para falar sobre a realidade desses lugares. A produção é de Katia Passos, com arte de Sato do Brasil.

Conheça mais sobre a atuação do Pastor Fábio https://www.facebook.com/fabio.bezerrilhttps://www.facebook.com/fabio.bezerril

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Hilário Ab Reta Awe Predzaw e a história de um povo, historicamente, moído pelo ódio ou indiferença

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Por Diane Valdez, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, militante do Movimento de Meninos(as) de Rua e Comitê de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno

 

 

Hilário Ab Reta Awe Predzaw, 43 anos, morador da Aldeia Xavante N. S. de Guadalupe, em Barra do Garças, Mato Grosso, morreu na madrugada de 18 de junho de 2020, vítima do descaso governamental que permitiu a chegada do Coronavírus em sua comunidade. Era aluno do 5º período do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás. Sua tia morreu há pouco mais de uma semana vítima do mesmo descaso, a mãe e seus dois irmãos, seguem contaminado pelo vírus, assim como outros Xavantes e outras pessoas de etnias indígenas de todo o Brasil.

Hilário entrou na UFG, pelo sistema de cota para indígenas, no ano de 2018. Chegou com o já conhecido atraso histórico de acesso dos povos originários no ensino superior, ainda que a UFG seja uma das universidades públicas que tem buscado cumprir com o direito de povos indígenas ao ensino universal, o acesso e a permanência ainda sofrem de fragilidade.

A trajetória de Hilário, na UFG, não se limitou às dificuldades ocasionadas pela pobreza, como muitos de nossas/os alunas/os enfrentam. A academia era um outro mundo, distante de sua comunidade, não só em quilômetros, como também em movimentos culturais, sociais e políticos. Talvez essa distância, o fazia um aluno reservado e observador, sem abrir mão da seriedade e interesse pelo conhecimento.

Era umas das lideranças de seu povo, portanto, sabia da responsabilidade que assumia frente a comunidade, ele seria um professor, um educador de seu chão, de sua gente. Hilário trabalhava em uma escola, com o formato de um Tatu Bola, na sua aldeia, trabalhava na área de serviços gerais, em breve voltaria como Professor!

No primeiro ano de curso, Hilário, na desconfiança de seu silêncio indígena, que não significava submissão, tentava se inserir no mundo acadêmico. Veio um tempo, que largou tudo e voltou para a aldeia, não por opção dele, mas por opção deste desgoverno que é incansável na destruição de direitos dos povos originários.

O Ministério da Educação e Cultura, suspendeu todas as bolsas de permanência para a população indígena e quilombola. Um grupo de alunas e professoras se juntaram, arrecadaram dinheiro e o trouxeram de volta para a Faculdade. Foi feita uma mobilização de docentes e discentes sensibilizados e a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFG, cumprindo seu importante papel, disponibilizou uma bolsa e outros auxílios emergenciais.

Nessa ocasião, quando perguntado sobre o porquê de não falar nada dos problemas para colegas, e voltar para sua comunidade, Hilário disse que achava que ninguém sentiria falta dele.

No segundo ano, trouxe seu curumim para estudar em Goiânia, começou a trabalhar como intérprete na escola, acompanhando seu filho na dificuldade com a lingua. Era visível seu orgulho de exercer a função de intérprete. Lutou e enfrentou as diferenças que separavam as culturas e, como muitos, guerreou como seus ancestrais, para não perder seu lugar de legítima conquista.

No início da Pandemia, que começou junto com o semestre letivo, Hilário resistiu em voltar para sua comunidade, tinha medo das aulas retornarem e ele não estar presente na Faculdade, isso aponta o lugar que a UFG ocupava em sua vida. Quando percebeu que seu povo não estava acreditando na letalidade do vírus, retornou para alertar todos sobre o perigo. A UFG, cumprindo seu papel de instituição pública, providenciou o transporte para seu retorno no Mato Grosso.

Em maio, informou para duas amigas, que sua comunidade precisava de cobertores, pois fazia muito frio, e seu povo estava adoecendo. Elas mobilizaram, imediatamente, uma Vakinha On Line, onde arrecadou-se pouco mais de três mil reais, no entanto, como o total da arrecadação demora para ser liberado, emprestaram dinheiro e compraram os cobertores de forma mais hábil, enviando-os dia seguinte.

Os sintomas que atingia a comunidade, febre, falta de ar etc. já indicavam que era Coronavírus, no entanto, isso não foi motivo de interesse governamental, que poderia ter evitado o alastramento do vírus.

Ao apresentar os sintomas da doença, Hilário mostrou-se resistente em ir para o hospital, tinha dificuldade de aceitar o tratamento “dos brancos”. Acreditava nos rituais de seu povo, no tratamento natural que conhecia há tempos. Por outro lado, a histórica resistência dele, fazia todo sentido, pois sabemos como os povos indígenas são tratados neste país tão indígena que não se reconhece como indígena. Foi convencido a ir para o hospital e, na última conversa com as amigas em chamada por vídeo, estava muito escuro, e a família arrumou uma lanterna para as meninas verem o rosto dele, que disse para elas, em lágrimas, que estava somente suado, quando perguntado se estava com medo, disse que sim, que estava com muito medo…

A ida para o hospital foi acompanhado de longe pelas amigas, falavam sempre com a Assistente Social que afirmava que Hilário estava se recuperando, que receberia alta a qualquer momento. Nessa madrugada, ao pedirem informações sobre o amigo no hospital, alguém disse que alguém havia morrido, mas não sabia o nome. O nome de mais um número morto é Hilário Ab Reta Awe Predzaw, que deixou a mulher, filhos e todo seu povo Xavante.

O acesso dos povos indígenas ao ensino superior é recente, no entanto, é marcado por extrema coragem e resistência, pois o mundo acadêmico não é de todo um espaço acolhedor. Ainda que a dureza prevaleça na universidade, Hilário encontrou solidariedade e amizade na Faculdade de Educação, ainda que não seja uma solidariedade coletiva, foi construído uma rede de apoio, tanto de alunas/os, como também de docentes, isso pode ter aliviado sua dura estrada longe de seu chão.

Hilário não morreu porque “chegou a hora dele”, morreu por não ter o direito de ser mais um indígena, digno de necessários cuidados. Hilário, era um homem parte do “povo indígena”, um povo invisibilizado, injustiçado, espezinhado, humilhado e, odiado por este desgoverno.

Um povo com suas terras ameaçadas e roubadas pelo latifúndio, mortos por pistoleiros do agronegócio, ironizado e menosprezado por representantes deste desgoverno, ignorado por gente nativa que se acha descendente de europeus, machucados por todos que acham que universidade não é lugar de indígenas.

Não sei falar de fé, nem de ‘destino’, nem de coragem para aliviar o cansaço de um tempo incansavelmente dolorido. Ironicamente, para não dizer, funestamente, o tal ministro da educação, que afirmou odiar a expressão “povos indígenas”, ampliando seu descaso com a educação, revogou hoje [H OJ E], (19/06) a portaria assinada pelo ex-ministro de educação, Aluísio Mercadante, que estabelecia a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação. Hilário, estaria fora da pós-graduação, se dependesse deste ser desumano.

Quando lanternas começaram a iluminar caminhos de direitos para esta população, no interior de nossas universidades públicas, ainda que timidamente, um furacão de perversidade em formato de governo, dá pontapés e pisa, moendo, as possibilidades de justiça. Feito bandeirantes, grupos genocidas a frente das decisões da nação, estimulam a morte em todos os formatos. Deixar que o coronavírus atue, sem controle, é a proposta de morte atual para os povos originários.

Como Hilário, temos medo, muito medo, mas agarremos as lanternas, e assumimos nosso lugar na defesa dos povos indígenas, não os condenando a escuridão, como muitos fazem.

Hilário Ab Reta Awe Predzaw presente!

Este texto foi escrito com informações coletadas com as alunas, companheiras de Hilário, da turma do quinto período de Pedagogia da Faculdade de Educação/UFG, Dorany Mendes Rosa e Raysa Carvalho.

A elas e a toda turma, meu carinho e solidariedade.

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